Ideia é popularizar histórias conhecidas por poucas pessoas, mas essenciais para a formação cultural a religiosa do país
Embora seja o país que mais recebeu pessoas escravizadas do continente africano em toda a história, o Brasil ainda conhece e debate pouco os costumes, tradições e mitos religiosos e culturais que chegaram ao território nacional a partir desta diáspora forçada.
Uma iniciativa que envolve arte e educação e nasceu no interior de São Paulo quer mudar essa realidade, inspirada em contadores e contadoras de histórias ancestrais. O grupo Oriki, com origem em Campinas, leva aos palcos os mitos fundadores da espiritualidade afrobrasileira.
Primeiro projeto da iniciativa, o espetáculo OlorumAyé reúne música, dança e atuação para contar a história da criação do mundo e da humanidade pelos Orixás. Olorum é a entidade suprema que concebeu o universo e Ayé é o planeta terra.
A atriz, pesquisadora e arte-educadora Ayo Bento, idealizadora do grupo, afirma que a ideia surgiu da vontade de compartilhar uma experiência de infância: o contato com as histórias ancestrais, com origem ou influência do continente africano. As narrativas contadas pelo pai, segundo a artista, foram essenciais como referências de vida e identidade.
“Eu sempre tive a cultura Iorubá no meu sangue e sempre honrei muito os meus ancestrais. Sendo uma mulher preta e descendente de pessoas africanas escravizadas, ainda assim, me sinto privilegiada. Porque meu pai sempre contou histórias de pessoas pretas, grandes, reis, rainhas, artistas. Essa vontade de contar histórias pretas começou daí.”
A principal inspiração para o formato do espetáculo está nos Griots, artistas de diversas regiões da África que viajaram e viajam o mundo para espalhar conhecimento por meio da oralidade. Com poesia e música esses grupos falam de espiritualidade, cultura, plantas medicinais, culinária e diversos aspectos cotidianos e sagrados.
Guardiões e guardiãs da palavra e da cultura viva, os Griots se mantêm há séculos e foram responsáveis por preservar memórias mesmo em períodos de grandes violações dos direitos humanos em nações africanas.
Ao longo da formação como atriz e educadora, Ayo Bento ampliou os questionamentos sobre a ausência da cultura afrobrasileira, inclusive no ambiente acadêmico. “Por que não vivenciamos os mitos africanos? Por que não estudamos teatro africano dentro da universidade?” Em OlorumAyê, o Grupo Oriki preenche esse vazio também com elementos visuais que remetem ao sagrado das religiões de matriz africana e compõem a contação.
Para explicar a figura de Exu, por exemplo, estão presentes as cabaças e alguidares, utensílios que carregam as oferendas ao santo. O Orixá abre a comunicação entre a humanidade e o sagrado e, portanto, é o primeiro a ser reverenciado nas festas das crenças afrobrasileiras. No palco do grupo teatral, ele também abre o espetáculo.
“Foi muito importante para mim, enquanto mulher preta, conhecer essas histórias, saber que elas existem, não ter medo de me assumir preta, honrar a minha negritude e o lugar de onde eu vim. Gostaria de transmitir essas histórias para outras pessoas pretas. Para que elas também possam sentir esse orgulho”, ressalta Ayo Bento.
O espetáculo OlorumAyé será apresentado no próximo dia 5 de agosto, na histórica Casa de Cultura Tainã, em Campinas, como parte do tradicional Feverestival. O espaço de resistência existe há mais de 30 anos na região e se transformou em símbolo cultural e coletivo. A sessão começa às 16h e tem entrada franca.
No dia 31 de agosto, o grupo levará a contação de histórias para o CEU Florence, que fica no bairro Jardim Florence, periferia campineira. No local o grupo vai ministrar ainda oficinas de narração, música e dança afro. As atividades também são gratuitas.
Edição: Thalita Pires
Fonte: Brasil de Fato