Por Lucas Morais – Terça, 21 de novembro de 2023
Nos últimos anos, o Brasil se tornou um dos principais compradores de equipamentos e tecnologia militar israelense. As relações envolvem tanto a União quanto os estados, que importam armas do país que há quase seis semanas está em guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, onde mais de 13,3 mil pessoas já morreram.
Será que o posicionamento crítico do governo brasileiro em relação às ações de Tel Aviv contra os palestinos pode impactar essas transações? Em um encontro virtual com líderes dos países do BRICS, grupo que além do Brasil reúne Rússia, Índia, China e África do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta terça-feira (21) que os embates são fruto de “décadas de injustiça” contra o povo palestino. Além disso, o petista defendeu o reconhecimento do Estado da Palestina, aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1948 e que até hoje não se efetivou, como “única solução possível para o conflito”.
Aliadas a essas declarações, as crescentes tensões diplomáticas entre Brasil e Israel chegaram inclusive na embaixada israelense em Brasília, quando o embaixador Daniel Zonshine teve um encontro público com o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) e deputados da oposição ao governo Lula. O especialista em assuntos militares Pedro Paulo Resende disse à Sputnik Brasil que tudo isso pode impactar as relações militares em projetos futuros. É o caso da Elbit, empresa israelense que exporta tecnologia militar.
“A Elbit estava bem cotada para o programa de artilharia pesada de 155 mm com o ATMOS (super obuseiro automático desenvolvido pela empresa para as Forças de Defesa de Israel), e os desentendimentos entre os governos pode trazer mudanças nisto”, pontuou o analista. As relações militares entre os dois países ultrapassam negociações apenas com a União. No último mês, em meio à sangrenta guerra em Gaza, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apresentou os novos armamentos da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa especial da Polícia Militar do estado paulista.
Ao todo, são dez metralhadoras leves Negev de calibre 7,62 mm, da Israel Weapon Industries Ltda (IWI), que foram adquiridas ainda em 2020 durante a gestão João Doria (PSDB) e são consideradas armamentos de guerra, usados inclusive na atual operação israelense em Gaza. Já em Goiás, o governo do tucano Ronaldo Caiado fechou recentemente contrato com a Israel Weapon Industries para a aquisição de carabinas semiautomáticas calibre 5,56x45mm, ao custo de quase R$ 500 mil.
Apesar do possível impacto em negociações futuras, o especialista acredita que não haverá mudanças nos programas que já estão em curso. “A ELBIT, que é a maior empresa de Defesa de Israel, tem uma subsidiária em Porto Alegre (RS) e trabalha em cinco projetos importantes para a Força Aérea Brasileira [FAB] e o Exército. No Programa F-X2, ela fabrica o painel multifuncional de bordo, o sistema de tiro montado no capacete do piloto e o computador que gerencia o combate”, acrescenta.
Outro projeto de cooperação militar em andamento é o desenvolvimento do LINK-Br2, que vai interligar a transmissão de dados entre radares de detecção de alvos e todos os aviões de combate e de alerta antecipado da defesa brasileira. “Para o Exército, ela trabalha em um rádio designado por software, que amplia a segurança da transmissão por voz. Nestes programas, tudo terá continuidade. Em compra direta, o Exército adquiriu mísseis antitanque SPIKE da Israel Aerospace Industries. O cumprimento do contrato dependerá muito mais de Israel do que do Brasil”, explicou.
Mesmo com a parceria intensa nesse setor nos últimos anos, Resende enfatiza que a dependência brasileira com a tecnologia militar de Israel tende a ser cada vez menor.
“Atualmente, a FAB usa como padrão para combate aéreo os mísseis DERBY e Python 4, fabricados pela empresa israelense Rafael Advanced Defense Systems. Porém, eles não serão integrados aos novos caças SAAB F-39E Gripen, que vão receber armas europeias [o Brasil fechou contrato com a Suécia para a troca de todos os caças da frota]”.
Como alternativa a Israel, o analista em assuntos militares acredita que o Brasil poderia recorrer aos países do BRICS, principalmente Rússia, China e Índia, para suprimir o problema, mas há grandes obstáculos. “Muitos de nossos programas têm parceiros ocidentais que participam da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], como o Gripen E. Este é um obstáculo quase intransponível. Acredito mais na adoção de equipamentos ocidentais”, finalizou.
Intensificação da cooperação
A professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adriana Marques, também ouvida pela Sputnik Brasil, lembrou que o fornecimento de equipamentos, tecnologia e até treinamento militar por Israel ao Brasil se intensificou ainda mais durante o governo Bolsonaro.
“Temos que lembrar inclusive que o embaixador de Israel durante a gestão do ex-presidente foi um general. O que acontece é que nos últimos anos houve uma intensificação desse intercâmbio e compra de materiais, mas o Brasil pode diversificar essa cooperação com outros países”, afirmou.
Mesmo com os posicionamentos divergentes em meio ao conflito na Faixa de Gaza, Marques vê que não há risco significativo de impacto nas relações militares entre os dois países. Com relação à demanda trazida pela guerra à indústria bélica de Israel, a especialista acrescentou que momentos de instabilidade mundial sempre levam a maiores investimentos dos governos nas Forças Armadas. “Nesse contexto, há um aumento do orçamento para a compra de equipamentos, o que favorece ainda mais empresas como essas”.
Fonte: Sputiniknews