O isolamento e a sensação de não pertencimento são pontos-chave na síndrome, que acomete principalmente migrantes que sofreram com processos complicados durante o trajeto e a chegada ao novo local
Por Fernanda Real – Domingo, 25 de setembro de 2022
Sentir-se deslocado, fora do lugar ou mesmo nutrir um sentimento de não pertencimento são algumas das principais emoções imediatas de quem imigra. Esse sentimento pode ser expandido, à medida que essa migração decorre de fatores extremos. No caso dos refugiados, a condição é ampliada devido aos traumas e às condições desumanas que ocasionaram a migração forçada.
A síndrome do Imigrante com Estresse Múltiplo, também conhecida como síndrome de Ulisses, é uma condição mental específica que acomete pessoas em trânsito e os sintomas envolvem quadros depressivos, ansiosos e dissociativos. Em alguns casos, elas podem desenvolver quadros de dependência química e até dores físicas.
Desafios para recomeçar
O pesquisador do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFCLH) da USP, João Gilberto Belvel, explica que o nome da síndrome tem origem na sua relação com o poema épico de Homero, que descreve a jornada do herói Ulisses. Como na mitologia, a sensação de perda é presente na condição vivida pelos migrantes. Nessa situação, há quase um processo de luto na imigração, que pode estar ligado à solidão do isolamento do convívio social, além da necessidade do recomeço e da instalação de novas raízes sociais e culturais em um novo lugar.
“Isso é recorrente, a sensação de isolamento, o estresse pela perda absoluta de referências culturais e sociais, o distanciamento dos parentes”, somados à desconexão e impressão de não pertencimento são algumas das principais causas destacadas por Belvel. Tais fatores são ampliados à medida em que a barreira da linguagem se faz presente, sem mencionar a xenofobia.
E não só a chegada ao novo local é motivo de atenção, uma vez que o próprio percurso da migração é um potencial ocasionador da síndrome, como os perigos enfrentados durante a viagem. Para esses indivíduos, o processo migratório estaria, então, “relacionado com o ‘desfazer’ das identidades que sempre fizeram parte dessa pessoa”’, complementa a pesquisadora Julia Bartsch, especialista em psicanálise em imigração no Instituto de Psicologia da USP.
Agentes culturais no amparo
O choque em recomeçar pode ser atenuado quando há assistência mais direcionada. Ambos os pesquisadores ressaltam medidas que envolvem não apenas o amparo médico na chegada de migrantes em situação de refúgio. A presença de centros de cultura, um assistencialismo pautado na cultura e língua de origem podem diminuir, de certa forma, a distância do local de origem desses migrantes, amenizando o processo da perda em imigrar.
Fonte: Jorna USP