Em auditório lotado, Carlos Ocké-Reis, Esther Dweck e Lenir dos Santos refletiram sobre como viabilizar economicamente o fortalecimento do SUS. Mas retomar o investimento precisará de forte participação popular e combater a cultura que vê saúde como consumo
Por Gabriel Brito – Quinta, 24 de novembro de 2022
O segundo dia do 13º Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Abrascão 2022, continua movimentando salas e corredores do Centro de Convenções de Salvador. São dezenas de atividades simultâneas que conformam o maior encontro de saúde pública do país, desta vez no estratégico momento da eleição de Lula à presidência da República e a retomada de uma série de debates a respeito da construção de um estado de bem estar social no Brasil.
Na manhã desta terça, o Outra Saúde acompanhou um tema que parece mais sensível no presente: o orçamento público. O debate intitulado A disputa pelos fundos públicos no Brasil e as estratégias para o financiamento sustentável do SUS reuniu os economistas Carlos Ocké-Reis e Esther Dweck e a sanitarista e pesquisadora Lenir dos Santos. Foi mediado pela economista e doutora em saúde coletiva Erika Aragão. Cerca de 400 pessoas lotaram um auditório do Centro de Convenções.
“Vivemos um tempo da razão de mundo neoliberal [conceito dos filósofos franceses Cristian Laval e Pierre Dardot], no qual constitucionaliza-se ideias macroeconômicas, de maneira que os dogmas neoliberais se tornam regras acima de governos. A EC 95 [teto de gastos sociais] é isso”, explicou Esther Dweck.
Para ela, está evidente que o teto de gastos não existe mais – se é que em algum momento existiu. Abre-se um novo tempo onde a grande disputa política, como demonstra a gritaria midiática dos mercados, é a respeito do que colocar no lugar. No entanto, deve-se oficializar o fim do teto, já que, em tese, desobedecer o dogma neoliberal incorreria em violação de entendimento constitucional. Brecha para um golpismo que o país observa desde o primeiro minuto da derrota de Bolsonaro.
Ocké-Reis, por sua vez, explicou o caráter estratégico da saúde não apenas na garantia do acesso a um direito: investimentos, inclusive no chamado Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com repercussões no campo da tecnologia e inovação, são meios para reposicionar o Brasil no mundo.
“Por isso nós, da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), temos a proposta de crescimento automático do financiamento do SUS independentemente de resultados econômicos. Até porque, posteriormente, os gastos em saúde diminuem quando se vive um ciclo econômico positivo, com melhoria na qualidade de vida”, explicou.
Enfático, Ocké-Reis desconsidera as teses de mercado e apresenta saídas práticas e imediatas. “Só com o fim das chamadas emendas do relator [conhecidas como orçamento secreto], já temos dinheiro para Equipes de Saúde da Família, política de vigilância sanitária e compra de remédios”.
E, para além da recuperação do orçamento de saúde em relação ao evidente desfinanciamento planejado por Bolsonaro e Paulo Guedes para 2023, devemos mudar a própria consciência em relação ao tema. Para Lenir dos Santos, o mercado e as empresas privadas deturpam a compreensão das pessoas ao criar uma “cultura consumista” de saúde.
“Precisamos de uma saúde que faça ‘macrojustiça’, dentro da racionalidade de custo-benefício. Ela costuma fazer microjustiça quando atende a necessidades pontuais sem alterar a lógica das coisas. Mas a saúde como consumo, desejo, e não direito, vai destruir o sistema. A abertura indiscriminada ao capital estrangeiro vai reforçar a lógica. Estamos aderindo à lógica estadunidense de saúde como consumo. Notem que propagandas de saúde privada sempre mostram novas tecnologias para criar desejo de consumo na área da saúde, independentemente de qualquer necessidade real dos usuários. Daqui a pouco vamos negociar ações de hospital na bolsa”, advertiu.
E para conseguir reorientar uma política estrutural de tamanha envergadura, em contexto de assédio permanente dos mercados, não basta uma eleição. “Precisamos aumentar os recursos, inclusive na atenção primária. Essa política extrapola classes sociais, pois interessa às camadas populares e também médias. Não mudaremos os patamares mínimos de saúde sem participação popular, mobilizações da sociedade. Sem isso, não avançaremos contra o neoliberalismo e isolaremos a extrema direita no Brasil”, concluiu Carlos Ocké-Reis.
Fonte: Outra Saude