Bloco afro pioneiro está na batalha para promover neste verão a 42ª Noite da Beleza Negra
Por James Martins no dia 27 de Janeiro de 2021 ⋅ 09:21
Sugeri a Vovô do Ilê a reeleição automática da Deusa do Ébano esse ano, por causa da pandemia. De brincadeira, claro, embora Gleicy Ellen faça jus a vários universos só para ela. O fato é que a direção do bloco está se mexendo para realizar neste verão a 42ª Noite da Beleza Negra, ainda sem data marcada, observando todos os protocolos sanitários. O evento deve acontecer com transmissão online, como já virou costume. O breve papo, no entanto, me lembrou de uma treta envolvendo a origem das deusas, pois a primazia é reivindicada por duas: Jacira Bafafé e Mirinha.
Senta, Que Lá Vem a História
Nem sempre a Noite da Beleza Negra teve esse nome. O concurso de rainha do Carnaval realizado pelo Ilê Aiyê, a partir de 1975/76, foi batizado assim em 79 por Sérgio Roberto Santos, morador do Curuzu, ligado à fundação do bloco e uma das figuras mais elegantes e inteligentes da cidade. “Era um problema pra gente até mesmo achar uma gravura para os trabalhos escolares de Dia das Mães, pois eram todas brancas”, conta ele sobre a importância da festa para representatividade e reconhecimento da comunidade negra.
Hoje o evento é conhecido no mundo inteiro, copiado por outras agremiações, data marcada no verão soteropolitano, grandiosamente multimídia sob direção de Elísio Lopes Jr, etc etc etc.
Mas, afinal, quem foi a primeira Deusa do Ébano ou Rainha do Ilê? Oficialmente, o bloco registra Mirinha, que conheço desde que nasci (mãe de Maiquinho, Albertinho e Perinho) e que morava lá mesmo no terreiro Ilê Axé Jitolu. Jacira Bafafé, do Engenho Velho de Brotas, a primeira mulher a cantar (e ganhar!) num festival de bloco afro, porém, reivindica também esse título para si.
Bom, todo mundo sabe que a música que lançou o Ilê Aiyê é de Paulinho Camafeu (“Que bloco é esse? Eu quero saber…”), mas a primeira música a vencer um concurso do bloco foi “Olorum Bafafé”, de Jorjão — hoje consagrado percussionista, figura fundamental também para os sambas juninos, chapa quente do Badauê, rebatizado Jorjão Bafafé graças ao sucesso da canção. Acontece que o compositor, naquele 1975, trabalhava embarcado e estaria em alto mar bem no dia do concurso. Assim, quem defendeu a música foi sua irmã Jacira. E não teve pra ninguém!
Segundo ela, sua participação no festival foi dupla: como intérprete e aspirante a rainha. E, como já dito, ganhou ambas. Dali Jacira despontaria para ser uma das Musas Badauê, tornando-se espécie de hors-concours em concursos de bloco afro. Essa versão está referendada, por exemplo, na dissertação de mestrado de José Francisco de Assis Santos Silva, “‘Pra te lembrar do Badauê…’ — O Mensageiro da Alegria em uma viagem pelos Lonãs Iyê (caminhos da memória) do mar azul – espaço, tempo e ancestralidade”, de 2017, aprovada pela Universidade Federal da Bahia.
Já para o próprio Ilê Aiyê a história é outra. O concurso só teria iniciado em 1976, e vencido por Mirinha (Maria de Lourdes Cruz). No documentário “A Outra Face”, de Val Benvindo, é assim que o lance surge. “Dizem que eu sou a Deusa mais linda. Eu estava bem simples, mas talvez isso que chamou a atenção”, conta Mirinha, como pioneira, no filme, que é baseado no Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo de Val, também pela Ufba.
E agora? Quem é a primeira Deusa do Ébano? Para evitar polêmica, Talvez o título deve-se ser dado a Mãe Hilda Jitolu, por sua primazia natural. E fim de papo. Ou então a Dete Lima, que faz a preparação das deusas desde o início e ainda hoje. Talvez Arany, por tudo que representa. Seja como for, rainhas e deusas são todas elas, inclusive as que não venceram o concurso. E podemos até mesmo estender às que nunca o disputaram. Por isso, pela transformação que promove, que o Ilê Aiyê consiga realizar com sucesso mais uma Noite da Beleza Negra, será com certeza, mesmo com distanciamento e pandemia, “a mais odara desse verão”, como está no convite da segunda edição.
Fonte: Metro 1