11/05/2021
Marcella Vieira/Editora Fiocruz
A política brasileira de HIV/Aids é tida como um exemplo de política pública bem-sucedida e reconhecida em todo o mundo. Para ajudar a compreender esse fenômeno, incluindo suas etapas, lutas, resistências, mobilizações e desafios, a Editora Fiocruz lança Ativismo Patrocinado pelo Estado: burocratas e movimentos sociais no Brasil democrático. Escrito pela cientista política norte-americana Jessica A. J. Rich, o novo título estará disponível para aquisição a partir de 12 de maio, nos formatos impresso – via Livraria Virtual da Editora – e digital, por meio da plataforma SciELO Books. O livro é uma tradução – feita por Maria Lucia de Oliveira – de State-Sponsored Activism: Bureaucrats and Social Movements in Democratic Brazil, publicado em 2019 pela Cambridge University Press.
Na pesquisa que originou a obra, a autora propõe uma série de relevantes contribuições sobre a história de resposta social e política do Brasil diante da epidemia de Aids, desde o início dos anos 1980. Rich analisa as políticas de HIV e Aids no país para desvendar as relações complexas entre a sociedade e o Estado no contexto do Brasil democrático. Desde a Constituição Cidadã de 1988 e implementação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), diversas fases desse processo foram sendo fortalecidas. “O surgimento, em meados dos anos 1990, de terapias eficazes para o tratamento do HIV e da Aids abriu um novo espaço para a concretização desses diversos desenvolvimentos históricos em uma política de Estado pioneiro de acesso aos medicamentos antirretrovirais”, lembra o antropólogo Richard Parker, diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e autor do prefácio do livro.
A partir dessa conquista, a pesquisadora mostra a importante parceria na mobilização do Estado e da sociedade civil brasileira, ao longo dos 15 anos seguintes, construindo o que hoje pode ser descrito como uma espécie de “época de ouro” na história da resposta brasileira à epidemia. A autora examina como o Brasil assumiu um papel de liderança internacional no enfrentamento do HIV e da Aids em escala global. “No retrato revelado pelo trabalho de Jessica Rich, podemos enxergar a construção de uma coalizão ativista em que ativistas se transformam em burocratas (não no sentido pejorativo muitas vezes associado com a palavra burocrata, mas no seu sentido técnico, como funcionário ou servidor público), enquanto burocratas se transformam em verdadeiros ativistas. É um processo de integração em que os processos políticos são construídos simultaneamente tanto de cima quanto de baixo, com o envolvimento significante de setores governamentais na mobilização social, e com a participação da sociedade civil e as suas organizações na articulação e na implementação das políticas públicas”, destaca Parker.
Esse tipo específico de relações entre Estado e sociedade civil é denominado por Rich como um modelo de corporativismo cívico, marcado pelo pluralismo, em que os atores governamentais estruturam e subsidiam a sociedade civil. “Como resultado dessa estruturação e subvenção, muitos movimentos sociais são institucionalizados e verticalmente integrados em estruturas abrangentes de movimentos nacionais”, explica a escritora.
A pesquisa de Jessica contemplou entrevistas e trabalho de campo, que documentam como a primeira geração de ativistas de Aids pressionou representantes do Estado a agir e repensar suas políticas, adotando uma perspectiva ativista que acabou instalada no Estado em meados da década de 1990. Dessa forma, o livro revela a “importância de um novo leque de parcerias em que burocratas dentro do Estado buscavam alianças não somente com legisladores (que continuaram sendo parceiros importantes), mas também com representantes da sociedade civil, como os ativistas de ONGs, que facilitaram a construção de novos apoios na opinião pública e na sociedade de forma mais ampla”, enaltece Richard Parker.
Contribuições para o campo da saúde pública
O título avalia, portanto, a complexidade dos processos de democratização que atravessaram o país nas últimas décadas. “O Estado ajuda a sociedade civil a se organizar, mas sem os mecanismos de controle e uniformização que caracterizavam o corporativismo estatal do período autoritário. A democracia participativa se torna possível por meio da ação de atores sociais. Assim, em vez de nos fazerem escolher entre modelos liberais e estatais de gestão pública, este livro é um atestado de que é possível resolver graves problemas sociais e sanitários por meio do aprofundamento da democracia”, ressalta Rebecca Abers, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), no texto de orelha do volume.
Em sete capítulos, a autora discorre sobre questões fundamentais como as reclamações e oportunidades que marcaram o sucesso inicial do movimento de Aids no Brasil, a expansão do movimento pelos burocratas e pelas organizações de base, chegando à analise do surgimento de movimentos sociais híbridos e, por fim, reexaminando as relações Estado-sociedade no século XXI. Nessa trajetória, Rich procura demonstrar “como os movimentos sociais ajudam políticas inclusivas a sobreviver a ataques de natureza política”. De acordo com ela, a análise revela que esses atores – os movimentos nacionais de Aids – foram cruciais para garantir que essas agendas fossem implementadas.
A pesquisadora examina como um grande número de especialistas e ativistas desses movimentos assumiram – de forma bastante comprometida – empregos e cargos nas burocracias governamentais a fim de avançar novas políticas de combate às desigualdades social e econômica. A partir dessas análises e contribuições, o volume se mostra relevante não apenas para a ciência política, mas também para os estudos de saúde coletiva do país. “Essa coalizão nacional organizada de ativistas é um fator determinante na sobrevivência do movimento ao longo do tempo e na sobrevivência das políticas de HIV/Aids comparadas a outras políticas públicas no campo da saúde pública e também em outros campos”, defende Jessica Rich.
Sobre a autora
Doutora em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA), Jessica A. J. Rich é professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Marquette, no estado de Wisconsin, Estados Unidos.
Livro | Ativismo Patrocinado pelo Estado: burocratas e movimentos sociais no Brasil democrático
Editora Fiocruz
Primeira edição: 2021
302 páginas
Preço de capa (versão impressa): R$ 65,00
Preço e-book (versão digital): R$ 39,00