Dor na gestação pode afetar vida da prole devido à produção excessiva de hormônios como resposta a inflamações
24/06/2021
Por: Julio Bernardes
Leitões nascidos de fêmeas suínas que tiveram dor durante a gestação causada por dificuldade de caminhar (claudicação) se mostraram mais agressivos, aponta pesquisa realizada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. O estudo constatou que os leitões, após o desmame, apresentavam maior número de lesões na pele decorrentes de agressões no grupo, além de peso reduzido, quando comparados com leitões paridos por fêmeas sem claudicação. De acordo com os pesquisadores, o trabalho demonstra que a fêmea que experimenta dor durante a gestação pode afetar a trajetória de vida da prole, devido à produção excessiva de hormônios como resposta a inflamações. A pesquisa é descrita em artigo publicado na revista Scientific Reports em 22 de junho.
“A quantidade de hormônios produzidos por animais estressados pode modificar o sistema nervoso central, conforme demonstram trabalhos anteriores do nosso grupo de pesquisa”, afirmam o professor Adroaldo Zanella, da FMVZ, coordenador da pesquisa, e a pesquisadora Marisol Parada Sarmiento, que participou do estudo. “Animais em situações de elevado bem-estar conseguem amenizar o impacto negativo do estresse na prole. Porém, quando os sistemas adaptativos sofrem demandas exageradas pela dor crônica, representada pela claudicação, estes sistemas não são suficientes para ‘proteger’ os fetos, que acabam prejudicados por esse estresse.”
A claudicação afeta as fêmeas suínas em diferentes aspectos, principalmente pelo componente da dor, definida pela Associação Internacional do Estudo da Dor (Iasp) como uma experiência desagradável em termos emocionais e sensoriais associada a danos nos tecidos atuais ou potenciais. “Desta forma, as alterações nas fêmeas suínas que claudicam comprometem todas as esferas do bem-estar animal. A dor faz com que o animal não consiga acessar e competir pelos recursos, seu comportamento social se altera e o cuidado da prole se faz com menor atenção”, apontam os pesquisadores. “Uma fêmea que claudica então se encontra no risco de passar fome, sede, estresse social e sofrimento devido à condição de dor na qual se encontra.”
Na pesquisa, que envolveu 22 fêmeas suínas gestantes e suas proles, os animais foram caracterizados utilizando-se uma avaliação visual da locomoção, que demonstra severidade do processo doloroso. “As fêmeas estudadas e caracterizadas com escore de claudicação severo apresentavam indicadores de dor”, relatam a pesquisadora e o professor da FMVZ. “Em animais, incluindo humanos, a alteração do processo de caminhar pode ser uma tentativa para reduzir a dor, ou seja, distribuindo o peso para outros membros, curvando a coluna vertebral, ou mesmo, em situações extremas, evitando apoiar o membro no chão.”
A avaliação feita pelos pesquisadores demonstrou que leitões que nasceram de fêmeas suínas que tiveram dor durante a gestação se mostraram mais agressivos. “Dois pesquisadores, não conhecedores do experimento, contaram lesões na pele dos leitões após o desmame, que ocorreu aos 28 dias”, destacam. “Encontramos que o peso no desmame foi reduzido e medidas que indicam medo foram diferentes em leitões filhos de fêmeas suínas com dor.”
Comportamento agressivo
De acordo com Marisol e Zanella, os suínos são animais sociais e utilizam um complexo repertório de comportamentos para definirem a posição social no grupo. “O comportamento agressivo é um dos últimos recursos que utilizam, pela ocorrência de lesões e incertezas do resultado das brigas”, ressaltam. “Quando computamos os dados de dois avaliadores independentes, que contaram as lesões a partir de fotos, descobrimos que animais nascidos de fêmeas que mostraram dor se envolveram em um maior número de brigas.”
“Em resposta a situações de dor o organismo responde com a liberação de hormônios de estresse, como o cortisol e também citocinas inflamatórias, que têm um papel importante para a homeostase, ou seja, o equilíbrio do organismo”, apontam Marisol e o professor Zanella. “Porém, quando as concentrações excedem a capacidade do organismo de se ajustar a estas substâncias, elas podem prejudicar sistemas no cérebro, comprometendo neurônios, como o nosso grupo já demonstrou em suínos e ovinos.”
Segundo os pesquisadores, o papel das respostas inflamatórias exageradas, sem controle, está evidenciado, por exemplo, no agravamento dos casos de covid-19 em seres humanos. “Em um primeiro momento, a dor é muito ruim para a fêmea gestante pois afeta a sua habilidade de negociar o ambiente social, competir por recursos, entre tantas outras implicações”, observam. “Para a prole, a exposição ao ambiente uterino de um animal com respostas de estresse e dor, também com marcadores inflamatórios, mudou o comportamento dos leitões. Os animais se mostraram mais agressivos.”
Suínos são animais sociais e utilizam um complexo repertório de comportamentos para definirem a posição social no grupo; comportamento agressivo é um dos últimos recursos que utilizam, pela ocorrência de lesões e incerteza do resultado das brigas – Foto: Ylvers – Pixabay
Tanto para suínos como para humanos a convivência social é muito importante, salientam os pesquisadores. “O nosso argumento é de que o comportamento da prole muda quando as mães experimentam dor durante a gestação. O impacto de condições que aumentem interações agressivas pode reduzir a produtividade em suínos e aumentar lesões e doenças”, afirmam. “Caso os efeitos sejam comparáveis em humanos, entendemos que relações sociais podem ser afetadas, porém esta comparação é muito difícil dada a complexa rede de interações que humanos experimentam durante a vida.”
A pesquisa foi realizada no Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-estar, que integra o Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ, coordenado pelo professor Zanella. Os dados de claudicação foram coletados pelo doutorando da FMVZ Thiago Bernardino de Almeida e avaliados por Marisol, também aluna de doutorado, que prossegue os estudos sobre o tema na Universidade de Teramo (Itália). Os testes de emocionalidade da prole foram feitos pela doutoranda da FMVZ Patrícia Tatemoto, e a análise estatística dos dados coletados teve o apoio de Gina Polo, que trabalha no Grupo de Pesquisa em Epidemiologia e Saúde Pública da Universidad de la Salle, na Colômbia. O estudo teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da empresa de genética Suína TOPGen e da Certified Humane, certificadora na área de bem-estar animal.
Mais informações: e-mails [email protected], com o professor Adroaldo Zanella, e [email protected], com Marisol Sarmiento