Livro leva à reflexão dos conceitos estéticos da arte japonesa

cultura

Publicação do Grupo de Estudos Arte Ásia (GEAA) reúne textos e imagens de pesquisadores do Brasil e do exterior

Por Leila Kiyomura – Domingo, 1 de agosto de 2021

O sagrado na cerimônia do chá, a contemplação da natureza, o instante do haiku, a essência do Ma – ou vazio – são alguns dos muitos caminhos que o livro Conceitos Estéticos – Do Transtemporal ao Espacial na Arte Japonesa vai trilhando. E conduzindo o leitor entre as fronteiras e conexões de uma cultura milenar presente nas reflexões do contemporâneo. 

A edição é resultado das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos Arte Ásia (GEAA), formado por pesquisadores da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e reúne artigos de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação de nove instituições de pesquisa do Brasil e do exterior – USP, Unifesp, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Universidade Federal Fluminense (UFF), Centro Universidade Belas Artes, Tokyo University of Arts e Kyoto University. O livro será lançado nesta sexta-feira, dia 16, às 15h30, no site do GEAA, onde ficará disponível para download gratuito.

Como assinalam, na introdução, os organizadores do livro – os professores Atílio Avancini, Madalena Hashimoto Cordaro e Michiko Okano -, apesar de o Brasil reunir o maior número de descendentes fora do Japão e da significativa produção artística nipo-brasileira, a  tradição e a trajetória da arte japonesa são pouco conhecidas e divulgadas.   

“No programa de pós-graduação em Poéticas Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o interesse em arte japonesa, em especial pela pintura, tem se manifestado em especificidades estéticas como a presença do vazio.”

Com o livro, o GEAA busca colaborar com a bibliografia de arte e cultura japonesa e  ampliar o conhecimento entre o Brasil e o Japão.

Os 113 anos da imigração japonesa, comemorados no dia 18 de junho passado, fazem lembrar que os japoneses que ficaram de sol a sol entre as lavouras de café deixaram também um legado infinito na arte brasileira. Quando chovia no cafezal, Manabu Mabe aproveitava para pintar. E o tempo de Mabe, Tomoo Handa, Tsukika Okayama, Massao Okinaka e todos os pintores que chegaram antes da Segunda Guerra Mundial está na história da arte brasileira.

Gozo Hoshimazu, tinta sobre papel industrial e colagem - Foto: Michiko Okano
Gozo Hoshimazu, tinta sobre papel industrial e colagem – Foto: Michiko Okano
Série Torii, de Marco Giannotti - Divulgação
Série Torii, de Marco Giannotti – Divulgação
Série Torii, de Marco Giannotti - Divulgação
Série Torii, de Marco Giannotti – Divulgação
Série Hokusai nos trópicos, de Madalena Hashimoto - Divulgação
Série Hokusai nos trópicos, de Madalena Hashimoto – Divulgação
Série Hokusai nos trópicos, de Madalena Hashimoto - Divulgação
Série Hokusai nos trópicos, de Madalena Hashimoto – Divulgação
Gozo Hoshimazu, tinta sobre papel industrial e colagem - Foto: Michiko Okano
Gozo Hoshimazu, tinta sobre papel industrial e colagem – Foto: Michiko Okano
Série Torii, de Marco Giannotti - Divulgação
Série Torii, de Marco Giannotti – Divulgação

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É a essência dessa história, com suas tradições e sutilezas muito além do horizonte brasileiro, que o GEAA começa a revelar. A abordagem de Conceitos Estéticos é uma referência para entender a arte que migra do Japão e atravessa o oceano sem abdicar do silêncio de suas paisagens.

“Parece-me haver uma lacuna nas universidades brasileiras de enfocar estudos de artes orientais como um todo”, observa Madalena Hashimoto Cordaro, artista visual e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. “Nas duas últimas décadas, o interesse principal dos estudantes costuma vir através da difusão da chamada arte pop, ou seja mangá, anime j-horror, cosplay, daí se difundindo para maior amplitude.” A pesquisadora lembra que artistas japoneses de âmbito internacional vêm ocupando espaço em bienais e grandes mostras, como Takashi Murakami e Yayoi Kusama. “No programa de pós-graduação em Poéticas Visuais da ECA, o interesse em arte japonesa, em especial da pintura, tem se manifestado em especificidades estéticas como a presença do vazio, yohaku, do borrão de contornos da pintura preto-e-branco, de formatos tradicionais como livro-sanfona, biombo, estampa xilográfica, tatuagens e de novas mídias, em especial a fotografia.”

Em matéria das tecnologias, bem como das artes, a história das relações entre o Japão e o Ocidente tem sido caracterizada por uma troca de cópias para ambos os lados.”

Conceitos Estéticos – Do Transtemporal ao Espacial na Arte Japonesa divide-se em três partes. Elementos Fundamentais da Espacialidade nas Artes Visuais Japonesas é aberta com a série Torii, do artista e professor da ECA Marco Giannotti. São quatro imagens em papel artesanal washi que estabelecem a fronteira entre o dentro e o fora, ou seja, o território divino e profano dos santuários xintoístas.

Torii de Giannotti é a passagem para Erica Kobayashi apresentar a arte da cerimônia do chá. Jornalista pela ECA e mestre em Sociologia das Sociedades Contemporâneas pela Universidade de Paris, na França, ela mostra como elementos diversos fundamentados no budismo, xintoísmo e taoismo compõem a criação de um espaço-tempo próprio, em diálogo com o sagrado dentro de uma sala de chá. Os professores Madalena Hashimoto Cordaro e Herman Takasey, da Faap, escrevem sobre O Sistema Construtivo Japonês na Arquitetura. Plínio Ribeiro Júnior, jornalista e pesquisador da Universidade de Paris, aborda Figurações da Espacialidade Japonesa na Vida e na Obra de Wenceslau de Moraes. E Marco Giannotti mostra as Visões da Montanha, um artigo que traz as suas reflexões depois de ficar um ano, em 2011, lecionando na Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto, no Japão.
“O Japão  mudou totalmente minha maneira de ver o mundo, não mais pautada no etnocentrismo europeu”, diz Giannotti. “As montanhas perpassam nosso imaginário mundo afora: na Antiguidade clássica mítica, o monte Olimpo era considerado a moradia dos deuses. No Japão, o monte Fuji é visto como um kami, um espírito xintoísta.”

Na segunda parte do livro, Conceitos Estéticos Transtemporais e Espaciais: a Tradição Cultural da Cópia e a Arte Contemporânea, as paisagens da série Hokusai nos Trópicos, de Madalena Hashimoto, conversam com os textos representando a contemporaneidade na arte. Participam: Atílio Avancini, professor da ECA, com Portal da Bossa Nova; Maria Ivette Job, mestre em Cultura Japonesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, destacando O Elemento Onírico na Poética de Shōji Ueda; Michiko Okano, professora da Unifesp, com o artigo Mono-ha: a Poética da Relação; Yuko Kuwahara, mestre e doutora pela Universidade Autônoma do México, versa sobre Tarô Amano e seu Foco na Arte da Década de 1990; e Rafael Mariano Garcia, doutorando da Unicamp, reflete sobre as formas teatrais centralizadas na catástrofe nuclear de Fukushima no artigo Corpos Contaminados, Corpos Fantasmas e Corpos Desobedientes.

Gozo Hoshimazu, leitura artística – Foto: Michiko Okano

Abre-se, nessa segunda parte, um questionamento sobre a tradição cultural da cópia. Para Avancini, que atuou como professor visitante da Kyoto University of Foreign Studies, o processo de aprendizagem no Japão baseado em “observação, imitação e constante repetição” é um método didático que gera o que chama de assimilação criativa. “Em matéria das tecnologias, bem como das artes, a história das relações entre o Japão e o Ocidente tem sido caracterizada por uma troca de cópias para ambos os lados”, comenta. “Quando ocorre o contato, desenvolve-se um convívio com adaptações, que faz com que um lado absorva o sistema do outro. É uma via de duas mãos, um enriquecimento cultural, um diálogo, e que sempre possa estar na direção do crescimento.”

A terceira e última parte do livro, Ma e Aida – Possibilidades da Cultura e Pensamento Japoneses, apresenta a série de fotos Quatro Tempos, de Atílio Avancini, que desperta o leitor para o movimento da natureza nas estações do ano. Os organizadores decidiram incluir textos resultantes do evento internacional homônimo realizado pelas Universidades de Estrasburgo e de Kyoto e pelo Centro Europeu de Estudos Japoneses da Alsácia. Participam Masakatsu Fujita, Professor Emérito da Universidade de Kyoyo, Wataru Kikuchi, professor de Literatura e Cultura Japonesa da FFLCH, Augustin Berque, filósofo e diretor de estudos na Écoles des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e o poeta, artista e fotógrafo Gozo Yoshimazu, que encerra o livro com uma série de folhetos onde reúne poemas, traços, manchas, rasgos e colagens “como uma forma de purgar o colapso do gigantesco terremoto e tsunami de 2011”, segundo explicam os organizadores.

Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 4 - Inverno, pinheiro e jardim seco, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 4 – Inverno, pinheiro e jardim seco, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 1 - Primavera, flor de cerejeira e torii, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 1 – Primavera, flor de cerejeira e torii, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 2 - Verão, água em fluxo e pedra, Arashiyama
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 2 – Verão, água em fluxo e pedra, Arashiyama
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 3 - Outono, folha momiji e templo xintoísta, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 3 – Outono, folha momiji e templo xintoísta, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 4 - Inverno, pinheiro e jardim seco, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini, foto 4 – Inverno, pinheiro e jardim seco, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 1 - Primavera, flor de cerejeira e torii, Quioto
Série Quatro tempos, de Atílio Avancini foto 1 – Primavera, flor de cerejeira e torii, Quioto

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Madalena Hashimoto e Michiko Okano também estão presentes nessa terceira parte. Refletem sobre o significado do Ma, difícil de ser expresso como conceito, mas que pode ser atribuído ao espaço, tempo, distância, pausa, intervalo.

Certo é que o livro, lançado em plena pandemia, mostra a disposição do GEAA de compartilhar um trabalho que é fonte de conhecimento e extensão cultural. Criado em 2014, o GEAA é o primeiro grupo acadêmico do País a se dedicar ao estudo da arte asiática, especialmente a japonesa.

A última frase do prefácio de  Conceitos Estéticos traz a sabedoria do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), que teve na vida e na literatura a referência oriental: “A vocação primeira do livro não é revelar, mas ajudar a descobrir”.

O livro Conceitos Estéticos – Do Transtemporal ao Espacial na Arte Japonesa, organizado por Atilio Avancini, Madalena Hashimoto Cordaro e Michiko Okano, será lançado nesta sexta-feira, dia 16, às 15h30, no site do Grupo de Estudos Arte Ásia (GEAA). Publicado pela Unifesp, o livro estará disponível para download gratuito no mesmo site após o evento de lançamento.

Fonte: Jornal USP

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