As cinco gigantes do setor lucraram quase US$ 200 bi no ano passado – e a Petrobras não ficou atrás. Enquanto isso, mundo tenta lidar com o aquecimento global e a guerra na Ucrânia.
Os mercados financeiros ficaram atônitos em abril de 2020, quando o preço do petróleo cru fechou negativo pela primeira vez na história. À medida que a demanda despencava por causa dos primeiros lockdowns em reação à pandemia de covid-19, o principal preço de referência do petróleo nos Estados Unidos caiu para -37 dólares o barril (cerca de -205 reais na época).
Os pessimistas chegaram a dizer que os preços nunca se recuperariam. Eles alertaram que os dias gloriosos das grandes empresas petrolíferas internacionais estavam contados e previram que o fim da era dos hidrocarbonetos estava próximo. Embora estivessem corretos sobre a tendência, seus prazos estavam errados.
As mesmas cinco gigantes petrolíferas ocidentais – ExxonMobil, Shell, Chevron, BP e Total – que tiveram enormes prejuízos em 2020, acabam de anunciar coletivamente mais de 196 bilhões de dólares (1 trilhão de reais) em lucros no ano passado, ajudadas pelo aumento na demanda por petróleo causado pela guerra na Ucrânia e a recuperação pós-pandemia.
Ganhos recordes
Durante grande parte do primeiro semestre do ano passado, o preço do petróleo ultrapassou 100 dólares e, em março, o petróleo Brent atingiu 139 dólares o barril. No resto do ano, ficou entre 70 e 95 dólares − muito mais do que os 40 a 50 dólares necessários para as grandes petrolíferas terem lucro.
O lucro da Exxon em 2022 foi um recorde não apenas para a empresa, mas para qualquer gigante petrolífero americano ou europeu. Os ganhos de quase 28 bilhões de dólares da BP foram os mais altos em seus 114 anos de história, enquanto a Shell lucrou mais que o dobro do ano anterior.
A brasileira Petrobras também teve lucros recordes ao longo de 2022. A estatal lucrou 145 bilhões de reais (27,8 bilhões de dólares) nos três primeiros trimestres do ano passado − o resultado do quatro trimestre e o consolidado do ano serão divulgados em 1º de março. Esses valores extraordinários contribuíram para que a política de preços praticada pela estatal se tornasse um dos temas da campanha eleitoral do ano.
Além da alta dos preços do petróleo, a queda dos níveis de endividamento ajudou as principais empresas petrolíferas a aumentarem os investimentos na produção de combustíveis fósseis, já que os governos priorizaram a segurança energética devido ao choque de fornecimento causado pelas sanções ocidentais a Moscou e pelos inconsistentes fornecimentos de energia do Kremlin para a Europa após a invasão da Ucrânia.
O CEO da BP, Bernard Looney, foi criticado por ambientalistas quando disse que queria “voltar atrás” em alguns dos investimentos em energias renováveis, devido ao risco de a escassez de petróleo e gás provocarem maior volatilidade de preços.
UE foi processada por taxar lucros extras
A raiva pública aos anúncios de lucros recordes da petrolíferas é visceral, não apenas devido à necessidade urgente de dar impulso à energia verde. Durante o último ano, famílias e empresas foram duramente atingidas pela inflação e o aumento dos preços da energia. Embora muitos governos tenham tentado amortizar os preços com subsídios, muitos acham que os altos lucros obtidos pelas companhias petrolíferas ignoram a dificuldade alheia e mais vozes pediram uma taxa extra sobre seus lucros.
O Reino Unido e a União Europeia (UE) já impuseram tributos temporários sobre os lucros do setor de petróleo e gás. Políticos e sindicatos pedem uma taxação mais alta. Em suas atualizações de resultados, Shell, Total e BP revelaram que as novas taxas lhes custariam cada uma cerca de 2 bilhões de dólares, ou seja, de 5% a 8% dos lucros.
A ExxonMobil está inclusive processando a UE para obrigar o bloco a suspender sua nova taxa sobre os lucros extras. A maior empresa petrolífera dos Estados Unidos argumenta que Bruxelas excedeu sua autoridade ao impor o tributo, o que normalmente seria da competência dos governos nacionais.
O porta-voz da Exxon, Casey Norton, disse em dezembro que o imposto “minaria a confiança dos investidores, desencorajaria os investimentos e aumentaria a dependência da energia importada”.
Biden pede mais tributos sobre petrolíferas
O presidente americano, Joe Biden, usou seu discurso do Estado da União em 7 de fevereiro para pedir que os gigantes da energia fóssil fossem mais taxados, propondo uma quadruplicação dos tributos pagos na recompra de ações.
“Quando falei com um grupo [de empresas de energia], eles disseram: ‘Estamos com medo de que vocês vão fechar todas as refinarias de petróleo de qualquer maneira, então por que deveríamos investir nelas? Vamos precisar de petróleo por pelo menos mais uma década'”, relatou Biden ao Congresso. “Em vez disso, elas usaram esses lucros recordes para comprar de volta as próprias ações, recompensando seus CEOs e acionistas. As corporações precisam fazer a coisa certa.”
As principais empresas petrolíferas ocidentais gastaram um valor recorde de 110 bilhões de dólares em pagamento de dividendos e recompras de ações em 2022, de acordo com a agência de notícias Reuters.
As gigantes do petróleo cortaram seus investimentos de longo prazo nos últimos anos, em parte após a exploração do petróleo de xisto nos EUA na última década, mas também depois de sofrerem grandes perdas por causa da pandemia. Com um futuro cada vez mais incerto devido à transição para a energia verde, permanece a hesitação sobre grandes investimentos.
Reabertura da China deve aumentar demanda
Mais preocupação pode estar a caminho para os consumidores e empresas à medida que a China reabre, depois de três anos de política de covid zero, aumentando ainda mais a demanda por petróleo e os lucros das petrolíferas.
Embora não se espere que os preços do petróleo atinjam em breve o pico de 150 dólares por barril, como em julho de 2008, alguns analistas preveem que o preço poderá chegar a 100 dólares novamente no final deste ano − antes que uma recessão ou retração atinja as principais economias e a demanda fique estagnada.
Em sua última previsão do mercado petrolífero, publicada na terça-feira, o Oxford Energy Institute previu que os preços do petróleo chegariam a 95,7 dólares por barril, em parte como resultado da demanda da economia chinesa. E o Goldman Sachs prevê que os preços voltarão a 100 dólares até dezembro.
A Rússia informou na semana passada que planeja cortar a produção em meio milhão de barris por dia a partir do próximo mês, o que fez com que os preços subissem. Moscou culpou as sanções petrolíferas ocidentais, incluindo um teto de preço imposto pela União Europeia, de 60 dólares para o petróleo bruto russo. O Kremlin desviou até agora o petróleo que costumava enviar à Europa para a China e Índia, embora com um desconto de 30%.
Outro sinal de forte demanda por petróleo veio esta semana do Barclays Capital, que prevê lucros ainda maiores para as principais empresas petrolíferas. Ele estabeleceu uma meta de preço de 10 libras (12 dólares) para as ações da BP, quase o dobro em relação ao seu preço do no início do mês, de 5,61 libras.
Fonte: DW