Carlos Roberto Carvalho discorre sobre a importância do acompanhamento de pacientes recuperados para entender todas as fases da doença
Domingo, 22 de maio de 2022
Estudo desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que metade das pessoas que tiveram covid-19 ficou com sequelas da doença. Além disso, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP acompanha pacientes após o tratamento. O professor Carlos Roberto Carvalho, da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor) do HC, discorre sobre a covid longa em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição.
O Hospital das Clínicas teve 700 leitos para tratar o coronavírus no primeiro semestre de 2020, de acordo com Carvalho: “O hospital inteiro foi fechado para só atender pacientes de covid. Nós tínhamos 400 leitos de enfermaria para casos de gravidade um pouco menor e 300 leitos de UTI para assistir aos pacientes mais graves. Entre março e agosto nós ficamos com esse hospital exclusivamente para isso, mais de 3.500 pacientes foram atendidos nesse período e esses pacientes que se recuperaram foram convidados para ser acompanhados por até quatro anos”.
Setecentas e cinquenta pessoas concordaram em participar do estudo, que reúne um grupo de pessoas que compartilham uma experiência comum ou condição — o estudo de coorte. “Nós fizemos a primeira avaliação entre seis meses e um ano, agora, nós estamos fazendo a avaliação entre 18 e 24 meses desse mesmo coorte de pacientes. É muito importante nós entendermos, por se tratar de uma doença nova, que tipo de repercussão no organismo ela vai ter. Nós aprendemos como ela ataca o nosso corpo na fase aguda nas primeiras semanas e agora estamos acompanhando para saber o que acontece na fase crônica”, comenta o professor.
O Hospital das Clínicas teve 700 leitos para tratar o coronavírus no primeiro semestre de 2020 – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Implicações recorrentes
Carvalho relata quais são as principais implicações encontradas no acompanhamento: “Do ponto de vista neurológico e psiquiátrico, nós temos visto uma frequência alta de situações caracterizadas como ansiedade, depressão, alterações do sono — tanto sonolência, quanto insônia — e alterações da cognição. Muitos indivíduos não conseguem, por exemplo, ler um livro ou mesmo ler um jornal, ele começa a ler e se dispersa, não acompanha e não fixa o que ele já leu anteriormente. Do ponto de vista geral, as queixas mais frequentes podem ser resumidas em fraqueza do corpo, fadiga, cansaço e falta de ar. Esses são os sintomas que as pessoas mais referem quando são entrevistadas nesses períodos pós-recuperação da covid”.
O professor aponta a tentativa de unir grupos de pacientes para determinar se existem clusters — grupos de sintomas, grupos de situações clínicas — e tentar determinar padrões que possam orientar tratamentos. “Nós temos muitos milhões de recuperados, infelizmente também muitos milhões de mortos, e esses muitos milhões de recuperados são os candidatos a sofrer com esses problemas mais crônicos. Então, é impossível tratar individualmente cada um deles, para um sistema de saúde de um município, de um Estado e de um país, isso é inviável”, conta.
Alguns sintomas são passíveis de intervenção. Carvalho diz que algumas dessas fadigas e fraquezas são problemas de força muscular. “Você tem que orientar um programa de reabilitação, que envolve não só fazer exercício, mas uma orientação dietética, também nutricional. Algumas dessas situações são inflamações do pulmão, que tendem a se cronificar; se você pega em uma fase mais inflamatória, você ainda pode atuar, se o pulmão cicatrizar, evoluir para uma fibrose, aí já não tem mais tratamento. Se o indivíduo desenvolve algum tipo de ‘batedeira’, taquicardia, arritmia cardíaca, ele precisa ser diagnosticado, para que possa ser feita a intervenção para evitar que essa arritmia atrapalhe o funcionamento do coração, e assim por diante.”
Fonte: Jornal USP