‘Meus avós esconderam mistério sobre morte do meu pai na ditadura’

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Em uma noite de setembro de 1990, Dorival Mata Machado assistia à televisão com os avós paternos quando foi transmitida uma notícia que mexeu com a família: a descoberta de uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo.

A informação deu origem a um acontecimento que Dorival, na época com 18 anos, considera um dos mais emblemáticos sobre a história que ele conhece do próprio pai, José Carlos da Mata Machado, que morreu quando o filho tinha 1 ano de idade.

Diante da notícia na televisão, os avós de Dorival, Yedda Novaes e Edgard de Godoi da Mata Machado, se entreolharam, cochicharam e disseram ao neto que deveriam checar se o pai dele não estava enterrado lá.

Dorival se lembra que ficou surpreso com o comentário, por que durante anos acreditou que sabia onde o corpo do pai estava.

“Quase todo Dia de Finados na minha vida, até então, vocês me levam no cemitério da Colina [em Belo Horizonte] para ver uma lápide onde está escrito José Carlos da Mata Machado. Como assim? Meu pai não está lá?”, questionou Dorival.

O pai dele havia sido uma das centenas de vítimas da ditadura militar brasileira, que teve início após o golpe entre 31 de março a 1º de abril de 1964.

Foram 224 pessoas comprovadamente mortas e 210 desaparecidas, que os familiares não localizaram seus corpos até hoje, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que entre 2012 e 2014 apurou os crimes da ditadura.

No ano em que o golpe faz 60 anos, histórias como a de Dorival e do pai dele ajudam a recontar o horror do passado.

A notícia no telejornal de 1990 fez o jovem perceber que os avós ainda tinham perguntas sem respostas sobre o próprio filho.

Dorival e outros parentes decidiram esclarecer se o pai dele realmente estava no cemitério de Belo Horizonte, cidade em que moravam. Para isso, entenderam que seria fundamental abrir pela primeira vez o caixão lacrado que havia sido entregue por militares à família.

A história de José da Mata Machado

José Carlos da Mata Machado, mais conhecido como Zé Carlos, foi morto aos 27 anos, em outubro de 1973.

Estudante de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Zé Carlos foi uma figura importante do movimento estudantil de Belo Horizonte.

Foi presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

O gosto pela política veio de família. O pai de Zé Carlos, Edgard de Godoi da Mata Machado, foi deputado federal.

Contrário ao regime militar, Edgard teve o mandato cassado durante a ditadura, em 1968, com base no Ato Institucional Número Cinco (AI-5), que permitiu medidas antidemocráticas, como a cassação de parlamentares da oposição.

Naquele mesmo ano, em meio ao endurecimento do regime militar, Zé foi preso em um congresso da UNE em Ibiúna, no interior de São Paulo, e ficou detido por oito meses.

Quando deixou a prisão, Zé Carlos e a companheira de militância Maria Madalena Prata Soares se casaram. Em fevereiro de 1972, nasceu Dorival.

Depois de um episódio de meningite do filho do casal e em meio à luta contra o regime militar, os pais decidiram deixar Dorival com os avós paternos.

Conforme os documentos da Comissão Nacional da Verdade, Zé Carlos passou a ser perseguido intensamente por órgãos de repressão a partir de março de 1973, em meio a uma operação contra um grupo de militantes de esquerda do qual ele fazia parte, intitulado Ação Popular Marxista Leninista (APML). No período, diversos integrantes desse coletivo foram presos ou mortos.

Zé e a esposa estavam organizando uma fuga para uma fazenda no interior de Minas Gerais. Antes, porém, ele foi a São Paulo para buscar apoio jurídico aos companheiros presos.

Na saída de São Paulo, ele foi preso por agentes do regime militar em 19 de outubro de 1973.

Posteriormente, segundo os documentos da CNV, ele foi encaminhado a Recife, onde dias depois foi morto sob tortura, junto com um outro militante, Gildo Lacerda.

Na época, o regime militar divulgou que os dois morreram em um tiroteio que teria sido provocado por outro colega de militância.

A nota oficial dizia que os dois haviam sido mortos após um colega desconfiar que Zé e Gildo estariam traindo os membros da APML.

Mas a versão era fantasiosa, conforme foi comprovado por advogados da família na época e, décadas depois, pela Comissão Nacional da Verdade.

Zé Carlos e Gildo foram mortos por agentes do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), a agência de repressão política subordinada ao Exército da época.

Apurações independentes, reforçadas na CNV, apontaram que os dois foram presos em locais distintos – Zé Carlos em São Paulo e Gildo, em Salvador – e foram levados a Recife, onde foram mortos.

Os depoimentos de diversos ex-presos políticos confirmam que Zé Carlos e Gildo Lacerda foram vítimas de uma sessão de tortura no DOI-CODI de Recife.

Um homem que estava preso no mesmo local, segundo a CNV, afirmou ter visto Zé Carlos sangrando pela boca e pelos ouvidos, pouco antes de morrer, ao lado de um militante que parecia já estar morto.

O homem disse ter ouvido Zé Carlos, completamente machucado, pedindo: “Companheiro: meu nome é Mata Machado. Sou dirigente nacional da AP (Ação Popular). Estou morrendo. Se puder, avise aos companheiros que eu não abri nada”.

Quase 20 anos depois, o cunhado de Zé Carlos, Gilberto Prata Soares, que também era um militante de esquerda, declarou à Comissão Parlamentar Externa sobre Mortos e Desaparecidos Políticos que deu informações a militares, o que os levou a encontrar Zé Carlos.

Os restos mortais de Zé Carlos

Além da dor da perda do filho, os pais de Zé não sabiam onde o corpo dele estava. Não havia qualquer certidão de óbito que explicasse a morte do jovem.

Desesperados, os familiares dele pediram ajuda a Mércia Albuquerque, que hoje é considerada uma das mais atuantes advogadas de presos políticos da ditadura militar.

A partir da primeira conversa, a defensora começou uma busca que, posteriormente, classificaria como “uma das maiores barbaridades que testemunhei, praticadas pelo aparato brutal da repressão”.

Em dezembro de 2001, ao receber o título de cidadã de Natal e do Rio Grande do Norte, Mércia fez um discurso sobre a sua carreira e mencionou Zé Carlos.

Ela contou que, após falar com familiares dele, vasculhou os cemitérios da região em busca do corpo do estudante, que o DOI-CODI não queria entregar à família.

Ela percorreu alguns lugares quando uma pessoa disse que deveria fazer buscas no cemitério da Várzea. Ela seguiu para o local e um coveiro relatou que havia dois jovens enterrados em caixões de madeira sem tampa.

“De posse das fotografias pude identificar, apesar do início da decomposição, o corpo barbarizado de José Carlos da Mata Machado”, relatou Mércia.

A defensora descreveu ter ficado assustada com o estado do corpo do militante. Ela contou à família dele que Zé Carlos havia sofrido violência intensa, com diversas fraturas ósseas e que estava com a cabeça “espatifada”.

O outro militante também enterrado como indigente era Gildo Macedo. Mas Mércia disse que os familiares dele estavam pressionados e atemorizados com a situação, por isso não pediram que fosse retirado dali – os restos mortais de Gildo nunca foram localizados e, até hoje, a família o busca para enterrá-lo.

Para tentar liberar o corpo de Zé Carlos, Mércia disse ter ido ao Exército falar com um coronel, que criou diversos obstáculos.

“Mostrei-lhe as fotografias das covas. O coronel, com semblante de ódio, disse-me apenas que voltasse depois. Perguntei-lhe quando. Ele então fitou-me, impaciente, e disse: ‘É uma pena que a senhora, tão jovem, defenda terroristas'”, relatou Mércia em seu discurso.

Para convencer o coronel, ela disse ter respirado fundo e argumentado que enterrar os mortos seria um direito sagrado até mesmo na guerra, em que “os exércitos concedem sempre uma trégua, respeitando o inimigo, e entregando os corpos para sepultamento”.

“Zé Carlos está morto, e a família chora seu corpo. O Exército brasileiro agora quer torturar a família pelo resto da vida”, narrou Mércia, ao contar o que disse ao pedir a liberação do corpo.

Segundo ela, o coronel ficou “visivelmente abalado” diante das suas palavras e concordou, mas havia condições: não poderia ter aviso fúnebre, o caixão deveria permanecer lacrado e a imprensa deveria ficar longe.

As condições foram aceitas, e o caixão seguiu em um avião de Recife, com autorização das Forças Armadas, em direção a Belo Horizonte.

Após o episódio, Mércia disse ter sofrido represália. A advogada contou ter sido sequestrada por quatro homens em um carro em alta velocidade, que ameaçaram jogá-la na rua a qualquer momento.

Em seguida, segundo ela, os homens a abandonaram em uma zona de prostituição em um bairro em Recife.

“Fui socorrida por uma prostituta apelidada ‘Biscuí’, que surgiu à minha frente qual uma nova Maria Madalena, confortando-me e enxugando as minhas lágrimas”, narrou a advogada.

A história de Mércia inspirou livros e, mais recentemente, uma peça de teatro intitulada Lady Tempestade, na qual a atriz Andréa Beltrão dá vida à advogada de vítimas da ditadura — há estimativas que apontam que ela tenha defendido mais de 500 pessoas.

O mistério do caixão

Quase duas décadas depois de o caixão chegar a Belo Horizonte, os pais de Zé Carlos ainda tinham dúvidas se o filho realmente estava ali.

Eles sabiam do esforço de Mércia, mas questionavam se realmente aquele caixão encaminhado pelo Exército, sob a condição de permanecer lacrado, carregava os restos mortais do filho.

Mas a perda de Zé Carlos foi um duro golpe do qual os pais nunca conseguiram se recuperar. Por isso, eles tentavam evitar mexer em tudo que fosse referente ao tema.

“Minha avó acordava à noite gritando e sonhava com o meu pai sendo morto. Acordei mais de uma vez com ela gritando: ‘não faz isso com ele, não!’. Meu avô não conseguia nem falar direito o nome do meu pai”, diz Dorival.

O receio sobre o caixão lacrado de Zé Carlos só foi manifestado pelos pais do militante pela primeira vez diante da notícia da descoberta da vala clandestina descoberta no início da década de 1990 no cemitério do bairro de Perus, em São Paulo, onde foram encontradas ossadas de algumas vítimas da ditadura.

“Lembro que meus avós sempre assistiam a três telejornais seguidos, para ter opiniões diferentes”, conta Dorival.

“No primeiro daquele dia, falaram pouco sobre essa vala. No segundo, um pouco mais, e a minha avó disse: ‘o que a gente deveria fazer?’. O terceiro falou muito mais, e a minha avó falou sobre mandar a arcada dentária do meu pai para investigarem se ele estava enterrado lá.”

Dorival diz que foi um choque ter percebido que os avós nunca tiveram certeza se Zé Carlos realmente estava enterrado naquele caixão no cemitério mineiro.

“Até então, eu entendia que por influência política e até religiosa, eles tinham certeza de que tinham conseguido recuperar o corpo”, explica.

“Como eu era pequeno na época que o caixão chegou, não sabia que havia chegado lacrado e nunca tinha sido aberto.”

Dorival sabia que mexer naquilo seria muito doloroso para os avós, mas também acreditava que seria importante esclarecer aquela dúvida.

Os parentes decidiram pedir a exumação do cadáver, com o principal objetivo de descobrir se Zé Carlos estava enterrado ali.

Com dois tios e o dentista da família, Dorival foi ao cemitério da Colina no dia do procedimento.

“Os coveiros tiraram a tampa de madeira do caixão, e havia embaixo uma tampa de alumínio. Era basicamente um caixão do Exército, tiraram o alumínio e, até o topo do caixão, era coberto de serragem”, descreve Dorival.

“Eles começaram a tirar a serragem e chegaram a falar: não tem nenhum corpo aqui. Foram segundos em que um mundo de coisas passou na minha cabeça: ‘será que o meu pai está vivo?'”

Mas os coveiros logo encontraram restos mortais no caixão.

“Foram tirando a serragem, encontrando os ossos. Pegaram o maxilar e a mandíbula. Minha tia logo reconheceu: é o seu pai. Entregaram a mandíbula ao dentista, que sempre cuidou da família, e ele reconheceu que era omeu pai”, diz.

Dorival se deparou com o que define como um “momento muito importante para a compreensão do mundo e de tudo”.

Quando acharam o crânio de Zé Carlos no caixão, o dentista da família encaixou as partes encontradas e viu as consequências da tortura sofrida pelo militante.

“Ali, pudemos ter uma noção direta do que foi a violência nos porões da ditadura. Praticamente todos os ossos da cabeça do meu pai estavam quebrados, parte do crânio dele estava afundada até a direção dos dentes.”

Diante dos seus olhos, Dorival entendeu as consequências do horror vivido pelo pai antes de morrer.

“O caixão fechado tinha tudo a ver com aquela história falsa que contavam. Abrir o caixão no passado seria uma forma de confirmar que a versão dos militares para a morte do meu pai era mentira, porque não havia nenhum tiro, e ele tinha a cabeça amassada, sinais de tortura e estava com o couro cabeludo deslocado. Ele morreu apanhando.”

‘Morreu lutando pelos mais vulneráveis’

Dorival diz que acompanhar a exumação do corpo do pai foi uma experiência dolorosa e que durante anos foi poupado pelos familiares dos detalhes mais escabrosos sobre a forma como Zé foi vítima da ditadura.

Criado pelos avós paternos e por uma tia, Dorival, hoje com 52 anos, ficou sabendo da história de vida de seus pais aos poucos.

Ao longo desse tempo, o filho teve várias percepções sobre Zé Carlos, mas diz que sempre acreditou que o pai “morreu lutando pelos mais vulneráveis”.

“Desde que me conheço por gente, sabia que ele tinha morrido. Mas sempre entendi que ele morreu lutando pelos pobres, sem que tivessem pedido ou sei lá se queriam isso, mas ele estava preocupado com os mais vulneráveis”, diz Dorival.

Até a adolescência, Dorival tinha o pai quase como um herói. Mas sua visão mudou após participar de uma festa para comemorar os 20 anos de formados da turma na qual o militante fez Direito, curso no qual não conseguiu se formar.

“Meu pai tinha pedido para meus avós se livrarem de todas as fotos dele, durante a perseguição militar. Então, nunca vi muitas imagens do meu pai. Foi nessa festa que vi várias fotos dele e vi o meu pai brincando com outras pessoas e dançando”, diz.

““Foi meu primeiro choque, porque até então meu pai era um herói. Ali, eu vi que ele foi um jovem normal, como outro qualquer”, comenta.

Os relatos que ouviu ao longo da vida mostraram a Dorival que o pai era conhecido por muitas pessoas como um jovem educado, organizado, com um discurso bem elaborado e muito ligado ao catolicismo.

“Talvez isso incomodasse, por que os militares pensavam: como um menino tão religioso, educado e calmo pode ser contra a gente?”, diz.

Zé Carlos se tornou um dos rostos das vítimas que ilustram o terror causado pela ditadura militar.

Tornou-se nome de rua, foi tema de livro e terá a vida contada em um filme, intitulado , produzido por Rafael Conde, que será lançado em agosto.

Apesar da repercussão de sua morte, foram mais de duas décadas para que ele fosse reconhecido oficialmente como uma vítima da ditadura militar.

Isso só ocorreu em janeiro de 1996, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada para reconhecer os mortos e desaparecidos e auxiliar seus familiares.

Naquele mesmo ano, a mãe de Dorival, Maria Madalena, recebeu o atestado de óbito do companheiro e ficou aliviada. “Acabou o velório”, disse na época.

A partir dali, ela não precisaria mais explicar que era viúva, porque tinha um documento oficial para comprovar isso.

Madalena foi indenizada pelo governo federal pelas torturas que ela e o marido sofreram ao longo do regime militar.

Ela e Dorival mantêm uma boa relação e se falam com frequência. Ele diz que o fato de ter sido criado pela família paterna não diminuiu o amor pela mãe.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) disse em nota à reportagem que as indenizações aos familiares das vítimas ou às próprias vítimas da ditadura foram concedidas após análise da CEMDP.

O MDHC afirma que possui uma área especializada em apoiar famílias de vítimas da ditadura militar, a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade.

Essa iniciativa, segundo a pasta, é responsável por “coordenar as ações de promoção e defesa do direito à memória e à verdade, proceder ao pagamento de indenizações decorrentes de decisões da CEMDP e gerenciar banco de dados de perfis genéticos de familiares de mortos e desaparecidos políticos, por exemplo.”

Ainda em nota, o ministério disse que atua até hoje para retomar ações de identificação de “remanescentes ósseos de vítimas da ditadura militar brasileira por meio de repasse de recursos e a celebração de acordos de cooperação técnica com instituições capacitadas na área”.

Anistia

Em meio às iniciativas governamentais para tentar algum tipo de reparação, Dorival critica a conduta do país em relação à memória de seus mortos na ditadura.

Ele diz que um dos grandes problemas é a Lei da Anistia, sancionada em 1979 pelo regime militar.

Essa lei segue em vigor e foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 – o que significa que a grande maioria dos civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não pôde ser julgada.

Isso permitiu, por exemplo, que dissidentes pudessem voltar do exílio sem riscos de se tornarem presos políticos.

Também fez com que agentes que atuaram nas torturas, sequestros ou assassinatos de opositores ao governo ficassem impunes de modo geral.

Essa anistia costuma ser duramente criticada. A Comissão Nacional da Verdade apontou a lei é incompatível “com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dada a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia.”

A CNV concluiu que mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e presidentes durante a ditadura, deveriam ser responsabilizados juridicamente pelas ações ocorridas no período, sem qualquer possibilidade de anistia.

Maria Aparecida de Aquino, que há mais de 30 anos estuda sobre a ditadura, define a “anistia ampla, geral e irrestrita, para torturados e torturadores” como um erro que precisa ser reparado.

“Alguns dizem que essa foi a anistia possível, mas eu não comungo dessa ideia. Na prática, isso indica que os crimes não poderiam ser julgados na Justiça”, explica Aquino, que é professora de História da Universidade de São Paulo (USP).

“Não houve uma ação geral contra os torturadores, alguns casos ficaram na dependência de familiares buscarem a reparação na Justiça contra os torturadores. Isso implica o futuro do país e a história que vai ser contada nos livros didáticos.”

Em razão dessa anistia, diz a especialista, muitas pessoas podem até mesmo questionar a ditadura militar brasileira e dizer que foi um bom período, como ocorreu nos últimos anos em diversos momentos em declarações de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Aquino aponta que há movimentos que até hoje tentam reverter essa lei para que os torturadores possam ser punidos de alguma forma, ainda que décadas depois.

Sem respostas sobre os responsáveis pela morte do pai, Dorival admite que a impunidade é um dos principais sentimentos que tem ao falar sobre a história de Zé Carlos.

Dorival se formou em Economia e, hoje, atua na área de pesquisas. Diz que nunca quis nenhum tipo de reparação financeira, mas sempre esperou mais esclarecimentos sobre o assassinato do pai.

“Minha avó me dizia que não queria dinheiro, ela queria saber quem tinha matado o filho dela e o que levou aquelas pessoas a fazerem isso com ele. Ela queria saber por que quiseram matá-lo, em vez de mantê-lo preso ou expulsarem do país, como faziam na época”, diz Dorival.

Os pais de Zé Carlos morreram sem nenhuma resposta sobre os responsáveis pela morte do filho. Ninguém nunca foi punido ou identificado pelo crime.

Fonte: BBC Brasil / CNV/ARQUIVO PESSOAL

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