KATHERINE GRIFFITHS

Morre aos 101 anos Eddie Jaku, sobrevivente do Holocausto e autor de ‘O Homem Mais Feliz do Mundo’

cultura Mundo

Sobrevivente ao Holocausto e autor do livro de memórias “O Homem Mais Feliz do Mundo”, Eddie Jaku, de 101 anos, morreu nesta terça-feira (12) na Austrália. O primeiro-ministro Scott Morrison prestou homenagem à decisão de Jaku de “fazer de sua vida um testemunho de como a esperança e o amor podem triunfar sobre o desespero e o ódio”.

O Museu Judaico de Sydney postou uma homenagem à memória de Jaku no Twitter:

“O falecimento do sobrevivente do Holocausto Eddie Jaku deixou enorme vazio no coração da ‘família’ do Museu Judaico de Sydney. O impacto de Eddie, como o ‘homem mais feliz do mundo’, será sentido nas gerações vindouras”, afirmou, lembrando uma frase de Eddie que diz: ‘”Esta é a minha mensagem, enquanto eu viver, ensinarei a não odiar.”

O Conselho Judaico de Nova Gales do Sul o descreveu como um “farol de luz e esperança” e “um homem que será lembrado por sua resistência diante das adversidades e pela alegria que o seguiu.”

“A Austrália perdeu um gigante com o falecimento do sobrevivente do Holocausto, Eddie Jaku, 101. Ele dedicou sua vida a educar outras pessoas sobre os perigos da intolerância e a importância da esperança. Marcado pelo passado, ele apenas olhou para frente. Que sua história seja contada para as gerações futuras”, disse o tesoureiro e líder do partido liberal Josh Frydenberg.

Livro

O livro The Happiest Man on Earth (O Homem Mais Feliz do Mundo, em tradução livre) foi lançado poucos meses depois dele completar 100 anos, em abril de 2020.

“Vivi por um século e sei o que é encarar o mal de frente. Vi o pior da humanidade, os horrores dos campos de extermínio, os esforços nazistas para exterminar minha vida e as vidas de todo o meu povo. Mas agora me considero o homem mais feliz da Terra”, diz ele.

Eddie Jasceu nasceu Abraham Jakubowicz em Leipzig, Alemanha, em 1920 em uma família amorosa que se considerava “alemães em primeiro lugar, e judeus apenas em (sua) casa”.

Jaku era o único aluno judeu na escola local que frequentou.

“A Alemanha era um país civilizado. As crianças da minha escola vinham à minha casa e comeram conosco. Não havia distinção porque sempre fomos alemães em primeiro lugar”, conta.

No entanto, tudo isso mudou quando Adolf Hitler chegou ao poder.

“Como é possível? Meus amigos viraram assassinos. Eu tinha orgulho de ser alemão, achava que vivia no mais civilizado e educado país da Europa”, diz.

Quando Eddie voltou do internato em 9 de novembro de 1938 para surpreender seus pais em seu 20º aniversário de casamento, não havia ninguém em sua casa. Era a Kristllnacht, a ‘Noite dos Cristais’, uma onda de agressões contra judeus em várias regiões da Alemanha e da Áustria — o nome faz alusão aos milhões de pedaços de vidro partidos que encheram as ruas depois das janelas das lojas, edifícios e sinagogas judaicas terem sido destruídas.

Sem saber onde estava sua família, Jaku adormeceu em seu quarto. Às 5h da manhã, a porta foi arrombada por soldados nazistas. Jaku foi espancado.

“Dez nazistas invadiram minha casa, fui espancado. Perdi minha dignidade, minha fé na humanidade. Meu cachorro veio me defender e eles o mataram com uma baioneta. E gritaram: cachorro judeu!”

Eddie foi levado para o campo de concentração de Buchenwald. Quando ele perguntou à enfermeira sobre a possibilidade de fugir, ela lhe disse: “Se você fugir, eles encontrarão seus pais e os matarão”.

Após a libertação de Buchenwald, Eddie e seu pai fugiram para a Bélgica e depois para a França, onde ele foi novamente encarcerado. Após 11 meses em um campo, Jaku e outros prisioneiros foram colocados em um trem para Auschwitz. Ele liderou a fuga de nove homens através do assoalho do trem e voltou para a Bélgica, vivendo ilegalmente em um sótão com seus pais e irmã.

Em outubro de 1943, a família foi descoberta a partir de uma denúncia anônima e presa.

Jaku e sua família suportaram uma viagem exaustiva de nove dias de trem, sobrevivendo com apenas dois copos de água por dia, para Auschwitz, na Polônia, onde sua mãe, de 43 anos, e seu pai, de 50, foram assassinados em uma câmara de gás.

Ele foi poupado, sendo marcado como um “judeu economicamente indispensável” por Josef Mengele, o ‘Anjo da Morte’. Mengele era um oficial alemão da Schutzstaffel (SS) e médico no campo de concentração de Auschwitz, um dos membros mais notórios da equipe responsável pela seleção das vítimas a serem mortas nas câmaras de gás e por realizar experimentos humanos mortíferos em prisioneiros.

Jaku conta que, quando chegou ao campo, a família foi separada. Ele bem que tentou aderir ao grupo em que seu pai estava ― o destino, ele não sabia naquele momento, seria a câmara de gás, mas acabou retirado da fila por um guarda.

Jaku sobreviveu graças às excelentes habilidades mecânicas que seu pai, engenheiro mecânico, insistiu que ele aprendesse ― razão pela qual ele foi enviado ao internato aos 13 anos para Tuttlingen, então considerado o epicentro da engenharia de precisão da Alemanha, graduando-se como aprendiz de fabricante de ferramentas cinco anos depois.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Por causa disso, os nazistas o recrutaram para fazer instrumentos cirúrgicos quando viram como ele poderia transformar qualquer coisa, de um pedaço de arame a uma colher, em uma ferramenta útil. Jaku trocaria sua experiência em engenharia por comida extra. Em Auschwitz, ele se reencontrou com seu amigo de Buchenwald, Hirschfeld, mas não tinha ideia se sua irmã Henni havia sobrevivido à seleção de Mengele.

Em 18 de janeiro de 1945, ele e Hirschfeld foram acordados às 3 da manhã e enviados junto com outros milhares de prisioneiros para a chamada ‘Marcha da Morte’ de Auschwitz no auge do inverno, enquanto as forças soviéticas se aproximavam para libertar esta área da Polônia controlada pelos alemães.

Ambos escaparam, mas foram separados, e Jaku foi recapturado pelos nazistas e colocado para trabalhar em uma linha de montagem, consertando caixas de engrenagens para máquinas de guerra em Buchenwald. Ele escapou novamente, se escondendo em uma caverna na Floresta Negra, onde foi descoberto delirando de fome e perto da morte por soldados americanos em junho de 1945, tendo passado os últimos meses da guerra comendo pouco mais do que lesmas e caramujos.

No fim do conflito, ele pesava apenas 28 quilos e estava gravemente doente com cólera e febre tifóide. Uma vez recuperado, ele voltou para a Bélgica, onde se reuniu com seu amigo Hirschfeld e, eventualmente, sua irmã Henni, que havia sobrevivido sem que ele soubesse, em outra parte de Auschwitz.

Um dia, ele levou seu vale-refeição à prefeitura municipal de Bruxelas e se apaixonou à primeira vista pela mulher que distribuía a comida racionada, uma judia belga chamada Flore.

Graças à resistência belga, Flore havia fugido para Paris, onde vivia com um nome falso, sem ninguém saber de sua origem. No retorno a Bruxelas, ela fez questão de se encontrar e conversar com todos os sobreviventes dos campos de concentração que procuravam as autoridades em busca de ajuda. Eles se casaram em 20 de abril de 1946.

Jaku jurou nunca mais pisar em solo alemão e migrou para a Austrália em 1950, junto com Flore, a mãe dela, Fortunee, e sua irmã Henni. Eles fixaram residência em Brighton-Le-Sands e outro filho do casal, Andre, nasceu.

Inicialmente, Flore trabalhou como costureira e Jaku como mecânico, além de fazer instrumentos de precisão. No início dos anos 1960, eles venderam a oficina e passaram a trabalhar juntos como corretores imobiliários ― ambos se aposentaram recentemente, na casa dos 90 anos, tendo atuado lado a lado por 40 anos. Eles vivem atualmente em um lar para idosos.

A amizade de Jaku com Hirschfeld durou toda a vida. Este último também se casou na Bélgica em 1946 e mais tarde mudou-se para Israel; eles mantiveram contato por carta e tiveram a oportunidade de se ver algumas vezes antes da morte recente de Hirschfeld.

Jaku diz que levou cerca de 30 anos para ser capaz de falar sobre o Holocausto.

“50% da minha sobrevivência foi por sorte. 50% foi sabendo quando falar, quando não falar. Você não briga quando está em cativeiro. Muitos não aguentaram e se lançaram no arame farpado, se eletrocutaram. Eu eu pensei: alguém tem que sobreviver”, diz.

Segundo ele, o livro é também um recado aos mais jovens.

“Vejo famílias sendo destruídas, jovens que não olham para as flores. Uma flor é meu jardim”, conclui.

Fonte: g1/Foto: KATHERINE GRIFFITHS