Morre Paulo Mendes da Rocha, o último gigante da arquitetura brasileira

Brasil

Ele estava internado em São Paulo, e a morte foi confirmada por seu filho, Pedro Mendes da Rocha

POR FOLHAPRESS – Segunda, 24 de maio de 2021

Paulo Mendes da Rocha, que foi o mais brasileiro dos arquitetos internacionais, morreu na madrugada deste domingo (23), aos 92 anos. Ele estava internado em São Paulo, e a morte foi confirmada por seu filho, Pedro Mendes da Rocha.

Em atividade desde 1955, foi realmente descoberto pelo mundo quatro décadas mais tarde, quando as imagens da Pinacoteca do Estado e do MuBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia) circularam em revistas estrangeiras.
Desde então, o conjunto robusto que já construíra e as obras que viria a fazer passaram a atrair a atenção da crítica. Sucederam-se os prêmios e reconhecimentos; estudos começariam a surgir na Europa nos anos 2000.


Até aquele momento, em 1995, quando já contava 67 anos, Paulo Mendes -assim, pela forma abreviada, se referem a ele os arquitetos- não tinha obras construídas no exterior.


Tivera, é verdade, o pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Osaka em 1970. Mas, demolido ao fim do evento, o edifício ficou na memória dos estudiosos somente.


O caráter geograficamente restrito de sua obra não impediu que ele recebesse todos os principais prêmios arquitetônicos do mundo.
Em dois anos seguidos, recebeu o Mies van der Rohe de arquitetura latino-americana. O prêmio, dado pela fundação catalã que leva o nome do papa alemão arquiteto do racionalismo arquitetônico, reconheceu, em 1999, o projeto do MuBE e, em 2000, o da Pinacoteca de São Paulo.


Em 2006, tornou-se o segundo arquiteto brasileiro -depois de Oscar Niemeyer, em 1988- a vencer o Pritzker, apelidado “Nobel da arquitetura”, embora nada tenha a ver com a Academia Sueca -é dado pela Fundação Hyatt, americana.
Apenas em 2015 sairia do papel seu único projeto no exterior, a sede nova do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa.

No ano seguinte, receberia o Leão de Ouro de Veneza e o Prêmio Imperial do Japão. Em 2017, seria a vez da medalha de ouro do Riba (Royal Institute of British Architects).


Com a maior parte de sua obra concentrada em São Paulo, quase se poderia dizer que era o mais paulistano dos arquitetos brasileiros de alcance internacional. Mas era capixaba, nascido Paulo Archias Mendes da Rocha em Vitória, a 25 de outubro de 1928.
Seu pai, Paulo de Menezes Mendes da Rocha, era engenheiro e, junto do empreiteiro Serafim Derenzi, pai de sua mulher, Angelina Derenzi, desenvolveu um loteamento na Praia Comprida, na capital do Espírito Santo.
Premida pela crise financeira mundial de 1929, a família -pai, mãe, Paulo e irmã mais nova- mudou-se para o Rio. Da casa do avô paterno, Francisco, em Paquetá o arquiteto contava lembranças de pescaria.
Mais tarde, quando contava por volta de seis anos, foi com a mãe e a irmã encontrar com o pai, que fora tentar a sorte em São Paulo.


A família viveu por anos numa pensão na avenida Paulista, que o menino percorria a pé, de um lado a outro, para estudar no colégio São Luís, observando suas construções.


“Casas muito interessantes. Eu vi desaparecer uma por uma”, relembrou em depoimento registrado por Luís Ludmer em sua dissertação de mestrado na FAU-USP, em 2019. “Eu vi se fazer inteira a avenida Paulista, como se surgisse assim, na minha frente, de um momento para o outro.”
Aos 16, tentou, sem sucesso, ingressar na Escola Naval, voltando para isso a morar com o avô no Rio por dois anos. Na hora de escolher a profissão, decidiu que queria ser arquiteto, mas para a “escola do pai” não iria.

Paulo de Menezes Mendes da Rocha tinha construído uma carreira em São Paulo e era, à época, diretor da Escola Politécnica da USP, onde se podia optar pelo diploma de engenheiro arquiteto.


Preferiu sair da sombra do pai e estudar no Mackenzie, que tinha curso de arquitetura. Destacava, na formação que recebeu no curso -de resto, bastante clássico-, as aulas com Roberto Zuccolo.


Zuccolo, um dos introdutores das estruturas protendidas no país, teria muita influência não só na formação de Paulo Mendes como na de outros nomes da escola paulista de arquitetura que estudaram no Mackenzie, como Fabio Penteado e Pedro Paulo de Melo Saraiva.
O apreço pela clareza estrutural, e mais que isso, pela arquitetura que é estrutura se manifestaria de forma evidente desde sua primeira obra construída, o Ginásio do Clube Athletico Paulistano.
A estrutura é uma forma circular na qual seis pilares sustentam por tirantes a cobertura de madeira e telhas metálicas; as laterais abertas dão para uma esplanada.


Quando ganhou o concurso, em 1958, Paulo Mendes era formado fazia quatro anos e dividia um escritório com sete colegas no centro da cidade, realizando pequenos trabalhos.


“Nesse concurso compareceram muitos dos mais notáveis arquitetos de São Paulo. E assim, de fato, apareci no cenário profissional. Fiquei conhecido como ‘um arquiteto'”, escreveu em depoimento à Folha em 2018.
O projeto do ginásio, que seria premiado na 6a Bienal de Artes de São Paulo, em 1961, foi feito em parceria com João De Gennaro. Paulo Mendes trabalharia sempre com outros colegas -não raro associando-se a discípulos de diferentes gerações, caso dos escritórios MMBB e Metro.


Depois disso, seria convidado por João Batista Vilanova Artigas a dar aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 1961. Artigas -que participou do concurso para o ginásio- é nome fundador da chamada escola paulista, que teria em Paulo Mendes seu expoente mais notável.

O brilho desse início se veria obscurecido na ditadura. Paulo Mendes continuava a trabalhar com De Gennaro e a dupla teve realizações importantes, como o Jockey Club de Goiânia, e participou de muitos concursos para obras públicas.


Em 1969, Paulo Mendes foi cassado, junto com Artigas e outros 64 professores da USP, pelo governo militar. Não pôde mais dar aulas -que retomaria em 1980, com a anistia, indo até 1998, quando se aposentou compulsoriamente aos 70- ou trabalhar para o Estado.


Paradoxalmente, acabara de vencer o concurso para o pavilhão brasileiro na Expo’70, em Osaka. Tornava-se, assim, porta-voz de um governo que não o queria.


O edifício, de aparência simples e estrutura complexa, consistia de uma grande cobertura em domos -evocando a da FAU no campus da USP, que acabava de ser construída com projeto de Artigas-, apoiada sobre colinas construídas com movimentações no terreno.


A demolição após a feira era o destino previsto para quase todos os pavilhões. Em entrevista à Folha Paulo Mendes contou, porém, ter recebido a proposta de uma universidade para que prédio fosse preservado e usado pela escola de música da instituição.


Mas, contou, o governo brasileiro se opôs, e o pavilhão sucumbiu. “Foi a grande cassação que sofri”, disse então.


Até pelas restrições impostas pelo regime militar, uma grande parte da produção do arquiteto foi de residências unifamiliares, em bairros da zona sul e oeste onde havia terrenos generosos, como Butantã e Jardim Guedala. Entre os anos 1960 e 1980, foram cerca de 30 projetos do gênero, 23 construídos, como as casas Masetti (1967) e Gerassi (1989).

Em 1964, fez de sua própria residência uma espécie de experimento. A Casa Butantã, como é conhecida, abrigou entre os anos 1970 e 1990 sua família -era já pai de quatro dos cinco filhos que teria com sua primeira mulher, Virgínia Ferraz Navarro.


“Esta casa pode ser compreendida assim: uma construção engenhosa que foi feita para ser ocupada como uma casa”, disse em depoimento a Catherine Otondo para o livro “Casa Butantã” (Ubu, 2016).
Apesar de ter projetado tantas casas, defendia os edifícios de apartamentos, que propiciam o necessário adensamento, facilitando o transporte público numa cidade que, dizia não era bem-feita. Lamentava que São Paulo tivesse se verticalizado lote a lote, sem planejamento. Via no Copan, de Niemeyer, e no Conjunto Nacional, de David Libeskind, exemplos de urbanidade.


É autor também ele de projetos primorosos de edifícios, como o Guaimbê (1962), nos Jardins, e o Jaraguá (1984), na Pompeia. Assina ainda, com Vilanova Artigas e Fabio Penteado, o Conjunto Habitacional Zezinho de Magalhães, em Guarulhos, de 1968.


Na década de 1990, sua obra passa a incorporar novamente projetos de grande porte, muitos deles para o setor cultural.


Além do já citado MuBE, destacam-se entre estes a Pinacoteca do Estado, que concebeu em 1992 com Eduardo Colonelli, readequando um edifício de 1900 de Ramos de Azevedo, e o projeto original do Museu da Língua Portuguesa, de 2006, instalado na Estação da Luz e desenvolvido com seu filho Pedro.


Em 2017, inaugurou-se em São Paulo o Sesc 24 de Maio. Projetado com o MMBB, insere-se na vida dos calçadões do centro, com 13 andares interligados por rampas e uma piscina com vista na cobertura.
Duas grandes obras suas ficaram sem terminar -a Praça dos Museus da USP; que não teve fim por problemas orçamentários, e o Cais das Artes, complexo artístico e museológico em Vitória, paralisado por longos anos devido a imbróglios judiciais.
Entre a longa lista de projetos que não saíram do papel, realidade comum a muitos arquitetos, está a praça que reconfiguraria o principal acesso do parque Ibirapuera, projeto que foi engavetado na prefeitura João Doria (PSDB) por falta de recursos.


A ideia era criar uma entrada mais generosa para pedestres, retirando vagas de automóveis e aumentando as superfícies permeáveis. “A pé a aproximação do parque é mais agradável”, disse à Folha, comentando o projeto, em 2016.


Ele próprio cultivava o hábito de caminhar até bem entrado nos 80 anos.


Era comum, ainda na década de 2000, vê-lo passeando ao lado de sua segunda mulher, a arquiteta e designer de joias Helene Afanasieff, pelo bairro de Higienópolis.


Mudara-se para o bairro da região central na década anterior, ficando mais próximo do escritório que ocupou desde 1973, no quinto andar do edifício do IAB, na Vila Buarque.
Deixa a mulher, Helene, e os filhos Renata, Guilherme, Paulo, Pedro, Joana e Naná. Informações do site Notícias ao Minuto.

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