Mostra em Berlim destaca papel da menstruação na cultura

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Shlomit Lasky – Segunda, 8. de janeiro de 2024

Metade da população mundial menstrua em algum ponto de suas vidas. Mesmo assim, assunto ainda é tabu para muitos. Exibição aborda desde produtos, obras de arte a costumes ligados ao tema.

Entre os 30 participantes de uma visita guiada por Flow: The exhibition on menstruation (Fluxo: A exposição sobre menstruação), em cartaz até 6 de outubro no Museu das Culturas Europeias (MEK) de Berlim, a maioria são mulheres de todas as gerações, desde mães com suas filhas adolescentes até idosas. Alguns homens também fazem parte do grupo, muitas vezes acompanhando uma parceira. Surpreendentemente, o guia também é um homem.

A princípio, o fato de um homem estar guiando um tour sobre menstruação parece um pouco estranho, mas o antropólogo cultural Stefan Lischewski aborda o assunto com tanta naturalidade que qualquer sentimento de constrangimento logo se dissipa.

Roupas íntimas e produtos menstruais

A mostra traz cerca de 100 produtos sanitários históricos e modernos, assim como anúncios. A primeira parte traça a história da roupa íntima feminina e dos produtos de higiene menstrual, que foram desenvolvidos comercialmente pela primeira vez no fim do século 19 .

Na época, os absorventes higiênicos eram feitos de tecido. Devido aos custos e à acessibilidade, as soluções do tipo “faça você mesmo” permaneceram difundidas até o século 20.

Antes da invenção das calcinhas modernas como se conhecem, as mulheres usavam roupas íntimas inteiriças ou calçolas largas. Muitas vezes tinham uma abertura para facilitar na hora de ir ao banheiro usando crinolinas ou saiotes com armação de metal. Eram necessárias pelo menos seis camadas de pano para absorver o fluido menstrual. Pesando cerca de dois quilos e meio, as almofadas de tecido eram bastante incômodas.

Peças mostram como eram as roupas íntimas femininas através da históriaFoto: Marina Konstantinova

A exposição apresenta uma sala com reproduções dessas históricas “roupas íntimas para dias especiais” que lembram fraldas grandes de algodão. Os visitantes são até convidados a experimentá-las.

Mulheres inventoras

Os pioneiros da indústria eram na maioria homens. Mas também houve inventoras, como a atriz americana Leona Chalmers, a primeira a patentear uma versão comercial do coletor menstrual em 1937. Seu modelo, assim como várias outras marcas ao longo do século, não alcançaram sucesso comercial. Esses coletores só ganharam nova popularidade no início do século atual.

Em 1954, Mary Kenner patenteou um cinto sanitário, mas a empresa que planejava comercializar sua invenção desistiu ao descobrir que ela era afro-americana. Antes do desenvolvimento dos absorventes higiênicos adesivos, esse tipo de cinto era usado para manter os absorventes higiênicos no lugar entre as pernas.

Tampão

O primeiro absorvente interno, da marca Tampax, foi inventado e patenteado pelo médico Earle Haas em 1931. Entretanto, ele não conseguiu que nenhuma empresa se interessasse em comercializar o produto. Em 1933 vendeu a patente para empresária Gertrude Tendrich, de Denver, que fundou uma empresa com o mesmo nome do produto e iniciou a comercialização do absorvente íntimo.

Uma versão sem aplicador foi desenvolvida e lançada na Alemanha em 1950 pelos alemães Carl Hahn e Heinz Mittag. Chamava-se O.B. – abreviação de “ohne Binde” (sem toalha, em alemão). A ginecologista Judith Esser contribuiu para ajudar a melhorar o produto. Ela também revolucionou a educação sexual na Alemanha e a introduziu nas escolas.

Superando tabus através da educação sexual

A exposição foi desenvolvida para atender grupos escolares por meio de passeios educativos: “Nem todos os professores na Alemanha têm o conhecimento e os materiais para ensinar educação sexual de maneira adequada”, diz Lischewski. Mas ele acrescenta que, além dos grupos de estudantes, “vem muito mais gente”: Temos quase 200 visitantes diários” – acima da média normal do MEK.

É por isso que uma seção da mostra tem informações básicas sobre tudo relacionado ao ciclo menstrual. Por exemplo, Lischewski aponta que homens e meninos costumam pensar que as mulheres sangram litros durante a menstruação. A quantidade real é de cinco a 12 colheres de sopa.

Retrato de Donald Trump feito com sangue menstrual é um dos destaques da exibiçãoFoto: Christian Krug/Staatliche Museen zu Berlin, Museum Europäischer Kulturen

Ainda tabu?

O assunto ainda é tabu na Alemanha? Para a cientista cultural Jana Wittenzellner, curadora-chefe da mostra, não há uma resposta clara: “A menstruação faz parte de uma discussão pública contínua há uma década. Ainda é tabu para alguns. Para outros, não mais. E para alguns outros já não era tabu mesmo 30 anos atrás.”

De acordo com Wittenzellner, parece haver muito interesse por parte das mais idosas, que se dizem felizes por finalmente poder partilhar suas experiências através da exposição.

As reações nas redes sociais têm sido “principalmente entusiásticas no Instagram, mas no Facebook tem havido reclamações sobre o ‘tema nojento'”, diz Wittenzellner.

A abertura para discutir a menstruação muitas vezes depende do círculo social individual. “Na minha família, era mais um tabu°, diz Ly Nguyen, uma berlinense de 30 anos de ascendência vietnamita que participa da visita guiada.

“No Vietnã, você não fala sobre essa coisa privada. Toda a educação de que eu precisei veio das minhas amigas. Mas quando tive minha primeira menstruação, minha mãe me disse para não usar absorventes internos, para que eu não perdesse a virgindade – embora não exatamente com estas palavras.”

Cinto sanitário fabricado na Alemanha, provavelmente da década de 1960Foto: Staatliche Museen zu Berlin, Museum Europäischer Kulturen/Christian Krug

O “mito do hímen” é um conceito cultural difundido e equivocado. Na verdade, não existe uma membrana vaginal que se rompa com a penetração. E usar absorvente não tem nada a ver com virgindade.

Outra participante da turnê, Rukhsana Dill Riaz, de Wiesbaden, mora na Alemanha há 26 anos. Ela não acha que haja um tabu na Alemanha – ao contrário do seu país natal, Bangladesh. “A gente lá é muito supersticiosa. As mulheres menstruadas são consideradas ‘não puras’; não podem nem ir ao cemitério.”

​Discurso público sobre menstruação

Através de quase 200 objetos do cotidiano, fotos, gráficos, artigos de jornais e postagens em mídias sociais, a terceira seção da exposição aborda como o discurso em torno da menstruação evoluiu no Ocidente.

Nos últimos 10 anos, o tema tem penetrado cada vez mais no espaço público, especificamente através de publicações nas redes sociais utilizando hashtags como #periodpositivity e #menstruationmatters.

Ists também gerou debates e mudanças políticas. No início de 2024, a Espanha adotou uma lei de licença menstrual, que permite tirar folga do trabalho quando os sintomas são muito dolorosos. Por outro lado, para alguns críticos a medida poderia perpetuar atitudes sexistas e contribuir para o estigma menstrual.

A exposição também aborda a vergonha pública da menstruação com um impactante retrato de Donald Trump feito com sangue menstrual. Sarah Levy o criou em resposta ao comentário de Trump contra a apresentadora da Fox News Megyn Kelly: “Havia sangue saindo dela em todos os lugares”, comentou o ex-presidente americano depois que ela o colocou em situação difícil num debate presidencial na TV em 2015.

Pobreza menstrual

Embora haja uma consciência crescente da pobreza menstrual nos países em desenvolvimento, o fenômeno afeta também as mulheres nas partes mais ricas do mundo.

Exposição tem gráficos, artigos de jornais e postagens em mídias sociaisFoto: Christian Krug/Staatliche Museen zu Berlin, MuseumEuropäischer Kulturen

Num levantamento online realizado na Alemanha, para o qual a Plan International e a Wash United entrevistaram mil mulheres em 2021, 23% das participantes afirmaram que as despesas mensais com a menstruação eram uma carga financeira.

As despesas mensais com saúde menstrual são estimadas entre 5 e 35 euros (R$ 26,70 a R$ 187), se incluídos analgésicos e contraceptivos. A soma é multiplicada por 450, o número médio de ciclos ao longo da vida de uma mulher.

Cultura pop e arte

Ao fim do passeio, o grupo é convidado a passar um tempo de forma independente na quarta seção da exposição, que traz imagens digitais de arte, além de cenas de filmes e séries. Como a da comédia dramática de 2016 Mulheres do século 20 em que a personagem interpretada por Greta Gerwig causa constrangimento num jantar em família ao falar abertamente sobre menstruação.

“Arte e cultura têm um grande impacto e desempenham um papel muito importante na discussão sobre a menstruação. Também a tornam interessante e divertida”, comenta Wittenzellner. “E queríamos que a exposição fosse divertida. Se as pessoas têm vergonha, o riso é a melhor maneira para contorná-la.”

Fonte: DW

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