Mostra na Biblioteca Brasiliana levanta bandeira pró-conservação ambiental

cultura
Texto: Manuela Trafane*
Arte: Simone Gomes

Em cartaz até dia 29, exposição Artmosfera reúne obras de 33 artistas com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre os efeitos das mudanças climáticas globais

A crise climática é real. O ano de 2024 foi o mais quente registrado na história, com temperatura média mundial 1,5°C acima da temperatura na era pré-industrial. Com o objetivo de promover a conscientização coletiva sobre esse problema, 33 artistas se reuniram na mostra Artmosfera, em cartaz até o dia 29 deste mês na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. “A arte tem papel fundamental em levantar a bandeira conservacionista, para fazer as pessoas refletirem sobre a questão ambiental”, afirma o artista gráfico Waldo Forte, curador da exposição, que foi inaugurada no dia 7 passado.

Forte convida o público a se conectar com o teor emocional das obras expostas. Segundo ele, algumas delas são mais objetivas e literais, enquanto outras expressam o mais puro sentimento. “Os artistas ficaram muito engajados e muito motivados para, de alguma maneira, passar uma mensagem e fazer com que as pessoas reflitam sobre essas questões tão importantes na atualidade”, destaca Forte.

O curador lamenta que a população possa fazer pouco para combater as mudanças climáticas. “Os líderes mundiais são aqueles que podem trazer mudanças, e eles estão fechando os olhos diante da questão.” Mesmo assim, Forte insiste na execução desse pouco. Em sua perspectiva, a arte deve exercer seu papel de gerar reflexão e criar uma consciência coletiva. “É uma luta e um esforço muito grandes. Todos devemos estar envolvidos nisso.”

Arte na perspectiva contemporânea

Ao entrar na sala BNDES da BBM – onde a mostra está instalada –, o espectador se depara com esculturas, fotografias, pinturas e instalações. Enquanto alguns artistas utilizam materiais como tinta acrílica e aquarela, outros optam por materiais reciclados, fibras naturais e até manequins. Essa diversidade de estilos é consequência da política do ateliê Contempoarte, localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, do qual Waldo Forte é artista-curador. De acordo com Forte, o ateliê busca promover o desenvolvimento da linguagem pessoal dos artistas na ótica contemporânea. 

Reflexões, assemblage de Yeda Sandoval – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Artmosfera expressa essa política. A artista Lúcia Rosa, por exemplo, expõe na mostra a obra Silêncios Tecidos, formada por um totem com três rostos feitos de tecido, moldados a partir de máscaras. A obra usa fios orgânicos emaranhados com cipó e sisal, para sustentar as feições e formar um objeto longo. Entre as figuras, espalham-se pedaços da planta insulina. “Essa planta é muito resistente. Você pensa que a planta secou, mas dali a uma semana ela está verde de novo”, explica Rosa. A mensagem transmitida é de esperança pela resiliência da natureza e de tributo à memória e à ancestralidade daquilo que permanece, mas também é um aviso. O rosto humano entrelaçado à matéria natural visa a advertir sobre a presença do homem no ecossistema e como a humanidade sofrerá as consequências das agressões ao ambiente.

Outra obra exposta em Artmosfera é a tela Conectando Micelios, da artista chilena Karolina Mättig, que também aborda a coexistência entre homem e natureza. Com técnica mista, essa pintura retrata a camada exterior e a interior de uma floresta. As raízes de uma das árvores simulam o corpo humano. Delas se forma a figura de um braço, que dá origem ao tronco, unido às radículas das demais plantas. Nas laterais dessa pintura, dois quadros, intitulados Brotes – também de autoria de Mättig -, expõem árvores mortas, com raízes fracas, e, atrás delas, notícias de jornais anunciando os incêndios florestais ocorridos na região de La Araucanía, no Chile.

Há obras também que representam mais uma crítica do que uma advertência. A escultura em material reciclado O Grande Banquete, de Edson Verti, é feita de uma caixa de papelão colorida, sobre a qual se vê uma cabeça feita do mesmo material, em que estão escritas frases como “O futuro é reciclável. Pena que seu comportamento não é”, “Onde está seu plástico? No copo de água que você chama de potável”, “Proteção à natureza” e “Futuro verde”. Da boca da cabeça são regurgitadas garrafas plásticas, que chegam a se espalhar pelo chão. A contradição entre palavras pró-sustentabilidade e o plástico é uma ironia do artista, que revela uma sociedade que defende o discurso conservacionista mas continua poluindo. O objetivo é espelhar uma humanidade que se autocontamina, como explica Verti. “O que é descartado volta para a gente de uma forma ou de outra, seja no ar, seja pelos microplásticos”, diz o artista.  “A obra mastiga a consciência coletiva e cospe verdades incômodas.”

Paredes com quadros pendurados nelas e, ao centro do salão, uma estátua.
Ao centro, a assemblage “Produto de Origem Humana”, de Guski – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Já a instalação de parede O Último Sopro, de Paulo Mattos, chama atenção por sua magnitude. A criação faz parte de um projeto pessoal: a sequência de seres com asas emergindo de portais para transmitir mensagens à raça humana. As obras usam papel reciclado, e as estruturas-base de figuras femininas indígenas são painéis móveis feitos de cabides velhos. Inspiradas nos povos originários, as aladas emergem como mensageiras dos elementos ar, fogo e água. A escolha da mulher indígena é um apelo à valorização dos hábitos dos povos originários, que incorporam a natureza como inerente ao ser. Mattos quer emocionar o espectador ao trazer luz à questão ambiental. “O importante é salvarmos nosso maior ser vivo: o planeta Terra”, fala.

Quadro com o desenho de uma floresta.
A pintura “Conectando Micelios”, ao centro, e “Brotes”, pinturas das laterais, por Karolina Mättig – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição Artmosfera fica em cartaz até o dia 29 deste mês, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Não é preciso fazer agendamento. Mais informações estão disponíveis no site da BBM.

* Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg e Roberto C. G. Castro

Fonte: Jornal da USP


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