Pesquisadores do Instituto Pasteur farão coletas periódicas de águas residuais em pontos estratégicos na cidade para identificar variantes dos vírus em circulação. Informações ajudarão no desenvolvimento de uma vacina mais fácil de ser atualizada
Segunda, 5 de agosto de 2024
O Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), sediado na Universidade de São Paulo (USP), acaba de criar um grupo de pesquisas para monitorar o surgimento e o avanço de novas cepas do vírus da influenza na capital paulista. Com coletas periódicas de amostras de esgoto, será possível identificar quais entraram em circulação, quais podem trazer risco à saúde humana e animal, além de prever o início e o pico de sua transmissão, e a dinâmica de circulação no ambiente urbano. As informações, além de serem repassadas às autoridades de saúde pública, ajudarão no desenvolvimento de uma vacina mais eficaz e rápida contra a gripe.
Atualmente, os imunizantes distribuídos pelo Ministério da Saúde protegem contra os três tipos de cepas do vírus influenza que mais circularam nos hemisférios Norte e Sul. O problema é que nem sempre os vírus em circulação são os mesmos com que a vacina foi feita. Além de serem diversos, o influenza muta rapidamente. Assim, estima-se que a eficácia da vacina em uma campanha varie de 40 a 60%, devido à adequação da vacina às cepas em circulação, assim como pelas especificidades de cada uma.
“Este problema pode ser diminuído com a nova forma de vigilância e uma tecnologia que possibilite atualizar a vacina com mais rapidez, que é o objetivo do nosso grupo de pesquisa”, afirma o virologista e biomédico imunologista, Rúbens Alves, coordenador do grupo de pesquisa Vigilância Genômica e Inovação em Vacinas, que passou a atuar desde 1º de julho.
Segundo ele, a proposta de se fazer a vigilância por meio de amostras de águas residuais do saneamento básico é uma estratégia que se mostrou muito eficaz na pandemia da covid-19, e que foi utilizada por mais de 100 países e 293 universidades. “Agora, estaremos na vanguarda da implementação dessa tecnologia para a influenza. No caso do coronavírus, foi possível observar os picos de transmissão em determinada região com duas semanas de antecedência – uma informação que foi muito útil para a tomada de decisões na saúde pública”, afirma Alves.
Vacina contra o vírus da influenza, com uso de vírus inativado e fragmentado, distribuída através do Sistema Único de Saúde (SUS) – Foto: Flickr/Prefeitura Campinas/Domínio Público
Atualmente, a vigilância dos vírus da gripe é feita pela Rede Global de Vigilância de influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS), composta por laboratórios espalhados pelo mundo. Eles são responsáveis por monitorar os vírus circulantes e potencialmente pandêmicos, com base em análises laboratoriais. A partir disso, todos os anos, OMS divulga com seis a oito meses de antecedência quais são as cepas que devem ser usadas na produção das vacinas para o hemisfério sul, para uso no ano seguinte.
“Boa parte dos monitoramentos inseridos nessa rede depende da testagem de casos suspeitos da doença. O monitoramento por esgoto permite uma cobertura mais representativa da população, pois inclui pessoas que não têm acesso a cuidados de saúde ou que optam por não ir ao hospital, o que o faz também ser menos caro, pois depende de menos exames clínicos. Além disso, é um sistema que permite um monitoramento contínuo, não apenas na sazonalidade de maior circulação do vírus, isso ajuda na avaliação de tendências a longo prazo e em um rastreamento em tempo real. Sem contar que pelo esgoto é possível monitorar não só o influenza como outros patógenos”.
Vacina inovadora
Os vírus da influenza são divididos em quatro tipos: A, B, C e D, sendo que os subtipos são classificados conforme as diferentes combinações das proteínas hemaglutinina (HA ou H) e neuraminidase (NA ou N). Existem várias variantes de HA e NA, e os tipos que impactam a saúde humana são os A e B.
Hoje a maioria das vacinas é feita por duas principais tecnologias: o vírus inativado e o vírus vivo atenuado. A primeira consiste em vírus inativados quimicamente de uma forma que eles não possam causar qualquer infecção; já a segunda utiliza vírus que foram geneticamente modificados para não causarem a doença.
No projeto do IPSP, a proposta é criar uma plataforma de vacina, baseada em RNA auto-replicativo. Essa tecnologia imita um mecanismo existente em alguns vírus, como o chikungunya e outros alfavírus, no qual a sequência codificadora da proteína vacinal alvo introduzida é replicada múltiplas vezes por mecanismos inseridos no próprio RNA da vacina. “A vantagem dela é o fato de necessitar de uma menor quantidade de RNA e de criar respostas imunológicas mais prolongadas, o que resulta em um aumento da eficácia do imunizante e redução dos efeitos colaterais. Há também um aumento da velocidade em que a vacina é produzida — o principal obstáculo das vacinas comuns contra a gripe, já que muitas dependem da reprodução de ovos dos vetores dos vírus”, explica Alves.
“Essa é uma plataforma que aprendi a dominar e fui responsável por implementar durante meus quatro anos de pós-doutorado, concluído em junho de 2024, no La Jolla Institute for Immunology, em San Diego (EUA). Lá, desenvolvi novas vacinas contra a covid-19, dengue, zika, entre outros flavivírus, utilizando essa tecnologia”, conta.
Spillover do vírus
A maioria das pandemias no mundo foi causada por vírus de influenza. Estima-se que esses vírus já causaram 50 milhões de mortes em toda a história. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta em cerca de um bilhão de casos de influenza por ano no mundo, com um número de óbitos entre 290 mil e 650 mil.
De acordo com Alves, a maior preocupação é com os subtipos potencialmente pandêmicos. “Hoje é com a gripe aviária, do tipo A, subtipo H5N1. Nos Estados Unidos está ocorrendo um surto da doença em rebanhos de gado e já foram identificados os primeiros casos em humanos, assim como a circulação do vírus nos esgotos. Ou seja, o vírus está fazendo spillover, contaminando outras espécies além das aves. Mas fazendo uma vigilância eficiente e desenvolvendo imunizantes mais eficazes, podemos evitar que ele se torne pandêmico.”
O projeto no IPSP tem previsão de durar de quatro a cinco anos. O financiamento é feito pelo Institut Pasteur de Paris e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
*Da Assessoria de Comunicação do Instituto Pasteur de São Paulo
Mais informações: e-mail [email protected]
Fonte: Jornal USP / Foto: Canva