Por Felipe Maruf Quintas – Quarta, 7 de Julho de 2021
Um dos aspectos menos comentados acerca do processo de Independência é a simultaneidade dela com as primeiras políticas de desenvolvimento industrial adotadas no nosso país.
Essas medidas, tomadas por iniciativa de José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de janeiro de 1822 a julho de 1823, e do seu irmão Martim Francisco, ministro da Fazenda nesse mesmo período, não foram continuadas após a demissão dos Andradas. Porém, apontaram, pela primeira vez, para o desenvolvimento soberano do Brasil.
Desde antes da Independência, Bonifácio empenhava-se pelo desenvolvimento do Brasil. Responsável por redigir as diretrizes da atuação parlamentar dos representantes paulistas nas Cortes portuguesas, em 1821, reunidas em “Lembranças e Apontamentos do Governo Provisório para os Senhores Deputados da Província de São Paulo”, ele propôs a criação da Direção geral de Economia Pública, um órgão estatal que teria por função “vigiar e dirigir as obras de pontes, calçadas, aberturas de canais, minas e fábricas minerais, agricultura, matas e bosques, fábricas e manufaturas.” (OP[1], II. p. 20-21). A construção de infraestruturas no interior do Brasil, o fortalecimento do comércio interno e a criação de escolas em todas as províncias, bem como a abolição da escravidão e a reforma agrária, também faziam parte desse projeto.
Enquanto ministros, José Bonifácio e Martim Francisco empenharam-se pela reconstrução do Banco do Brasil, cujos cofres haviam sido esvaziados por ocasião do retorno de Dom João VI para Portugal. O Banco do Brasil, à beira da falência, foi rapidamente recuperado sem nenhum empréstimo externo e transformado no principal meio regulador da moeda e de financiamento da Guerra de Independência, que contou com aportes oriundos apenas de emissões próprias e empréstimos internos – a Guerra seria vencida em 2 de julho de 1823, com a expulsão das tropas portuguesas da Bahia. O primeiro empréstimo com a Inglaterra começaria a ser negociado apenas em setembro de 1823, logo após a demissão dos Andradas, contrários a esse expediente, e tomado somente em 1824.
Mais do que isso, o Banco do Brasil, dentro dos estreitos limites que a sua situação financeira e o contexto político impunham, também tornou-se financiador de infraestrutura e cultura, assumindo a função, na prática, de banco central, comercial e de desenvolvimento.
Em 20 de março de 1822, Bonifácio ordenava ao Banco do Brasil investir oito contos de réis na continuação da construção da estrada ligando o Porto de Iguaçu, onde hoje estão as ruínas em Nova Iguaçu (RJ), ao presídio do Rio Preto, onde hoje se situa a cidade de São José do Vale do Rio Preto (RJ) (OP, I, p. 351).
Em 26 de dezembro de 1822, Bonifácio encarregou o Banco do Brasil de organizar uma loteria com o intuito de patrocinar o Teatro São João, então o mais importante do Brasil (OP, I, p. 117).
Em termos de infraestrutura, ele também ordenou, em 13 de março de 1822, a distribuição de pequenos lotes de terra em torno da estrada ligando o Espírito Santo a Minas Gerais, com o fito dos donatários concluí-la e aperfeiçoá-la (p. 144). Em 2 de maio de 1822, reconhecendo a “necessidade que há de serem reedificadas as estradas públicas”, ordenou o aterro do campo no distrito de Santa Cruz, onde hoje é o bairro homônimo na cidade do Rio de Janeiro (OP, I, p. 365).
Do gabinete de José Bonifácio também foram criadas importantes políticas industriais no estado da arte mundial. Se continuadas, teriam alavancado a indústria nacional já na primeira metade do século XIX.
Em 2 de julho de 1822, ele concedeu um privilégio exclusivo de 10 anos a Luiz Souvain e Simão Cloth para eles fabricarem uma máquina de descascar café a qual haviam inventado, protegendo-os da concorrência, sobretudo estrangeira (OP, I, p. 175). Nessa mesma data, concedeu a Antonio Gustavo Byurberg, Antonio Ferreira Alves e outros, sócios da Alves, Byurberg & Cia., o privilégio exclusivo para o estabelecimento de um moinho de vapor na província do Rio de Janeiro, isentando de restrições alfandegárias a importação de equipamentos e insumos para a fábrica (OP, I, p. 166-168).
Em 12 de agosto de 1822, em Instrução diplomática a Felisberto Caldeira Brant Pontes, representante brasileiro em Londres, o ministro solicitou a vinda de técnicos que pudessem construir aqui barcos a vapor, de forma a inaugurar nossa indústria naval (OP, I, p. 553).
Em 28 de agosto de 1822, ele determinou que o tabaco produzido por Pedro Genre recebesse o título de Tabaco do Príncipe Regente, concedendo-lhe privilégios comerciais “esperando levá-lo a estado de competir com o que se prepara na Europa” (OP, I, p. 187).
Em 3 de junho de 1823, ele orientou o governo provincial de São Paulo fomentar a ampliação da fábrica de ferro Ipanema, criada em 1810 e localizada no atual município de Iperó (SP) (OP, I, p. 256).
Em 15 de julho de 1823, um dia antes de ser demitido, ele determinou ao governo provincial de São Paulo dar preferência, nas suas compras para o vestuário das tropas locais, à fábrica de fiação e tecidos de algodão de Tomé Manoel de Jesus Varela, “não tanto pela utilidade que a este resulta, como pelo bem geral da Nação, cuja nascente indústria mal poderá fazer os progressos que são para desejar sem o poderoso auxílio do Governo aos empreendedores de tais estabelecimentos” (OP, I, p. 261).
No campo da diplomacia, ele não hesitou em defender os negociantes e produtores nacionais no exterior, inaugurando assim a nossa diplomacia comercial. Em Mensagem ao Ministro dos Negócios Estrangeiros do Peru, ele tomou partido de comerciantes brasileiros em contenda com empresários peruanos, alegando ser “um rigoroso dever dos que têm o leme da administração dos Estados proteger em tudo aos que estão debaixo da sua influência, e prestar favorável acolhimento à expressão das suas justas pretensões” (OP, I, p. 485).
Ele também demonstrou, no governo, a preocupação com a diversificação do comércio exterior, de modo ao Brasil não ficar dependente apenas de açúcar e algodão. No manuscrito “Gêneros que servem ou já podem servir para o futuro para o comércio e exportação do Brasil”, pertencente à coleção José Bonifácio no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o ministro sugeriu desenvolver a exportação de café, arroz, gengibre, cânhamo, baunilha, milho, sorgo, mel, azeites, gomas, sedas, tintas, velas, incensos, tabacos, vinhos, vinagres, peixes salgados e madeiras (dos Anjos, 2008, p. 273).
Como se vê, havia toda uma preocupação com o desenvolvimento agroindustrial do Brasil, aproximando a agricultura da indústria. Possivelmente, ele tinha em vista a realização da ideia que aventara antes em “Necessidade de uma Academia de Agricultura no Brasil”, publicado pela primeira vez apenas em 1862. Nesse artigo, ele defendeu a criação de um instituto semelhante à atual Embrapa para realizar pesquisas agroambientais e fomentar a fabricação de máquinas e ferramentas agrícolas no Brasil (OP, II, p. 35-48).
Sua concepção desenvolvimentista, manifestada tanto dentro quanto fora do governo, pode ser resumida no seguinte trecho, extraída do seu escrito “Estatutos para a Sociedade Econômica da Província de São Paulo”, de 1821:
“Mostra a razão, e a experiência, que as bases sólidas da riqueza nacional são a Agricultura em toda a sua extensão e a Indústria fabril; mas para que estas se arreiguem e prosperem progressivamente cumpre fazer conspirar as forças do Governo e dos particulares a um centro comum. Ora esta reunião de vontades e de esforços fácil e eficazmente se consegue por meio de Sociedades patrióticas de homens sábios e cidadãos zelosos, que apliquem a tão importantes fins os resultados práticos da Física, Mecânica, Química, Mineralogia, História Natural e Econômica” (OP, II, p. 27).
Haveria melhor e mais atual definição para o desenvolvimento técnico-científico-industrial?
Referências:
– Obra Política de José Bonifácio – Organizada por Octaciano Nogueira. 2 vol. Brasília: Senado Federal, 1973.
– José Bonifácio, primeiro Chanceler do Brasil – João Alfredo dos Anjos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. Disponível em: http://funag.gov.br/biblioteca/download/435-Jose_Bonifacio_primeiro_Chanceler_do_Brasil.pdf
[1] Obra Política de José Bonifácio – Organizada por Octaciano Nogueira. 2 vol. Brasília: Senado Federal, 1973.