Impressionado pela mobilização intensa e diversa na 17ª Conferência, Lula compromete-se com Nísia e reconhece importância da pressão social. Lúcia Souto avalia: encontro fortalecerá em muito a luta para que próximos orçamentos recuperem o SUS
Chegou ao fim, ao entardecer da última quarta-feira, 6/7, a 17ª Conferência Nacional de Saúde. A presença de Lula, na cerimônia que aconteceu pela manhã, foi um dos marcos desta que foi considerada uma edição histórica. O presidente aproveitou a ocasião para pôr uma pedra sobre as especulações em torno da permanência de Nísia Trindade no ministério: “Tive muita sorte com os meus ministros da saúde. Todos eles foram extraordinários. Mas precisou de uma mulher para fazer mais e melhor do que todos nós fomos capazes”. Seu elogio pode ser confirmado pelo fato de, em apenas seis meses, a pasta ter concretizado alguns dos principais programas deste mandato até agora, como o Mais Médicos e o Farmácia Popular.
Em mais uma fala contundente, Nísia reafirmou o compromisso com as decisões tomadas na Conferência e decretou: “O ministério da Saúde é o ministério do SUS”. A fala foi comemorada por Paulo Capel Narvai, professor da USP, que notou uma sutileza nas entrelinhas. Ele se recorda de uma entrevista dada por Ricardo Barros, ministro da Saúde de Michel Temer. Quando perguntado sobre o sistema público, afirmou o oposto: que era ministro da Saúde, e não do SUS. Sua gestão foi marcada pelo desmonte de políticas públicas e favorecimento amplo da saúde de mercado. A escolha e confirmação de Nísia no cargo sugere que, enfim, essa página está começando a ser virada.
Naquele mesmo dia, outros acontecimentos foram marcantes para a história das Conferências. A aprovação por margem ampla, em plenária deliberativa, das propostas de legalização do aborto e da maconha talvez tenham sido os mais importantes. “Muitas diretrizes que foram aprovadas vêm ao encontro com esse fortalecimento do SUS como sistema universal para valer”, celebrou Lúcia Souto, militante histórica da construção do SUS e membro da comissão organizadora do evento. “O fato de a Conferência ter sido realizada no início de julho permite que sua agenda possa convergir para o próximo Plano Nacional de Saúde e para o orçamento de 2024”.
“A Saúde hoje é uma pauta de governo, que também vem de encontro a algo que sempre colocamos: o conceito da determinação social da saúde. Abre-se cada vez mais espaço para a intersetorialidade”, continua Lúcia. Para ela, a presença no evento de ministros como Marina Silva, do Meio Ambiente, mostram essa visão ampla da Saúde. Lúcia também destacou outra característica muito marcante da 17ª Conferência: a presença de atores políticos “de uma diversidade extraordinária”. Para ela, “a presença de pessoas com deficiência, da população negra, dos povos indígenas e dos LGBTQI+ mostram o fortalecimento de pautas que são fundamentais”, e sua representação em peso foi algo inédito que deve ser destacado.
Essa diversidade, inegável para quem frequentou os quatro dias da Conferência em Brasília, poderá ser confirmada por uma iniciativa importante do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Trata-se da pesquisa “Saúde e democracia: estudos integrados sobre a participação social nas Conferências Nacionais de Saúde”, que está em sua segunda edição. Durante os debates e deliberações, cerca de 150 voluntários caminhavam pelas salas e corredores para conversar com algumas das 6 mil pessoas presentes e registrar seu perfil. “Nossa pesquisa tem a capacidade de observar e analisar o processo da saúde que trazemos para dentro do SUS pelo debate do controle social”, explicou Alcindo Ferla, coordenador geral da pesquisa e integrante da comissão de relatoria pela Rede Unida, em entrevista ao SUS Conecta. Os resultados devem sair nos próximos meses.
Outro destaque do último dia da Conferência foi a defesa enfática de todos os presentes pela execução do piso salarial nacional da Enfermagem. O STF decidiu, no início da semana, que o piso deve ser garantido no setor público; e que no privado, prevalece a exigência de negociação sindical coletiva – mas, se não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Nísia e Lula anunciaram, no encerramento da Conferência, que os trabalhadores do SUS receberão pagamento retroativo, contado a partir do mês de maio, além da garantia do 13º. “O trabalho da Enfermagem não pode ser considerado menor”, defendeu o presidente durante seu discurso. Nísia também foi enérgica: “Não há SUS sem equidade, e não há SUS sem valorizarmos os trabalhadores da Saúde”.
“Uma sociedade é medida pela qualidade de vida que ela tem e pelo respeito que ela recebe”, afirmou o presidente, sob fortes aplausos. E voltou a dizer que espera a mobilização da sociedade para a construção de seu governo: “Esse país voltou a ser democrático. Nesse país, o povo voltou a falar. Vocês não tenham preocupação, porque nesse governo vocês podem reclamar, vocês podem reivindicar, vocês podem discordar”. Um forte estímulo aos movimentos sociais ali presentes, para que vejam a democracia para além das urnas. “Foi realmente uma Conferência vigorosa, emocionante”, concluiu Lúcia Souto, “e que traz a marca de uma população que veio para ser sujeito político da reconstrução e da transformação do país”.
Fonte: Outras Saúde