Quando nossos olhos encontram, além de pedras, outros olhos em seu caminho, eis um momento único, pois é chegada a hora de nos despir das máscaras que usamos para nos proteger da sociedade.
Na produção de uma pintura, de uma escultura, ou de um texto, o olhar do artista é essencial para o processo de criação. Talvez esse seja um motivo pelo qual o olhar seja conhecido como a “janela da alma”.
Quando nossos olhos encontram, além de pedras, outros olhos em seu caminho, eis um momento único, pois é chegada a hora de nos despir das máscaras que usamos para nos proteger da sociedade.
É um momento único, regado de prazer e de perigo. Sim, o olhar é perigoso. Através dele passamos a conhecer a vida tal como ela se nos apresenta: caótica. Afinal, “viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Os portugueses, ao chegarem ao Brasil, deram aos índios espelhos e, a partir de então, a ingenuidade indígena foi perdida. Quando o Senhor resolveu acabar com todos os pecados em Sodoma e Gomorra, fez uma única recomendação a Ló e a sua família: não olhar para trás. Pedido não cumprido por sua mulher, que foi transformada em uma estátua de sal. Narciso, ao olhar para sua própria imagem no lago, foi tragado por ela. Orfeu ao descer ao “Inferno”, para resgatar sua amada Eurídice, acabou perdendo-a pelo seu olhar. Édipo, ao descobrir que matou seu pai Laio e casou-se com sua mãe Jocasta, furou seus dois olhos, na esperança de não ver, com nitidez, o que não fora capaz de enxergar estando são. Ainda na mitologia, Perseu, para fugir das armadilhas de Medusa, fez com que ela olhasse para si mesma. Camões, embora cego de um olho (direito), enxergava profundamente a alma feminina.
O olhar é um dos poderosos sentidos do homem, porque seduz; e, seduzindo, é capaz de devorar a alma humana. É também capaz de sinceridade, quando, olhos nos olhos, expomos nosso íntimo e vemos o do outro.
A obra de um artista é produto de seu olhar, seu talento e ideologia. Machado de Assis, autor de Dom Casmurro, recriou em palavras, com precisão e perícia, a sociedade de seu tempo, além de personagens com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” (Capitu). A visão do “Bruxo do Cosme Velho” sobre seu tempo é irônica, mordaz, implacável e pessimista. A alma humana foi desvendada através de seu olhar. Por isso, é fundamental que os artistas olhem para todas as direções com extrema atenção, para conhecer profundamente a matéria que apresentarão ao seu leitor.
O artista é aquele que sente e transforma o que sente a partir de sua visão. Portanto, quando lemos uma obra, em prosa ou em verso, estamos diante do olhar de seu autor. Pelo olhar do artista, o mundo parece mais claro, porque ele procura tornar, os fatos invisíveis, visíveis aos nossos olhos.
É a visão a usurpadora dos mais recônditos segredos humanos, a responsável por trazê-los à tona. É por ela que as artes humanas são desenhadas aos nossos olhos, espelhos capazes de exteriorizar o nosso interior. Olhar é conexão. E você: o que tem olhado?
Fonte: Portal Vermelho