- Mike Wendling em Chicago e Madeline Halpert em New York
- BBC News
O assassinato “descarado e direcionado” do executivo do setor de planos de saúde Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, em frente a um hotel em Nova York, na semana passada, chocou os Estados Unidos. A reação ao crime também expôs uma raiva latente contra um setor que movimenta um trilhão de dólares.
“Autorização prévia” não é uma expressão que, aparentemente, despertaria muito ardor.
Mas em um dia quente de julho, mais de 100 pessoas se reuniram do lado de fora da sede da UnitedHealthcare, em Minnesota, para protestar contra as apólices da provedora de planos de saúde e a recusa de solicitações de pacientes.
A “autorização prévia” permite que as empresas analisem os tratamentos sugeridos antes de concordar em pagar por eles.
Onze pessoas foram presas por bloquear uma estrada durante o protesto.
Os registros da polícia indicam que elas vieram de todo o país, incluindo Maine, Nova York, Texas e Virgínia Ocidental, para a manifestação organizada pelo People’s Action Institute.
Unai Montes-Irueste, diretor de estratégia de mídia do grupo com sede em Chicago, disse que os manifestantes tinham experiência pessoal com pedidos negados e outros problemas com o sistema de saúde.
“O atendimento é negado, e eles têm que passar por um processo de apelação que é incrivelmente difícil de vencer”, disse Montes-Irueste à BBC.
A raiva latente sentida por muitos americanos em relação ao sistema de saúde — uma variedade vertiginosa de prestadores de serviços, empresas com e sem fins lucrativos, gigantes do setor de planos de saúde e programas governamentais — veio à tona após o assassinato, aparentemente premeditado e direcionado, de Thompson em Nova York, na última quarta-feira (4/12).
Thompson era CEO da UnitedHealthcare, a unidade de seguros do provedor de serviços de saúde UnitedHealth Group. A companhia é a maior seguradora dos EUA.
Antes de apontar o suposto assassino, as autoridades informaram que foram encontradas mensagens escritas em cartuchos de bala na cena do crime.
As palavras “deny” (negar), “defend” (defender) e “depose” (destituir) estavam nos cartuchos, o que os investigadores acreditam que possa se referir a táticas que os críticos dizem que as seguradoras usam para evitar pagamentos e aumentar os lucros.
Na segunda-feira (09/12), a polícia apontou um suspeito pelo assassinato.
Luigi Mangione, de 26 anos, foi preso por porte ilegal de arma de fogo e por apresentar documentos falsos, depois de ser reconhecido por um funcionário de um McDonald’s em Altoona, Pensilvânia, como possível suspeito pela morte de Thompson. A prisão ocorreu após dias de intensas buscas.
Ele estava carregando uma arma e “várias identidades falsas” — incluindo um documento de Nova Jersey que correspondia à identidade que o suspeito pelo assassinato usou para fazer check-in em um albergue em Nova York antes do crime.
Ele também carregava um manifesto manuscrito de três páginas que incluía queixas sobre o sistema de saúde dos EUA e que demonstrava as “motivações e a mentalidade” do suspeito, segundo a polícia.
‘Ameaças’
Uma análise do histórico de Thompson no LinkedIn revela que muitos estavam irritados com as solicitações negadas.
Uma mulher respondeu a uma postagem que o executivo havia feito, gabando-se do trabalho de sua empresa para tornar os medicamentos mais acessíveis.
“Tenho câncer metastático de pulmão em estágio 4″, ela escreveu. “Acabamos de sair da [UnitedHealthcare] por causa de todas as recusas relacionadas aos meus medicamentos. Todo mês há um motivo diferente para recusar.”
A esposa de Thompson contou à emissora americana NBC que ele já havia recebido mensagens ameaçadoras anteriormente.
“Houve algumas ameaças”, afirmou Paulette Thompson. “Basicamente, não sei, falta de cobertura [médica]? Não sei detalhes.”
“Só sei que ele disse que havia algumas pessoas que o estavam ameaçando.”
Um especialista em segurança diz que a frustração com os altos custos em uma série de setores resulta inevitavelmente em ameaças contra líderes empresariais.
Philip Klein, que dirige a Klein Investigations, com sede no Texas, que protegeu Thompson quando ele fez um discurso no início dos anos 2000, afirmou que estava surpreso com o fato de o executivo não ter tido uma equipe de segurança em sua viagem a Nova York.
“Há muita raiva nos Estados Unidos neste momento”, observou Klein.
“As empresas precisam acordar e perceber que seus executivos podem ser perseguidos em qualquer lugar.”
Klein contou que tem recebido uma enxurrada de ligações desde que Thompson foi assassinado. As principais empresas dos EUA normalmente gastam milhões de dólares em segurança pessoal para executivos de alto escalão.
Após o crime, vários políticos e representantes do setor expressaram choque e solidariedade.
Michael Tuffin, presidente da associação nacional do setor de planos de saúde Ahip, afirmou que estava “desolado e horrorizado com a perda de meu amigo Brian Thompson”.
“Ele era um pai dedicado, um bom amigo para muitos e um colega e líder agradavelmente franco.”
Em comunicado, o UnitedHealth Group disse que havia recebido muitas mensagens de apoio de “pacientes, consumidores, profissionais de saúde, associações, autoridades do governo e outras pessoas solidárias”.
Mas muita gente online, incluindo clientes da UnitedHealthcare e usuários de outros planos de saúde, reagiu de forma diferente.
Essas reações variam desde piadas de humor ácido (como o uso do termo “pensamentos e autorizações prévias”, uma referência à expressão de pêsames “pensamentos e orações”) a comentários sobre o número de pedidos rejeitados pela UnitedHealthcare e outras empresas.
No extremo oposto, críticos do setor disseram claramente que não tinham pena de Thompson. Alguns até comemoraram sua morte.
A raiva online pareceu suplantar a polarização política.
A animosidade foi expressa por socialistas declarados e ativistas de direita que suspeitavam do chamado “Estado profundo” ou “Estado paralelo” e do poder corporativo. Também foi manifestada por pessoas comuns que compartilharam histórias sobre empresas de plano de saúde que negaram seus pedidos para tratamento médico.
Montes-Irueste, da organização People’s Action, disse que ficou chocado com a notícia do assassinato.
Ele afirmou que seu grupo fez campanha de forma “não violenta e democrática” —mas acrescentou que entendia o ressentimento online.
“Temos um sistema de saúde ‘balcanizado’ e quebrado, e é por isso que há sentimentos muito fortes sendo manifestados agora por pessoas que estão vivenciando esse sistema quebrado de várias maneiras diferentes”, observou.
Tuffin, chefe da associação comercial de planos de saúde, condenou todas as ameaças feitas contra seus colegas, descrevendo-os como “profissionais que trabalham com a missão de tornar a cobertura e o atendimento o mais acessível possível”.
As postagens destacam a profunda frustração que muitos americanos sentem em relação às provedoras de plano de saúde e ao sistema de uma forma geral.
“O sistema é incrivelmente complicado”, diz Sara Collins, acadêmica do The Commonwealth Fund, fundação de pesquisa na área de serviços de saúde.
“O simples ato de navegar e entender como obter cobertura pode ser um desafio para as pessoas.”
“E tudo pode parecer bem até você ficar doente e precisar do seu plano”, ela acrescenta.
Uma pesquisa recente do The Commonwealth Fund constatou que 45% dos adultos em idade ativa segurados foram cobrados por algo que, na opinião deles, deveria ser gratuito ou coberto pelo plano de saúde, e menos da metade dos que relataram suspeitas de erros de cobrança os contestaram. Além disso, 17% dos entrevistados disseram que sua provedora de plano de saúde negou cobertura para um tratamento recomendado por seu médico.
Além de ser complexo, o sistema de saúde dos EUA é caro e, muitas vezes, os enormes custos podem recair diretamente sobre os indivíduos.
Os preços são negociados entre os provedores e as seguradoras, diz Collins, o que significa que o que é cobrado dos pacientes ou das seguradoras geralmente tem pouca semelhança com os custos reais da prestação de serviços médicos.
“Encontramos uma incidência alta de pessoas que dizem que seus custos de saúde são inacessíveis, em todos os tipos de plano de saúde, até mesmo no Medicaid e no Medicare (financiados pelo governo)”, diz ela.
“As pessoas acumulam dívidas médicas porque não conseguem pagar as faturas. Isso é exclusivo dos Estados Unidos. Nós realmente temos uma crise de dívida médica.”
Uma pesquisa realizada por pesquisadores da fundação de políticas de saúde KFF mostrou que cerca de dois terços dos americanos disseram que as seguradoras são “muito” culpadas pelos altos custos da assistência médica. A maioria dos adultos segurados, 81%, ainda classificou seu plano de saúde como “excelente” ou “bom”.
Christine Eibner, economista do think tank sem fins lucrativos RAND Corporation, afirmou que, nos últimos anos, as seguradoras têm negado cada vez mais a cobertura de tratamentos e usado autorizações prévias para recusar a cobertura.
Ela disse que os prêmios (valores) dos planos de saúde são de cerca de US$ 25 mil (R$ 151 mil ) por família.
“Além disso, as pessoas têm de arcar com custos extras, que podem facilmente chegar a milhares de dólares”, afirma.
A UnitedHealthcare e outras provedoras de plano de saúde enfrentam processos judiciais, investigações da imprensa e auditorias do governo sobre suas práticas.
No ano passado, a UnitedHealthcare fez um acordo em uma ação judicial movida por um estudante universitário com doença crônica, cuja história foi publicada pelo site de notícias ProPublica, que diz que ele se deparou com US$ 800 mil em despesas médicas quando seus medicamentos receitados pelo médico foram negados.
Atualmente, a empresa está lutando contra uma ação judicial coletiva que alega que ela usa inteligência artificial para encerrar tratamentos precocemente.
A BBC entrou em contato com o UnitedHealth Group para comentar.
Com reportagem adicional do jornalista Tom Bateman.