Por Sputniknews – Quinta, 27 de agosto de 2020
Enquanto funcionários dos Correios anunciam nesta semana a manutenção da greve da categoria por tempo indeterminado, o governo Bolsonaro se vê em meio a dificuldades para impulsionar o projeto de privatização de empresas estatais.
A greve dos funcionários dos Correios, que envolve a paralisação de cerca de 70 mil trabalhadores em todo o país, reacendeu o tema das privatizações de estatais no Brasil.
Falta de consenso
Enquanto o governo é pressionado pela paralisação dos Correios, a ideia de desestatização da Eletrobras também ainda não encontra consenso na Câmara, segundo o presidente da Casa, Rodrigo Maia.
“Tentamos encaminhar [a privatização da] Eletrobras no ano passado, não tivemos acordo entre Câmara e Senado. O Senado [estava] muito resistente naquele momento […] Não acredito que a gente consiga consenso entre Câmara e Senado para votar Eletrobras neste ano”, afirmou Maia.
As dificuldades nos projetos de privatização do governo já foram externadas pelo ex-secretário de Desestatização, Salim Mattar, que se demitiu no último dia 11 de agosto sem conseguir privatizar nenhuma estatal. Mattar afirmou que privatizações dependem de vontade política e que questões legais e burocráticas travam o processo.
O economista e professor dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, em entrevista à Sputnik Brasil, observou que desde o início do governo havia um discurso de impulsionar a privatização de estatais, levando a crer, inclusive, que a Caixa e o Banco do Brasil poderiam ser privatizadas.
“Mas o que a gente viu ao longo desses quase dois anos de governo foi que as medidas adotadas foram um tanto tímidas”, declarou o economista.
De acordo com ele, a grande dificuldade para o avanço do processo de privatização é que o presidente Jair Bolsonaro “não parece muito disposto a levar adiante as propostas que Paulo Guedes inicialmente havia colocado”.
“Acredito que se houvesse uma disposição maior do presidente, esse processo poderia ter avançado mais. Por outro lado, esse processo sofre uma pressão muito grande, de um lado, por parte de interesses corporativos, notadamente de funcionários públicos, servidores públicos, principalmente aqueles que são funcionários de empresas que supostamente poderiam ser desestatizadas; e políticos que têm interesses por nomeações de cargos nessas empresas. O somatório desses interesses acaba tornando difícil o processo”, acrescentou.
As estatais são eficientes?
O principal argumento utilizado para alavancar o processo de privatização de estatais brasileiras é de que estas empresas seriam menos eficientes. O economista Mauro Rochlin aponta que, na visão da equipe econômica de Paulo Guedes, as políticas de privatização jogariam a favor de um maior aumento de eficiência do Estado, citando o caso dos Correios.
“Os Correios infelizmente nos últimos anos tem se mostrado uma empresa extremamente ineficiente, do ponto de vista do consumidor há sérias queixas a respeito da ineficiência da empresa. Esse é um ponto pacífico do ponto de vista do consumidor”, disse ele.
“Na visão do Guedes e dessa corrente mais liberal, que faz críticas a essas empresas, é de que elas são pouco eficientes, e mesmo que elas possam apresentar lucro, seria um lucro muito baixo em relação ao seu potencial”, acrescentou.
De acordo com dados do relatório administrativo dos Correios, em 2019 a empresa teve receita líquida de R$ 18,356 bilhões, registrando um lucro líquido de R$ 102,121 milhões.
O economista da UFRJ, Carlos Punksfeld, por sua vez, disse à Sputnik Brasil que empresas de larga escala que “até já foram monopólios naturais, podem perfeitamente ser eficientes”.
“Não se pode dizer que o setor não é competitivo, pelo menos no que diz respeito à entrega de produtos. Ou seja, em tese eu realmente não vejo porque, por exemplo, a Ponte Rio-Niterói privatizada será melhor que a pública. Qual seria a inovação tecnológica que reduziria custos?”, argumentou.
Venda de ativos públicos
O economista Carlos Punksfeld alega que o projeto de privatização de estatais como os Correios “faz parte de um plano inicial do governo para se desfazer de ativos públicos”.
De acordo com ele, o crescimento das vendas on-line no contexto da pandemia da COVID-19 “abre um interesse muito grande em uma empresa com enorme capilaridade e presença em todo o território nacional”.
“A venda de ativos teria como efeito colateral positivo uma suposta redução da dívida pública, através da utilização de tais recursos para gastos do governo”, argumentou.
Segundo o especialista, se já era importante essa possibilidade de redução da dívida pública antes da pandemia, “agora essa busca se torna ainda mais relevante do ponto de vista do governo”.
“A recessão e os gastos com a pandemia farão a dívida se expandir para um nível, provavelmente acima de 90% do PIB e o governo não parece confortável com tal número”, acrescentou.
Precarização do trabalho
Os funcionários dos Correios anunciaram nesta semana uma paralisação por tempo indeterminado em protesto contra a retirada de direitos, a privatização da empresa e a ausência de medidas para proteger os empregados da pandemia da COVID-19.
O economista Carlos Punskfeld observou que há no Brasil uma progressiva fragilização das relações de trabalho, e, portanto, “é de se esperar que uma nova empresa de correios privatizada traga uma deterioração nas condições de trabalho”.
“Essa, aliás, foi a estratégia declarada do governo no seu início: desregulação e venda de ativos com a reformulação de contratos de trabalho em termos menos favoráveis aos trabalhadores [mesmo no setor público, existe uma proposta de reforma administrativa cujo foco é a redução dos direitos trabalhistas]”, afirmou.
De acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), a revogação do acordo coletivo com os funcionários teve como resultado a retirada de 70 cláusulas de direitos trabalhistas como vale alimentação, vale cultura, licença maternidade de 180 dias, auxílio creche, indenização de morte, auxílio para filhos com necessidades especiais, pagamento de adicional noturno e horas extras.
“Certamente, esse processo, até mesmo pelas leis vigentes atuais, vai resultar em precarização das relações trabalhistas. Se essa precarização, ou custos menores, será revertida em preços menores dos serviços ou lucros maiores dos executivos e acionistas, acho difícil fazer uma previsão”, completou o economista.
Fonte : Sputniknews