Por Gabriel Brito
Após meses, direito já conquistado continua sem definição. Agora, está sendo elaborada Medida Provisória para que os novos salários cheguem à maior categoria da área da Saúde. Movimentos planejam greve caso a demora
Sancionado em agosto passado após um forte processo de mobilização da categoria, o Piso Nacional da Enfermagem continua alvo de um embate entre profissionais da enfermagem, setor privado e poderes de Estado. Após sua sanção, as entidades patronais conseguiram uma liminar no STF para suspendê-lo, sob alegação de que as fontes de financiamento não estavam claras. Em dezembro, o Senado aprovou a EC 172/2022, que garantia tais fontes. Logo em seu início, o governo Lula também conseguiu a aprovação da PEC da transição, que garantia patamares mínimos de financiamento de políticas públicas essenciais.
Mesmo assim, o piso ainda não entrou em vigor. E agora, profissionais da enfermagem ameaçam greve. Na semana passada, o ministério da Saúde formou um grupo de trabalho com o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) e o Fórum Nacional da Enfermagem, a fim de elaborar um relatório que visa apresentar as fontes de financiamento do piso e como elas chegarão a estados e municípios. Mas a paciência desses profissionais tão fundamentais, em especial no período recente, está próxima de se esgotar.
“Convocamos as entidades e os profissionais de enfermagem a realizar mobilizações e paralisações no próximo dia 14/2, com o objetivo de demonstrar ao ministério da Saúde, à rede privada e ao ministro Barroso (do STF) a insatisfação da categoria por conta da demora em implantar o piso salarial digno”, disse Líbia Bellusci, diretora do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro e do Fórum Nacional da Enfermagem, que esteve nas reuniões com o governo.
Nesta entrevista de 2022, Solange Caetano, também do Fórum de Enfermagem, já mostrara que o relatório do projeto de lei do Piso, que por fim foi aprovado, apontava diversas fontes de financiamento. O chamado superávit dos fundos do poder executivo, conforme estabelecido pela EC-127, é a principal. Mesmo assim, parece haver um jogo de empurra.
“Ontem Barroso disse às entidades e aos parlamentares presentes que tinha visto todos os documentos apresentados, havia realizado reunião com Conass e Conasems (órgãos que congregam secretarias municipais e estaduais de saúde), e os estudos deles apresentavam diferenças de métodos, comparados aos do Dieese. E que os relatórios estavam disponíveis, mas não havia nenhuma proposta de Medida Provisória”, explicou Solange ao Outra Saúde.
Como não poderia deixar de ser, a mão invisível do setor privado está por trás do movimento de protelar ao máximo o piso. Neste momento, os representantes da saúde privada reivindicam a desoneração da folha de pagamentos para poder bancar o aumento dos salários. Mas, segundo Solange, fazem pouco esforço para obtê-la e se utilizam da liminar do STF (concedida por Barroso) para adiar o pagamento do piso.
Enquanto isso, ficou definido que dois representantes do ministério da Saúde, dois da enfermagem e dois parlamentares elaborarão a minuta da MP que colocará o piso em marcha. “Abrimos o processo de construção das emendas e da lei. Não há o que esperar mais. Temos todos os instrumentos para fazer a MP. Até quinta-feira (2/2) a minuta estará redigida. De posse dela, o governo deve tomar sua posição, assim como o congresso, senão a enfermagem vai parar”, explicou a deputada Alice Portugal, do PCdoB (BA) e oriunda da enfermagem.
Como criticou uma trabalhadora do setor, “para aumentar salário de governantes ou juízes precisa de tanta reunião?” A título de comparação, cada ponto percentual de aumento na taxa de juros (a Selic), decidido em reuniões quase inacessíveis do Comitê de Política Monetária do Banco Central, significa um aumento de R$ 35 bilhões nos pagamentos de serviços da dívida pública brasileira, mecanismo de remuneração do sistema financeiro que engole 50% do orçamento federal. Em 2022, entre janeiro e dezembro, tal taxa saltou de 9,25% para 13,75%. Enquanto isso, o Piso Nacional da Enfermagem, que beneficia cerca de 2,5 milhões de trabalhadores produtivos, tem impacto estimado em R$ 16 bi por ano.
Como dito por Líbia Bellusci, “a enfermagem tem pressa”. Caso a MP não avance, a promessa é de greve para o dia 10 de março. “Tenho convicção que chegaremos a uma solução antes de uma greve. Defendemos o SUS e a enfermagem. O piso já passou por todas as etapas, a enfermagem flexibilizou sua proposta inicial e lutou muito. Já tem fonte de financiamento e agora precisa chegar no contracheque”, afirmou a deputada Jandira Feghali, presente no grupo de trabalho.
“A enfermagem é base de sustentação do sistema de saúde, somos a maior categoria do Brasil, sem a qual não é possível prestar uma assistência qualificada e segura. Precisamos de reconhecimento e valorização e isso só será possível com a efetivação do piso salarial no contracheque dos trabalhadores”, completa Solange Caetano.
Fonte: Outras Saúde