O que foi o ‘Desastre de Hillsborough’? Conheça tragédia que marcou negativamente a história do Liverpool

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Acidente em semifinal da FA Cup completa 35 anos nesta segunda-feira, 15 de abril

Mortes. Choro. Tristeza. Dor. O dia 15 de abril é sempre lembrado por torcedores do Liverpool como uma data de sentimentos negativos. Há exatos 35 anos, a equipe dos Reds entrava em campo para um jogo que duraria seis minutos dentro das quatro linhas. Fora delas, a duração seria eterna.

A equipe à época comandada pelo lendário Sir Kenny Dalglish disputaria a semifinal da FA Cup frente ao Nottingham Forest no Estádio Hillsborough, em Sheffield. Uma decisão altamente controversa por parte da entidade máxima do futebol inglês, que viria a gerar 97 vítimas, além de cicatrizes que jamais serão fechadas. Entenda com o Lance! o que foi o “Desastre de Hillsborough”.

OS ANTECEDENTES DA TRAGÉDIA
Precedendo a partida decisiva da competição, escolhas da Football Association foram tomadas de forma errônea, gerando o embrião para uma tragédia. Primeiro, a escolha da sede: como as semifinais eram jogadas em campo neutro, Liverpool e Forest foram escalados para jogar no pequeno Estádio Hillsborough, em Sheffield – uma das sedes da Copa do Mundo de 1966 -, mesmo com a onda de hooliganismo em seu auge na década de 1980. Do outro lado da chave, Everton e Norwich duelaram no Villa Park, em Birmingham.

Logo depois, veio a troca no comando da chefia da segurança do confronto. Brian Mole, tendo participado de uma brincadeira violenta entre policiais, acabou sendo trocado por David Duckenfield, que não tinha experiência ou intimidade com jogos de futebol, levando a certa negligência na preparação para o jogo.

Torcedores da equipe de Nottingham foram designados para estar no setor denominado Spion Kop End, com capacidade para mais de 20 mil pessoas. Já os apoiadores do clube de Merseyside se espremeriam na Leppings Lane End, com capacidade um terço menor, mesmo havendo a expectativa de um número maior de torcedores dos Reds. A Leppings Lane era uma espécie de “geral”, onde torcedores podiam assistir aos jogos em pé.

A FA já havia pedido aos torcedores sem ingresso para que não comparecessem ao local da partida. Muitos ignoraram, tentando a sua sorte. Setor apertado, superlotação, segurança despreparada, um estádio que já não apresentava suas melhores condições, e negligência da entidade. A ordem, a soma e a natureza dos fatores alteraram – e muito – o produto.

 O EPISÓDIO
Na abertura dos portões, já se viam os primeiros indícios dos problemas. Apenas uma de sete catracas estava em funcionamento, o que implicaria em cinco dígitos de pessoas tentando passar pelo mesmo lugar. Com a aproximação do início do jogo, portões laterais foram abertos para o acesso a Leppings Lane, o que evitaria mortes fora do estádio. Outros setores, com lugares sobrando, não foram liberados pela segurança, indo de desencontro à recomendação costumeira.

O apito inicial foi dado pelo árbitro Ray Lewis, e a aglomeração se transformaria em desastre. Com altas grades separando os torcedores do gramado, faltava ar a ser respirado por aqueles que ficaram mais próximo do campo. Alguns conseguiram pular as cercas e tentaram entrar no campo para sobreviver, mas a polícia, não entendendo a situação, impediu uma boa parte das ‘invasões’.

Com apenas seis minutos de bola rolando, Ray interrompeu o jogo devido às invasões, ao ser avisado por policiais. Rapidamente, a festa pelo jogo virou desespero: um pequeno portão na grade foi arrombado, e alguns aficionados escaparam. Outros se penduravam nas grades, evitando o aperto. Um outro grupo recebeu ajuda de presentes na West Stand, setor acima de Leppings Lane, e foi puxado para cima, sobrevivendo.

Entretanto, corpos ficaram estirados no local. Asfixiados, pisoteados, espremidos. Pulverizados. Ao todo, naquele momento, contaram-se 95 vítimas. Mais de 700 feridos pela carne. Toda uma história manchada em seu espírito. A torcida que nunca deixou seu time caminhar sozinho por amor, acabou morrendo por ele.

Em 1990, cerca de um ano depois da tragédia, veio a 96ª morte, por complicações. Em 27 de julho de 2021, foi anotado o número 97: Andrew Devine, que sofreu danos cerebrais e passou a viver em estado vegetativo, acabou falecendo.

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As 96 vítimas iniciais do “Desastre de Hillsborough” (Foto: Reprodução)

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Andrew Devine, 97ª vítima do Desastre de Hillsborough, tem foto exibida por irmãos (Foto: Gavin Trafford)

A VIDA SEGUIU
Cerca de três semanas após o incidente, Liverpool e Nottingham Forest escolheram cumprir o jogo. Desta vez, em Old Trafford. Com dois gols de John Aldridge, os Reds venceram por 3 a 1. Na final, o desafio seria vencer o Merseyside Derby, contra o grande rival Everton, no místico Wembley Stadium. O próprio Aldridge marcou aos quatro minutos, mas Stuart McCall deixou tudo igual aos 89′, forçando prorrogação. No tempo extra, brilhou a estrela do ídolo Ian Rush, que balançou as redes, viu McCall empatar novamente, e marcou o terceiro, levando para Anfield um troféu com gosto de saudade.

 LEGADO DE SANGUE
Entre as 97 vítimas, havia uma que, anos depois, teria seu legado levado ao topo da história do clube. Jon-Paul Gilhooley, de apenas 10 anos, foi a vítima de menor idade entre as 97. Coincidência ou não, o garoto era primo de ninguém menos do que Steven Gerrard, multicampeão pelo Liverpool e um dos maiores ídolos da existência da instituição. Em sua autobiografia, lançada em 2006 – um ano após o histórico título da Champions League em Istambul -, Gerrard fez questão de trazer à memória o episódio.

– Ao ver a reação da família à morte de Jon-Paul, percebi que eu tinha que ser jogador do Liverpool. Foi isso que me guiou a vida toda. Eu jogo pelo Jon-Paul – confessou o ex-meio-campista, que atualmente é técnico do Al-Ettifaq, da Arábia Saudita.

 MAIS PROBLEMAS
Mas as polêmicas não pararam por aí. Os julgamentos não levaram a punições severas para ninguém. David Duckenfield foi inocentado em 2019. O único sancionado foi Graham Mackrell, proprietário do estádio de Hillsborough, que precisou pagar 6,5 mil libras, por “negligenciar o número de catracas no local do acidente”.

Somado a isso, autoridades governamentais, como Margaret Thatcher, desviaram a culpa da tragédia para os próprios torcedores. A “Dama de Ferro”, inclusive, teria adulterado um relatório para dirigir a responsabilidade às vítimas. Tablóides como o “The Sun” entraram no mesmo barco, e foram vistas diversas notícias que justificavam que um grupo de apoiadores teria urinado em policiais e exagerado na ingestão de bebidas alcoólicas.

 AS LIÇÕES DA TRISTEZA
Se há algo que pode ser tirado de positivo do “Desastre de Hillsborough”, é a evolução nas arenas inglesas. Estádios foram modernizados, capacidades foram reduzidas, uma maior atenção foi dada à segurança dos locais de jogos. Em consequência, a Premier League se tornou uma atração para todo o mundo, com investimentos em melhorias, tecnologias, e grandes números televisivos e monetários.

Mas acima de tudo isso, seguem-se procurando as respostas. Os verdadeiros culpados pela tragédia nunca foram, e ao que tudo indica, não serão responsabilizados. 97 vítimas. Um jogo que durará para sempre. Se no gramado do Hillsborough, a partida teve seis minutos, na história do Liverpool, o episódio será uma mancha indelével.

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Torcedores do Liverpool prestam homenagem às vítimas do Desastre de Hillsborough (Foto: Paul ELLIS / AFP)

Fonte: Lance / Torcedores do Liverpool exibem placas em memória das vítimas do Desastre de Hillsborough (Foto: Paul ELLIS / AFP)

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