- BBC News Mundo
- Role, Redação
- Sexta, 3 de janeiro de 2025
Em setembro do ano 490 a.C., um soldado atravessou centenas de quilômetros às pressas até a cidade de Esparta, para pedir ajuda contra o poderoso exército imperial persa, que ameaçava invadir a Grécia.
Ele havia partido de Maratona, que fica a leste de Atenas.
O hemeródromo (mensageiro) chamava-se Fidípides. Ele percorreu 250 km de terreno escarpado em menos de dois dias, segundo o relato do historiador grego Heródoto (c.485 a.C. – c.425 a.C.), a principal fonte histórica sobre as guerras entre a Grécia e a Pérsia.
Mas o historiador não mencionou outra suposta façanha do veloz mensageiro, ainda mais famosa. Conta-se que Fidípides correu sem parar desde o campo de batalha de Maratona até Atenas, levando a notícia da vitória do Exército ateniense sobre os persas e o iminente retorno dos soldados para proteger a cidade.
Depois de cumprir sua missão, Fidípides desmaiou e morreu, extenuado pelo esforço.
Esta história inspirou um membro do Comitê Olímpico Internacional, Michel Bréal (1832-1915), a propor a adoção da distância entre o local da batalha e a capital grega como referência para um dos eventos mais extenuantes dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. A prova recebeu o nome da cidade (cujo nome significa “funcho”, a erva aromática que crescia abundantemente naquela localidade): maratona.
Por isso, todos os anos, milhares de pessoas se submetem aos exaustivos 42 km em corridas de longa distância em todo o mundo.
Diversos autores misturaram os dois relatos. Alguns afirmam que Fidípides correu nas duas ocasiões e chegou até a lutar na batalha. Outros eruditos acreditam que as duas histórias são fictícias.
Dúvidas
A maioria dos historiadores concorda que Fidípides realmente existiu. Mas os relatos de suas ações heroicas são confusos desde que foram registrados em texto pela primeira vez, cerca de 50 anos depois da suposta ocorrência dos fatos.
Por isso, não surpreende que, 2,5 mil anos depois, pouco tenha sido feito para separar os fatos da lenda – e que ainda não se saiba ao certo até que ponto os relatos são corretos.
O que deixou de ser dúvida é a possibilidade de realização dessa façanha.
Em 1982, o comandante britânico John Foden e mais quatro oficiais da Força Aérea Real do país foram até a Grécia para comprovar se realmente seria possível percorrer uma distância de quase 250 km em menos de dois dias. E três membros do grupo – entre eles, Foden – conseguiram completar o percurso, seguindo a rota descrita por Heródoto.
Assim se soube que Fidípides realmente poderia ter realizado o feito que, para muitos especialistas, seria apenas uma lenda. Aliás, a façanha, segundo Heródoto, foi ainda mais incrível, pois a viagem do mensageiro foi de ida e volta, realizada no espaço de três dias.
Ele precisou regressar, novamente descalço e armado apenas com uma espada curta, trazendo más notícias na bagagem. Os espartanos estavam dispostos a ajudar, mas só conseguiriam chegar em mais de uma semana.
Outro aspecto questionável da história que nos chegou é a representação da batalha de Maratona.
A vitória do reduzido Exército ateniense sobre uma força invasora enviada pelo homem mais poderoso do planeta na época – o Rei dos Reis da Pérsia, Dario 1º, o Grande (c. 550 a.C.-486 a.C.) – é tida como uma das proezas mais espetaculares da história militar.
Devemos os detalhes a Heródoto, o primeiro grande historiador da humanidade. Mas existe um dado que parece fantasioso para os historiadores atuais.
Heródoto conta que os atenienses começaram sua investida a quase 1,5 km de distância da linha de combate dos inimigos.
Seria possível que os atenienses corressem por toda essa distância, carregando lanças e escudos, e ainda tivessem energia suficiente para vencer os persas?
“A batalha ocorreu no local de desembarque mais próximo de Atenas, a planície de Maratona”, relata o historiador da Antiguidade Jason Crawley, da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.
“Sua vitória (dos persas) estava garantida. Eles tinham uma vantagem de 2 contra 1 e seus adversários gregos eram todos amadores, enquanto a Pérsia tinha um exército imperial”, prossegue ele.
“Eles deveriam tê-los arrasado, mas, contra todos os prognósticos, foram vencidos.”
Como foi possível?
“Houve um choque entre dois sistemas militares opostos”, explica o historiador.
“Os persas, com sua infantaria leve, preferiam o combate à distância, usando armas como lanças. Os helenos só sabiam combater corpo a corpo: eles se lançavam contra o inimigo e o apunhalavam sem piedade. Os persas não esperavam encontrar pessoas tão loucas!”
Heródoto relata que os gregos correram “oito estádios”, cerca de 1,5 mil metros. Mas, para os historiadores, isso não faz sentido. “Acreditamos que o relato tenha sido aumentado pelos que o contaram.”
A BBC resolveu colocar essa história à prova, juntamente com Jason Crawley, em um episódio do programa Making History, da Radio 4 da BBC.
A historiadora Iszi Lawrence foi a “cobaia” do experimento. O local escolhido para o teste não foi “uma praia parecida com as gregas, para correr com um grupo de jovens, idealmente com roupas leves”, segundo Lawrence, mas um laboratório esportivo, onde ela teve de usar uma enorme máscara azul no rosto e um monitor de batimentos cardíacos no peito.
O responsável pelo experimento foi Steve Atkins, diretor de Esporte, Educação Física e Fisioterapia da Faculdade de Saúde da Universidade de Salford, no Reino Unido. Sua intenção era realizar exames fisiológicos, psicológicos e mecânicos, para simular as condições dos soldados atenienses durante a batalha de Maratona.
Eles tentaram simular o escopo do material que teria sido carregado por um soldado ateniense.
“O mínimo que os soldados gregos carregavam era um escudo redondo grande chamado áspide, que pesava 8 kg e tinha quase um metro de diâmetro”, explicou Crawley. E usavam ainda “algum tipo de armadura no corpo; provavelmente, protetores nas pernas; e uma grande lança, com pontas afiadas nas duas extremidades.”
Por isso, Lawrence teve de vestir um jaleco pesando 18 kg e ainda carregar dois pesos, para reproduzir o peso levado pelos soldados.
Depois de correr por seis minutos, o coração de Lawrence batia 173 vezes por minuto – muito acima dos 138 batimentos da medida de controle verificada quando ela correu sem carregar peso.
E o que o historiador da Antiguidade conseguiu concluir com este e outros estudos?
“O que Heródoto disse sobre o avanço a toda velocidade em uma distância tão longa, nestas condições, é simplesmente impossível”, responde Crawley.
Se os soldados tivessem corrido desta forma, eles teriam chegado exaustos ao ponto onde o inimigo os esperava.
“Outro ponto que Heródoto conta é que a batalha durou ‘muito tempo'”, prossegue o historiador.
“Isso é muito relativo. Até dois minutos de combate corpo a corpo, carregando todo este peso, sob o sol ardente, é muito tempo.”
“Do meu ponto de vista, este experimento confirma a teoria de que as batalhas da Antiguidade eram resolvidas rapidamente”, afirma Crawley.
Ponto final?
Por mais interessantes que sejam estes experimentos, até que ponto eles podem realmente reproduzir, por exemplo, as condições dos atenienses, dois milênios e meio atrás?
“As palavras ‘realmente’ e ‘reproduzir’ são a chave”, responde a arqueóloga Carenza Lewis, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
“É claro que estudar a forma em que reagimos fisiologicamente ao uso da energia e por quanto tempo podemos nos manter intensamente ativos oferece uma ideia aproximada da capacidade dos seres humanos”, prossegue ela.
“O problema é que se trata de outra época. Não sabemos muito sobre as condições físicas ou o dia a dia dos gregos que estavam combatendo.”
“Por outro lado, nunca se pode reconstruir a experiência, pois nunca conseguiremos entrar nas suas mentes”, explica Lewis. “A ideia de que o medo dá asas, que se alguém o inflama, você pode exceder suas próprias capacidades… tudo isso é muito difícil de quantificar.”
Além disso, como comparar as exigências físicas cotidianas da Antiguidade com a era moderna?
“Acredito que as condições físicas das pessoas eram muito melhores”, afirma David Miles, diretor de Arqueologia da organização English Heritage. “Apenas duas gerações atrás, no Reino Unido, já era assim.”
“Para o meu avô, não parecia grande coisa caminhar 12 km até o pub, pois ele nunca teve carro… nem mesmo bicicleta.”
“Estamos falando de pessoas que, em sua maioria, eram fortes, devido às suas atividades diárias”, indica Miles. “Acrescente-se que eles treinaram saltando obstáculos para poder abranger grandes extensões de terreno.”
“Certamente, os sinais de osteoartrite que observamos nos esqueletos demonstram isso, pois eles nos indicam o alto nível de atividade daqueles gregos antigos”, confirma Lewis.
Fonte: BBC / Getty ImagesLegenda da foto, História da Grécia Antiga envolvendo um mensageiro corredor e a cidade de Maratona deu nome a um dos eventos mais extenuantes dos Jogos Olímpicos — mas essa história é verídica?