Por Giancarlo Galdino
Talvez a melhor imagem para definir um relacionamento seja mesmo a de um barco singelo, resoluto no propósito de não virar no oceano de prazeres, lamentações, desencontros e mágoas, que sempre pode tornar-se, de uma hora para a outra, ou um lago cinzento de melancolia e frieza, ou um golfo, no qual o ódio fica a entrar e sair, provocando seus estragos por um ano, uma década, uma vida. O filipino Emmanuel Quindo Palo aproveita um clichê um tanto óbvio e que já serviu para que se falasse quase tudo sobre o amor e suas derivações, e em “O Que Será do Amor?” discorre acerca das eternas e maravilhosas dificuldades partilhadas por quem se atreve a enfrentar a corrente e ir atrás de um tesouro esquecido no fundo, de um mar cheio das feras perigosas que o roteiro de Mike Rivera pinta com cores nada sombrias, que se complementam e se repelem.
Uma mulher anda por uma praia levando uma mala e alguns pertences, falando sozinha. Nota-se a quilômetros o desalento que embota seu semblante manso demais, em flagrante oposição com a paisagem bravia que a cerca. Ela está decidida a chegar a alguma parte, mas não passaria noventa horas andando de Camarines Sul, onde está, até Manila, e esse primeiro contato mais minucioso do espectador com a história serve para alertá-lo da reviravolta que o final guarda. A prolepse, um tanto arriscada já na introdução, se choca com a rotina de um casal aparentemente feliz, descobrindo afinidades e esforçando-se por ignorar suas tantas diferenças, e aí moram duas vigorosas ameaças, silenciosas, mas nada discretas. Por mais cortês que se apresente, Billie, a mocinha de Alessandra De Rossi, dá a impressão parece meio contida demais para o temperamento impulsivo, as vezes francamente mercurial, de José Emilio, músico como ela, mas de formação distinta, em todos sentidos. Se ela pode se dar ao luxo de entregar aos projetos que considera relevantes, para a carreira e para a humanidade, Jecs, como ele é conhecido nos palcos, se vira tocando em Intramuros, um bairro descolado da capital. O encontro dos dois foi numa circunstância venturosa, por evidente, como são as situações em que um indivíduo se reconhece no outro de algum jeito; entretanto, à medida que estreitam seus laços, é impossível não pensar que devessem no mínimo refrear o entusiasmo e ter muito mais prudência antes de defrontar a fase seguinte. A entrada em cena de outras figuras, o pai tirano dela e a mãe superprotetora dele — além de uma tal Sunshine, um trocadilho meio besta, não fosse a personagem vivida por Sunshine Guimary, instagramer em ascensão nas Filipinas cuja voluptuosidade, mesmo a distância, é capaz de dar azo à briga conjugal que sustenta o argumento central —, empurram a narrativa para o terreno de um melodrama surpreendente por conseguir ganhar substância de algo tão banal.
JM de Guzman também supera expectativas na pele do artista sensível que desliza quando sob efeito do álcool, cena galhofeira e elétrica na mesma intensidade. O espírito de artista livre de Jecs, ainda que preso ao comercialíssimo repertório dos inferninhos em que se apresenta, persevera na menção consciente ou involuntária a “Que Reste-t-il de Nos Amours” (1942), de Charles Trenet (1913-2001), usada por François Truffaut (1932-1984) em “Beijos Proibidos” (1968). Seu grande sucesso, apropriadamente chamado “E Se?”, é o epítome do amor por Billie, e o amor nem sempre é uma coisa doce. A vida, sim.
Filme: O Que Será do Amor?
Direção: Emmanuel Quindo Palo
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10
Fonte: Revista Bula