Em conversa com a CNN, um os maiores nomes da cena teatral brasileira fala sobre expectativas para o futuro e as mudanças impostas com a pandemia
O que há pouco mais de um ano era impensável, aconteceu. As portas dos teatros brasileiros estão abertas novamente para 100% do público. Com o arrefecimento parcial da pandemia no mundo e cerca de 80% da população no Brasil com as duas doses (dados do início de maio do Ministério da Saúde), é hora de sair da coxia novamente.
Porém, apesar da retomada, alguns grupos de teatro anunciaram novas sessões, mas ainda de forma on-line. Como a peça “Romeu e Julieta”, encenados pelos atores Renato Borghi e Miriam Mehler, em cartaz desde 2018 e que voltarão de forma digital a partir de junho.
A escolha terá público. Segundo uma pesquisa recente realizada pelo instituto Datafolha em parceria com o Itaú Cultural, 80% do espectadores de shows de música e de dança, e de peças de teatro pretendem continuar acompanhando programações virtuais mesmo após a retomada completa das atividades presenciais.
Mas, se depender do diretor teatral, cenógrafo e figurinista Gabriel Villela, é no palco, com a presença da plateia, que os atores devem estar. Com mais de 30 anos de carreira, o mineiro de 63 anos acredita que, no on-line, “perde-se a relação com o público” e, com isso, “a fala, a verdade e o jogo” da atuação ficam comprometidos.
Gabriel, que dirigiu desde musicais de Chico Buarque, como “A Ópera do Malandro” e “Os Saltimbancos”, à uma versão de “Macbeth” com o ator Marcello Antony, em 2012, e até shows de Ivete Sangalo, Milton Nascimento e Maria Bethânia, levou para o ambiente virtual durante a pandemia um peça com Chico Carvalho, mas não sabe “se aquilo que fizemos era teatro”.
Atualmente em cartaz com “Henrique IV”, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, e com “Cordel do Amor Sem Fim”, que participa de festivais pelo Brasil, o diretor falou com a CNN sobre os impactos da pandemia no seu trabalho, as expectativas para o futuro e sua relação com as montagens criadas em formato digital.
CNN: Qual a importância de se voltar para o teatro?
Gabriel Villela: A importância é saber que tem uma saúde social e coletiva retornando a sua origem. A felicidade é ver que isso não está acontecendo só no Brasil, mas no mundo. As pessoas estão voltando aos teatros, pois estão nostálgicas, mesmo com as medidas contra a Covid-19.
Você veja que não é uma prerrogativa do nosso espetáculo, mas do homem que está habituado a viver em sociedade. Esse retorno presencial é de uma felicidade inenarrável.
Você fez “Proto-Henrique IV”, uma montagem gravada. Qual a diferença do processo criativo de uma peça em palco para o on-line?
O teatro tem várias possibilidades de apresentações. [Porém], eu não sei se aquilo que fizemos era teatro. Eu só sei que era um monólogo feito pelo ator Chico Carvalho, com participação de Breno Manfredini.
[No teatro online], perde-se muito a relação com o público. E, com isso, a fala, a verdade e o jogo, a verossimilhança ficam comprometidos. Foi como foi, não tinha outra alternativa.
Você acha que o teatro virtual vai continuar? E tem interesse me produzir algo para o público on-line?
Eu acho que a experiência deve continuar porque tem experiências muito bem aventuradas e que devem ser aprofundadas.
Porém, eu sou um senhor de idade que gosta muito do palco. Gosto da cenografia, da luz, e gosto de ouvir o texto ao vivo. Observar como ele toca a partir da interferência da plateia.
Eu não gosto de assistir ao espetáculo que faço, eu gosto de colocar uma cadeira na coxia e ouvir a dilatação da fala e a relação do ator com a plateia. Gosto de ouvir a relação do público com o ator.
Quais são as ações que podem fomentar a atração do público pelo teatro?
A inação na qual caímos durante a pandemia está fazendo com que o público esteja lotando os teatros de São Paulo. Há uma massa interessada nos teatros que promovem e trazem reflexões e inteligências à luz da relação presencial.
Quais foram os impactos da pandemia no processo da sua atual peça, “Henrique IV”?
A gente começou a ensaiar com as quedas de estatísticas. O primeiro instante convivemos em um momento com todos de máscara, lembrando da distância entre os corpos. Depois, todos foram para o palco sem a máscara, e fomos nos habituando.
Ficamos muito atentos, e qualquer um que dava um espirro nós fazíamos um exame. Tínhamos uma vigilância necessária. Encontramos os limites e nos relacionamos com as possibilidades.
Nas terças-feiras, antes das apresentações (que acontecem de quinta a domingo), o elenco faz um teste para saber se está infectado.
Isso também é uma responsabilidade sobre tudo no nosso ofício, que tem um perdigoto entre mim e você e não podemos vacilar. Precisamos zelar com o outro e com os atores, além da própria plateia, que pode estar infectada e não sabemos.
Eu acho que o final da pandemia será quando nos libertarmos desse exame.
E quais foram os impactos da pandemia na sua vida?
Fiz o que todo mundo fez, me recolhi em Minas Gerais, na casa dos meus pais (em Carmo do Rio Claro). Fiquei um ano e meio nesse isolamento, até que as vacinas começaram a chegar.
Minha família teve o privilégio de ter água potável, uma paisagem de montanha, com uma temperatura mais amena. Plantamos horta de verdura, cuidamos de galinhas e cachorros.
No quesito profissional, eu trabalho com um grupo de Campinas “Os Geraldos”, e tínhamos acabado de montar o “Cordel do Amor sem Fim”, de Claudia Barral. E, em 13 de março, quando fizemos as fotos com o fotógrafo João Caldas para estrear com o Sesi, fechou o país.
Em janeiro de 2022, todos tivemos Covid. O grupo inteiro e eu. Mas já sabíamos o cuidado e estávamos vacinados. Então, tivemos uma interferência de 7 a dez dias para que todos ficassem bem.
Qual é a diferença do teatro de quando você começou, em meados dos anos 1990, e hoje?
O modo de fazer pode até ter sido modificado. Na década de 1990, teve muita visibilidade aos grupos e às experiências mais horizontais, mas não se alterou o organismo e a essência do teatro… Ninguém mexe nisso.
E é onde as regras fundamentais continuam as mesmas: espectador, artista e público. Até se metamorfoseiam em algumas experiências, mas, por mais que a gente fuja, sempre tem a porta sendo batida pelo teatro grego, Shakespeare e outros clássicos.
Como você enxerga a cena teatral hoje?
O teatro também está dando alguns recados políticos, está muito afiado com a situação política atual. Mas tem trabalhado essas questões de forma subliminar, na linguagem dos signos, nas metáforas.
Eu vejo uma arte que em nós se manifesta muito elaborada. Ele está saudável se comparado com a época da ditadura.
Vale destacar que se olharmos para o cenário teatral hoje, com o musical “Morte e Vida Severina” ou outros autores postos em São Paulo, por exemplo, as montagens estão dando conta de criar um tsunami [cênico] e dar conta do recado.
De acordo com Rodrigo Audi, organizador do livro “Imaginai! O teatro de Gabriel Villela”, seu teatro é marcado por um figurino popular e circense. Como você entende as montagens que utilizam indumentárias que se aproximam das roupas cotidianas?
Normalmente, tudo o que está ligado à cultura burguesa, apesar de todos sermos burgueses em nossas vidas, é destituída de signos teatrais.
A roupa de ir à feira entrando no palco pode assumir, dependendo das mãos de quem está, um organismo dramático, mas, para mim, prefiro trabalhar em cima de um texto que permita um aproveitamento antropológico de uma indumentária que também possa emanar uma quantidade imensas de signos e de épocas que se vestiu assim.
E é dessa indumentária que parte problemas e ideias que ajudam a humanidade a pensar.
De todo seu processo profissional, qual foi a montagem mais desafiadora?
Toda montagem é desafiadora, a próxima peça que eu tenho a estrear com grupo Os Geraldos, é “UBU Rei”, de Alfred Jarry. (A peça gira em torno de um protagonista que se torna rei trapaceando e governa com base em atrocidades contra a população local).
E é preciso ter um cuidado enorme para não cair nas citações do dia a dia do hospício que virou o Brasil-político, que te obriga a ser médico, paciente e enfermeiro ao mesmo tempo.
A estreia está marcada para setembro.
*Com informações da Agência Brasil e colaboração do ator e professor da Escola de Artes Célia Helena, Rodrigo Audi