Por Alexandre Gusmão (Segunda, 20 de setembro de 2021
Continuando aqui, nesse espaço democrático e educativo, as minhas observações sobre artes e artistas, gostaria de brevemente comentar um trabalho da extraordinária artista paulistana Rosana Paulino (1967). Doutora em artes visuais pela USP, a artista investiga a representação do negro, especialmente a mulher negra, na história da arte. A expressão manifesta em seus trabalhos, veremos, confronta e tenta desconstruir as narrativas coloniais/religiosas que alimentaram a justificativa de superioridade racial escravocrata na espinha dorsal de nossa trajetória como nação.
A obra assentamento (2013) expõe uma instalação representativa do corpo suturado de uma mulher negra – simbologia das vidas violentamente arrancadas e rasgadas de suas realidades e famílias, para serem jogadas e embaladas nos porões dos navios negreiros que por mais de 300 anos cruzaram o oceano atlântico. Era uma forma de morte ainda em vida.
Visualmente, a desarmonia dos corpos remendados parece revelar a quase impossibilidade da reconstrução de suas dignidades. Como poderiam, esses povos escravizados, no curso do tempo, saberem de suas origens étnicas?
Acrescente a isso, ainda na mesma obra, uma também instalação composta por telas de monitores com imagens do mar e um feixe de braços de madeira criando um paralelo subjetivo com um feixe de lenha prestes a queimar. A artista encara e debulha, dolorosamente, as vísceras da engrenagem desumana que estruturou o racismo nosso de cada dia.
Conhecer e refletir sobre a produção artística contemporânea de uma mulher negra da estatura de Rosana Paulino, e a potência de seus trabalhos, é um engrandecimento que merecemos. Nós e as gerações futuras, especialmente o povo negro.
Prof Alexandre gusmão