Por Ana Livia Esteves – Quinta, 26 de novembro de 2020
O PSOL teve desempenho surpreendente nas eleições municipais de 2020. Pautas identitárias e declínio do PT podem ter favorecido o partido, que deve impactar decisivamente as eleições presidenciais de 2022.
As eleições municipais de 15 de outubro foram marcadas pela ascensão do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que conseguiu eleger números recordes de vereadores em grades centros urbanos do país.
Na cidade de São Paulo, o partido de esquerda elegeu seis vereadores para a Assembleia Legislativa, onde a partir de 2021 terá a terceira maior bancada a partir, atrás somente dos tradicionais PSDB e PT.
Nas eleições majoritárias, Guilherme Boulos (PSOL) teve 20% dos votos para a prefeitura de São Paulo no primeiro turno e disputa o segundo turno com o tucano Bruno Covas. Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em 24 de novembro aponta Boulos com 40%, contra 48% de seu adversário.
Qual o segredo da ascensão do PSOL? Com esse novo impulso, o partido se projeta para as eleições presidenciais de 2022?
Pautas identitárias
Um dos trunfos do PSOL, que o diferenciam dos demais partidos de esquerda, é a sua aposta nas chamadas pautas identitárias, que advogam pela inclusão na sociedade de mulheres, negros, LGBTQ+ e demais grupos subalternizados.
“A ascensão do PSOL está associada a uma mudança na natureza do jogo político do Brasil, que deriva de um modelo de afirmação de identidade”, afirma o professor do departamento de Estudos Culturais e Mídias da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso de Albuquerque, à Sputnik Brasil.
Para ele, a esquerda atualmente se associa menos “ao fundamento de classe social” e mais “aos elementos identitários”.
“Esse é um jogo que o PSOL tem jogado muito bem”, acredita Albuquerque.
Por mais estranho que possa parecer, a força considerada oposta ao PSOL, os bolsonaristas, também focam sua agenda política em assuntos identitários.
“Onde o PSOL afirma diversidade, inclusão de mulheres, negros e trans, como seu elemento de valor identitário fundamental, o bolsonarismo nega tudo isso“, comenta o professor. “O bolsonarismo e o PSOL se reforçam mutuamente, não porque sejam afins, mas porque tem a mesma agenda política […] com posições opostas.”
Essa relação entre PSOL e bolsonarismo teria se expressado com clareza no Rio de Janeiro, cujo vereador mais votado foi Tarcísio Motta, do PSOL, seguido por Carlos Bolsonaro (Republicanos).
Declínio do PT
O bom desempenho do PSOL também está associado ao declínio do PT, partido de esquerda com maior projeção nacional. Em São Paulo, a candidatura de Jilmar Tatto para prefeito minguou 8% dos votos válidos, o pior desempenho da sigla desde 1988.
“O PSOL melhorou muito seu desempenho em grandes centros urbanos e hoje, em muitas cidades, supera o PT, roubando o seu espaço de principal referência da esquerda brasileira”, garante Albuquerque.
O declínio petista teria sido resultado de “um longo processo de desgaste provocado principalmente pela operação Lava Jato, em relação a qual boa parte do PSOL assumiu um discurso favorável durante um tempo”, lembrou o professor.
Após o bom desempenho do PSOL, há quem aposte em uma relação melhor entre os até agora adversários de esquerda.
O ex-presidente Lula, por exemplo, não demorou a expressar seu apoio à candidatura de Boulos no segundo turno.
No entanto, Albuquerque não acredita que o PSOL vá facilitar um diálogo com os petistas.
“Parte do PSOL ainda é antipetista antes de mais nada”, explica o professor. “O PSOL surgiu como um partido cujo grande traço identitário é disputar a hegemonia do campo das esquerdas com o PT.”
Nesse sentido, o distanciamento com o PT ainda é visto como prioridade para grupos dentro do partido, em especial a sua base.
“Não é parte do campo de prioridades do PSOL montar um campo de alianças com outros agentes do campo da esquerda, porque o seu discurso é purista”, disse Albuquerque.
Ambições nacionais
O aumento do número de vereadores do PSOL em grandes centros urbanos do país pode fornecer impulso para uma eventual candidatura à presidência da República.
Líderes como Guilherme Boulos, ou mesmo Marcelo Freixo, deputado federal pelo Rio de Janeiro, podem encabeçar uma chapa do partido para a presidência da República.
No entanto, o foco do PSOL pode estar, atualmente, em obter sucesso em eleições proporcionais (vereadores, deputados), em detrimento das majoritárias (prefeitos, governadores, presidente).
“Ao eleger mais vereadores, o partido obtém um maior número de assessores, mais recursos […] e se fortalece burocrática e administrativamente”, explicou Albuquerque. “Essa dimensão é importante no processo de tomada de decisão do PSOL.”
De fato, em recente debate promovido pelo Roda Viva, Guilherme Boulos negou que estivesse focado nas eleições nacionais, dizendo que, caso seja eleito para a prefeitura da capital paulista, permaneceria no cargo até 2024.
Além disso, o PSOL tem uma “estratégia que maximiza a sua força eleitoral, às custas da sua força política”, que consiste na capacidade de exercer o poder através dos representantes eleitos pelo partido, acredita o professor.
Para o acadêmico, as bancadas eleitas pelo PSOL são marcadas pela adesão às pautas identitárias, e por isso apelariam a “grupos muito específicos”.
“A marca identitária que permite ao PSOL eleger um número relativamente grande de vereadores não favorece que ele se transforme em partido de maioria”, acredita Albuquerque.
Para o professor, o PSOL “se tornou mais forte do ponto de vista eleitoral, mas perdeu espaço do ponto de vista de sua capacidade de articulação com as esquerdas”, o que seria um obstáculo para seu desempenho em 2022.
“Portanto, me parece que o partido teve um grande sucesso em relação às eleições de anos anteriores, ao eleger vereadores em grandes centros urbanos, mas não sei se as ambições do PSOL vão muito além disso”, concluiu Albuquerque.
O PSOL obteve o resultado eleitoral mais expressivo de sua história nas eleições municipais de 2020, elegendo o vereador mais votados em Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife e Aracaju.
Fundado em junho de 2004 por uma dissidência do PT devido a divergências acerca da Reforma da Previdência durante o governo Lula, o partido se consolidou durante o escândalo do Mensalão, em 2005.
Fonte: Sputniknews