Por Samantha Prado
Candidato à reeleição, Bolsonaro faz da retórica anticorrupção um pilar da sua campanha enquanto acumula casos de desvio de dinheiro, sigilo, bloqueio de investigações e desvio de políticas públicas nos últimos 4 anos. O Le Monde Diplomatique Brasil faz um compilado de alguns dos casos de corrupção do atual governo
No debate entre presidenciáveis do último sábado (24), no SBT, o presidente Jair Bolsonaro (PL), mais uma vez, reforçou a ausência de episódios de corrupção em seu mandato. “Nós tiramos a corrupção das manchetes. Três anos e oito meses, você não vê escândalo de corrupção no meu governo”, declarou em resposta ao candidato Felipe D’Avila (Novo). Essa, com certeza, não é uma fala isolada.
Bolsonaro tem feito da retórica anticorrupção um dos seus pilares na campanha de reeleição ao Palácio do Planalto como forma de se contrapor e manchar a imagem de seu principal oponente eleitoral, o ex-presidente Lula (PT).
O tópico voltou aos assuntos mais comentados da última semana após o episódio de censura sofrido pelo portal UOL, ordenado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Demetrius Gomes Cavalcanti, a retirar do ar as matérias que denunciavam os 51 imóveis comprados pela família Bolsonaro com dinheiro vivo. A decisão foi resultado de um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do presidente, que tenta abafar os casos de corrupção ligados à família – o que já é em si um ato corrupto, como argumenta o jurista e docente da Universidade de São Paulo, Conrado Hubner. Em sua coluna na Folha de São Paulo, Hubner lançou uma série de textos analisando os diferentes tipos de corrupção bolsonarista, que podem existir em forma de guardar segredo, desvirtuar políticas públicas e bloquear investigações.
Em levantamento apresentado pelo Datafolha na última semana, 69% dos brasileiros consideram que existe corrupção no governo – apesar de poucas vezes sua imagem ser associada a esse fato. Às vésperas do primeiro turno das eleições de 2022, relembramos alguns dos principais escândalos associados ao presidente nos últimos quatro anos e nos perguntamos onde está o governo que varreu a corrupção do Brasil, como tanto afirma Bolsonaro.
Janeiro de 2018: Caso Wal do Açaí
Bolsonaro e sua família já tinham seus nomes envolvidos em escândalos de corrupção antes mesmo de ser eleito como presidente. O caso “Wal do Açaí” veio à tona a partir de reportagens da Folha de S. Paulo, quando Bolsonaro era deputado federal e candidato à presidência. As matérias revelaram que Walderice, registrada como funcionária de Bolsonaro em sua secretaria de gabinete na Câmara dos Deputados, vendia açaí em Angra dos Reis (RJ) em vez de dar expediente na casa legislativa. Em março de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) fez a denúncia à Justiça Federal de Brasília, pedindo que ambos sejam condenados por improbidade administrativa e “ao ressarcimento dos recursos públicos indevidamente desviados”.
Dezembro de 2018: Queiroz, rachadinha da família Bolsonaro e os cheques da primeira dama
No fim do mesmo ano, um levantamento do Estado de S. Paulo revelou documento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontava para movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-PM Fabrício Queiroz, então assessor parlamentar do então deputado Flávio Bolsonaro. Mais tarde, revelado pela revista Crusoé, foram expostos depósitos de pelo menos 21 cheques na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, entre os anos de 2011 e 2018. O valor total chega a R$ 89 mil.
Outubro de 2019: Ministro do Turismo
Marcelo Álvaro Antônio, então ministro do Turismo, foi imputado pelos crimes de falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita no inquérito da Operação Sufrágio Ostentação – investigação sobre suposto desvio de recursos por meio de candidaturas femininas laranja nas eleições 2018.
Janeiro de 2021: gasto de R$ 15 milhões com leite condensado
Levantamento divulgado pelo Portal Metrópoles mostrou que em 2020 foram R$ 15.641.777,49 gastos apenas em leite condensado. Com base no Painel de Compras do Ministério da Economia, o Metrópolis estimou gastos de mais de R$ 1,8 bilhão no carrinho de compras do governo, um aumento de 20% em relação ao ano anterior.
Março de 2021: O “escritório do crime” e Adriano da Nóbrega
Outra história que permeia a vida da família Bolsonaro e a sua relação com a milícia do Rio Janeiro envolve Adriano da Nóbrega, líder da milícia “Escritório do Crime” e que foi morto em uma operação policial na Bahia, em fevereiro de 2021. Nóbrega tinha relações diretas com Queiroz e Flávio Bolsonaro. As conexões dessa história chegaram até mesmo na televisão alemã, especificamente no canal Tagesschau, que fez uma reportagem com a genealogia da ligação da família Bolsonaro com as milícias e as relações desse quadro com o assassinato de Marielle Franco.
Abril de 2021: Ricardo Salles
O então ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foi acusado de dificultar a ação de fiscalização ambiental e patrocinar diretamente interesses privados de madeireiros investigados por extração ilegal de madeira. No mês seguinte, o ministro que na época era um dos principais bastiões ideológicos do governo Bolsonaro, foi alvo de uma operação da Polícia Federal que apura os crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando por meio da exportação ilegal de madeira. Nessa ação, dez funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente foram afastados, entre eles o presidente do instituto, Eduardo Bim.
Maio de 2021: Tratoraço
Em maio de 2021, o Estadão deu início à série de reportagens que revelou um esquema montado pelo presidente Bolsonaro para manter sua base de apoio no Congresso. O chefe do Executivo criou, em parceria com o Congresso, o chamado orçamento secreto. O primeiro lote de emendas exposto pela reportagem incluía a liberação de R$ 3 bilhões. Boa parte dessas emendas foi destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. No esquema, parlamentares que apoiavam o governo conseguiam mais recursos em emendas para seus redutos eleitorais.
Maio de 2021: George Divério
No mesmo mês, o governo federal teve de demitir George da Silva Divério do cargo de Superintendente Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro devido a uma suspeita de corrupção. Ele, que é coronel do Exército, havia sido nomeado para o cargo pelo então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
Junho de 2021: Propina de US$ 1
Em junho de 2021, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, foi acusado de pedir propina para autorizar a compra de vacinas pelo governo. Segundo a denúncia, ele teria condicionado a aquisição de imunizantes da AstraZeneca ao recebimento ilícito de US$ 1 por dose.
Junho de 2021: Covaxin
No mesmo mês, em plena pandemia e no desenrolar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, mais uma denúncia de corrupção foi revelada na área da Saúde. Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostraram que o governo aceitou negociar a compra da vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que seis meses antes era anunciado pela própria fabricante.
Março de 2022: Gabinete paralelo do MEC
O Estadão revelou que dois pastores capturaram o Ministério da Educação e passaram a interferir na agenda do então titular da pasta, Milton Ribeiro, para privilegiar determinados municípios no empenho de recursos do órgão. No esquema, Gilmar dos Santos e Arilton Moura levavam demandas de prefeitos a Ribeiro e conseguiam a liberação dos recursos em tempo recorde.
Abril de 2022: Ônibus escolares
Já em abril, o Estadão revelou que uma licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) previa a compra de ônibus escolares com preços inflados. O alerta partiu de instâncias de controle e da própria área técnica do fundo. Segundo documentos obtidos pela reportagem, o governo aceitava pagar até R$ 480 mil por um ônibus que, de acordo com o setor técnico, deveria custar no máximo R$ 270,6 mil.
Abril de 2022: Escândalo do asfalto
Ainda no mesmo mês, foi revelado em reportagens do jornal Folha de S. Paulo que o governo Bolsonaro contratou empresa de fachada para serviços de pavimentação que somam R$ 600 milhões. Nos contratos assinados pela Codevasf no estado de Alagoas, em 2019 e 2020, fiscalizadores da Controladoria-Geral da União (CGU) encontraram superfaturamentos, pagamentos indevidos, serviços em duplicidade e obras inacabadas. O valor total das irregularidades somou R$ 4,3 milhões.
Junho de 2022: Cartão corporativo
Em junho deste ano, dados de um documento sigiloso do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que Jair Bolsonaro (PL) já gastou R$ 16,5 milhões com o cartão corporativo em viagens com a comitiva e a família. A soma é parte dos R$ 21 milhões que foram gastos pelo presidente, a primeira-dama Michelle e o círculo mais próximo do clã presidencial.
Setembro de 2022: 51 imóveis em dinheiro vivo
A poucas semanas das eleições presidenciais, uma reportagem exclusiva do UOL revelou o pagamento parcial ou total de dinheiro em espécie em 51 das 107 transações imobiliárias realizadas pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos. Deste total, 17 compras são citadas em investigações no Ministério Público, envolvendo o esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e Flávio Bolsonaro.
Samantha Prado faz parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.