Em debate do Cebes, Ana Estela Haddad apresenta propostas do Ministério da Saúde para a área: “transformação digital do SUS” como um dos eixos da gestão – com ampliação do acesso, respeito à LGPD e garantia da participação social
Saúde pública e tecnologia. Muito comentado nos últimos anos, este binômio é um dos temas que têm ocupado o centro das preocupações de profissionais da saúde e ativistas ligados à defesa do SUS. Isso porque carrega, ao mesmo tempo, grandes potencialidades e riscos para a efetivação de um sistema de saúde público, universal, gratuito e de qualidade.
A implementação de inovações tecnológicas sem critério ou respeito pelos princípios e diretrizes do SUS é caminho certo para a ampliação das disparidades regionais e mesmo a negação do atendimento médico a amplas faixas da população com dificuldade de acesso à tecnologia. Por outro lado, se bem planejada, a introdução das novas tecnologias digitais na saúde pública pode ser um fator decisivo para superar certas lacunas do sistema e alcançar populações que recebem uma cobertura ainda insuficiente.
No debate “Transformação digital no SUS com democracia e equidade”, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) na tarde da última segunda (15/5), a secretária Ana Estela Haddad compartilhou com o público a perspectiva do ministério da Saúde sobre o tema.
A intervenção da titular da secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi) se concentrou na apresentação dos projetos que o ministério vem desenvolvendo na área da Saúde Digital, alguns deles já em andamento. Os planos começaram a tomar forma no início do mandato com a própria criação da Seidigi, encarregada da responsabilidade de administrar o DataSUS (Departamento de Informática do SUS, que coleta e processa seus dados) e orientada a trabalhar de forma integrada com as demais secretarias.
Esse esforço de integração perpassa muitas das iniciativas da nova secretaria encabeçada por Haddad. Um exemplo foi anunciado na live: por meio da Seidigi, o MS passará a acessar os recursos do FUST, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, tradicionalmente gerido pelo ministério das Comunicações. Com assento no Conselho Gestor do Fundo, a secretaria atuará para que ele financie projetos de ampliação da infraestrutura de saúde digital.
A Fiocruz foi apontada como outra das parcerias mais ativas da secretaria nos primeiros meses de governo. Haddad informou da realização, há poucos dias, de uma reunião com a instituição de pesquisa que teve o objetivo de desenhar uma agenda em comum para a próxima Assembleia Mundial da Saúde.
A integração também está presente no vocabulário conceitual que sustenta os projetos do governo. Ana Estela expôs que o ministério da Saúde tem percebido a importância de substituir a ideia de telemedicina pela de telessaúde – isto é, de integrar especialidades como a enfermagem, a fisioterapia, a fonoaudiologia aos planos de digitalização, já que sem elas não haverá uma oferta global de saúde aos cidadãos.
Ainda não lançado oficialmente e apresentado de forma antecipada na live do Cebes Debate, o carro-chefe da secretaria será o programa SUS Digital Brasil. Essa é a grande iniciativa para “trabalhar de maneira integrada e colaborativa no processo de transformação digital no âmbito do SUS”, nas palavras de Haddad. Nela, estão incluídas as propostas de criação de diretrizes para a telessaúde no Brasil, compartilhamento de dados para pesquisa e inovação, e desenho de planos estaduais e municipais de transformação digital. Para isso, o ministério se prepara para oferecer às prefeituras e governos acordos de cooperação técnica que atendam às necessidades locais.
O governo também tem trabalhado para melhorar a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), instituída na gestão passada. Na visão de Haddad, a RNDS não é “mais um sistema”, mas uma plataforma que reúne todos os sistemas e ajuda a compartilhar melhor as informações coletadas nas instâncias municipal, estadual e federal. Entre as propostas estudadas está a instituição de um modelo mínimo de informações para todos os prontuários, incluindo dados como cor/raça, que uniformizem as informações consideradas essenciais para a compreensão do perfil dos usuários do SUS.
Outra das inovações em estudo é o projeto e-SUS Regulação. Seu norte é a modernização e a atualização do SISREG, o sistema de regulação do SUS – o novo software em desenvolvimento deverá ser mais seguro, integrado à plataforma gov.br e de interface mais responsiva, nos planos apresentados.
Surgiram no debate algumas preocupações com a implementação dessas novas tecnologias na saúde pública. Em sua fala inicial, a própria secretária abordou a questão da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), cujas normas devem ser seguidas no planejamento da integração das plataformas.
Na mesma toada, Ana Estela também foi questionada pelos participantes sobre o Open Health, projeto apresentado ainda no governo Bolsonaro que previa o compartilhamento das informações médicas dos usuários do SUS com os planos de saúde privados – uma flagrante comercialização dos dados pessoais dos brasileiros, com a anuência do então ministro Marcelo Queiroga. A iniciativa será levada para frente pelo novo governo? Não, respondeu Haddad. “Não se ouve mais falar nisso desde janeiro”, disse a secretária.
Os profissionais também se preocupam com a possibilidade de concorrência entre a Saúde Digital e a Atenção Primária em Saúde. A oferta de serviços de telessaúde, numa perspectiva neoliberal, liberaria o Estado da obrigação de fortalecer a territorialização do SUS. Apesar disso, a política promovida hoje é de colaboração entre as duas áreas. “A integração é total”, opinou Haddad, e o ministério trabalha para incluir a saúde digital nas novas unidades básicas a serem construídas no país.
Com a proximidade da Conferência Livre Nacional de Saúde Digital, a ser realizada no dia 22/5, a discussão não pôde se esgotar no curto espaço de uma hora reservado para o debate. Todos os temas com certeza voltarão à mesa no evento da próxima segunda e nos embates dos próximos anos sobre a formulação de políticas públicas.
Em suas considerações finais, Ana Estela Haddad enfatizou uma condicionalidade importante: o uso adequado da Saúde Digital pode democratizar o acesso à saúde. Mas sem a garantia dos princípios e diretrizes do SUS – que, com o assédio crescente das big techs e outros segmentos do setor privado na saúde, de fato não estão a salvo – nada feito.
Fonte: Outra saúde