- Priscila Carvalho
- De João Pessoa para a BBC News Brasil
- Quinta, 13 de outubro de 2022
Devido à falta de oxigênio durante o parto, a influenciadora digital e estudante Isabella Savaget, de 21 anos, teve parte do cérebro lesionada e, por causa disso, seus movimentos ficaram limitados.
Na época, sua mãe teve uma gravidez considerada tardia pelos especialistas, aos 40 anos. Ela desejava fazer uma cesárea, mas o médico recomendou um parto normal.
“Não saí na hora certa. Foram só alguns segundos que fiquei sem oxigênio, mas foram suficientes para lesionar a parte motora do cérebro”, diz Isabella, com lembranças contadas por sua mãe.
A bebê foi encaminhada para UTI neonatal, onde teve uma convulsão e os médicos identificaram um problema, mas não deram um diagnóstico preciso.
“Na hora eles disseram que eu tive uma lesão e ponto”, relata.
Após consultas médicas, descobriram que a intercorrência no parto gerou uma paralisia cerebral.
Desde então, a jovem tem acompanhamento multidisciplinar com especialistas que auxiliam no seu desenvolvimento.
O lado esquerdo da estudante foi o mais prejudicado, fazendo com que ela tenha, até hoje, dificuldade em certas ações. Mas a parte cognitiva não foi afetada.
A influencer, que fala de inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) nas redes sociais, conta que é possível realizar algumas atividades sem a ajuda de terceiros.
“Eu comecei a fazer tratamento muito nova e isso foi fundamental para desenvolver minha autonomia. Eu não consigo pegar uma xícara, por exemplo. Mas faço tudo praticamente sozinha. [A paralisia] não afetou a parte cognitiva, só a parte motora”, conta.
Ela também apresenta dificuldade na fala e sofre com tetraplegia espástica, que faz com que a pessoa tenha dificuldade em mexer os membros superiores e inferiores, além de espasmos, que são movimentos involuntários.
Desenvolvimento escolar e ao longo da vida
Mesmo estudando em uma escola com apenas cinco alunos com deficiência, Isabella conta que nunca se intimidou ou se sentiu excluída pelos colegas. Ela permaneceu no mesmo colégio por dez anos e sempre fez questão de dançar nos eventos de festa junina.
Inclusive foi por meio da dança que ela conseguiu melhorar sua coordenação e movimentos.
“Eu aprendi a dançar funk antes de andar sozinha. Isso me motivou. A dança foi um tipo de terapia dentro da fisioterapia. Foi através da dança que vi que nada era impossível”, diz.
Ela se recorda que começou a andar aos quatro anos, mas já improvisava passos de dança aos dois anos — tudo de maneira adaptada por sua fisioterapeuta.
Em relação à alfabetização, o processo foi todo feito por meio de um computador. Por não ter coordenação suficiente para escrever, ela contava com a ajuda da tecnologia para exercícios e tarefas escolares.
As matérias na área de exatas foram as mais difíceis. Segundo a jovem, montar equações e outras fórmulas não eram tão simples.
“Precisei de uma tutora que me acompanhasse dentro da sala de aula. Eu falava e ela escrevia em um caderno as fórmulas. Sofri muito com física, química e matemática.”
Capaz de entender os ensinamentos da escola, ela conseguiu acompanhar toda a turma e matérias no colégio. Mas a maior diferença entre Isabella e os colegas era o fato de que nem sempre era possível fazer as mesmas atividades.
“Eu percebi que tinha deficiência quando via minhas amigas indo para a aula de balé, de dança e eu ia para fisioterapia”, lembra. Ela também fazia acompanhamento com neurologistas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.
Anorexia foi forma de esconder deficiência
Dos 14 aos 17 anos, a jovem sofreu com anorexia nervosa e chegou a pesar 30 quilos. Como tinha dificuldade em aceitar a deficiência, ela conta que a doença foi uma forma de esconder o que sofria.
“Meu subconsciente achou que [a anorexia] era uma ótima forma de fazer isso e foi um dos períodos mais caóticos da minha vida. Eu perdi toda aquela determinação para seguir em frente”, diz. Por causa do baixo peso, precisou interromper o tratamento que fazia.
Sua vida social também foi afetada. Ela deixou de ir a festas de aniversário porque era obrigada a comer. Acompanhada por especialistas de diversas áreas, a influencer lembra que os profissionais de saúde chegaram a dizer que ela morreria e que precisaria ser internada.
“Naquele momento percebi que não era aquela vida que eu queria para mim”, conta.
Ela passou a receber comida forçada e chegou a ganhar um pouco mais de peso, mas seguia lutando contra o problema. Seus pais colocaram como “meta” o ganho de peso e, em troca, ela ganharia um cachorro, um dos seus maiores desejos.
Depois de muito tempo em tratamento, ela conseguiu controlar a anorexia. Mas a jovem conta que ainda sofre com resquícios da doença e precisa monitorar seu comportamento para evitar situações que a deixem mais vulnerável.
“Eu digo que até hoje sofro, mas não se compara ao que eu tinha na adolescência”, diz.
Sucesso nas redes sociais e inspiração
Por causa de sua cachorra, ela já administrava uma conta no Instagram e tentava buscar parcerias com empresas de produtos para a pet. Um dia ela resolveu mudar o conteúdo do perfil e postar um vídeo contando sobre sua história de superação.
Em algumas horas, a postagem viralizou e o perfil nas redes sociais começou a crescer.
Assim, ela passou a produzir conteúdos sobre capacitismo, o dia a dia de pessoas com deficiência e outros assuntos. Atualmente, ela já soma pouco mais de 200 mil seguidores somente no Instagram.
O sucesso também ocorreu no Tik Tok. Isolada em casa, no auge da pandemia, ela publicou um vídeo em que aparece dançando e a postagem atingiu 22 milhões de visualizações. Nessa rede social, Isabella já tem quase um milhão de seguidores.
Como sua paixão desde pequena foi dançar, ela conta que não imaginava que o vídeo fosse fazer tanto sucesso, mas muitas pessoas a apoiaram e agradeceram pelo conteúdo. Desde então, ela segue com publicações que desmistificam o cotidiano de PCDs e que ajudam na inclusão.
“Tem gente mandando coisas positivas, vivendo coisas boas e eu penso que não vou parar meu trabalho. Recebo muita gente dizendo que mudei a vida delas e que dei esperança. Recebo perguntas de mães querendo saber qual órtese [apoio para alinhamento de membro do corpo] eu uso porque o filho delas não conseguem andar”, conta.
Um dos quadros que mais fazem sucesso em sua rede social é o “Bella Descomplica”, no qual ela esclarece dúvidas sobre a deficiência. Pautas como namoro com PCDs, filhos com deficiência, lei brasileira de inclusão e outros temas são abordados por ela.
Falta inclusão e visibilidade
Mesmo sendo bem aceita nas redes sociais, a jovem afirma que a realidade fora da internet é outra. Segundo ela, falta que a sociedade reconheça que pessoas com deficiência são capazes.
Uma outra questão apontada pela estudante é a necessidade de que marcas também enxerguem esse público como consumidor.
“Eu preciso de um sapato adaptado. Eu consegui um sapato porque eu fui atrás de uma marca e mandei fazer”, diz.
A tecnologia também é um ponto que, ao mesmo tempo que evolui para um determinado público, não progride da mesma maneira para quem tem deficiência.
“Quanto mais a tecnologia avança para vocês, nós somos deixados de lado. O microfone no telefone não entende minha voz, por exemplo”, diz.
A mobilidade também é um ponto que ainda precisa ser melhorado em muitas cidades, segundo Isabella.
“Aqui no Rio de Janeiro andar nas calçadas é um pouco complicado. Falta acessibilidade”, destaca.
Isabella conta que seu maior sonho é criar uma loja de produtos adaptados.
“Eu penso em criar maquiagens, sapatos e até móveis para nós.”
Sofrimento no parto aumenta risco de paralisia cerebral
Algumas intercorrências durante o parto podem fazer com que a oferta de oxigênio para o feto — por meio da placenta e da circulação sanguínea — sejam prejudicadas.
A falta de oxigenação e irrigação de sangue para o cérebro leva a hipóxia e isquemia cerebral, respectivamente. As lesões produzirão sequelas neurológicas, como a paralisia cerebral.
E assim como ocorreu com a mãe de Isabella, uma das complicações mais comuns e que geram o problema são partos normais e de longa duração. Mas até em cesáreas pode haver danos.
“Tanto partos normais quanto cesarianas que ocorrem tardiamente podem provocar sofrimento fetal. Por exemplo, o bebê pode fazer cocô dentro da barriga da mãe e esse conteúdo, chamado de mecônio, vai circular pelo líquido amniótico e assim entrará no pulmão do bebê”, explica Márcio Moacyr de Vasconcelos, neuropediatra e secretário do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
“Quando o mecônio entra em contato com o pulmão gera uma inflamação, e a consequência é a falta de oxigênio no cérebro.”
“A gestante, durante o parto, pode ter uma pressão muito baixa e uma série de problemas variáveis podem causar a falta de oxigenação cerebral. O cérebro precisa de uma circulação efetiva”, destaca Carlos Alberto Mattozo, neurocirurgião do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).
Sequelas da paralisia cerebral
No laudo emitido pelos médicos, Isabella recebeu o diagnóstico de paralisia cerebral com hemiplegia dupla, que provoca o comprometimento dos quatro membros. Ela ainda sofre com espasmos.
Uma das consequências principais da condição é o acometimento da parte motora e, em alguns casos, da área cognitiva do cérebro.
“Muitos podem ter um grau de cognição dentro do normal, mas a função motora é bem afetada. Eles têm dificuldade em movimentar os braços e pernas, mas têm cognitivo bom”, diz Mattozo.
A dificuldade nos movimentos vai depender do nível de lesão e também do lado em que o bebê teve a falta de oxigenação.
“Se tiver uma lesão numa região do lado direito, pode ter um acometimento do lado esquerdo”, diz Ana Paula Peña, neurologista e mestre em Gestão de Saúde Coletiva pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês. Em cada área há regiões correspondentes, o que pode determinar se a lesão será leve ou não.
A especialista destaca ainda que as sequelas podem afetar a visão, fala e provocar deficiência intelectual.
É muito comum que esses pacientes sofram espasticidade, que é a resposta do nosso sistema nervoso a algum tipo de lesão.
Eles também podem apresentar distonia, que são movimentos involuntários. Essa classe de doenças está ligada a distúrbios do movimento, que ocorrem quando a parte mais profunda do cérebro é atingida.
“Se a pessoa perde esse grau de controle e os núcleos da base ficam fora de sincronia, eles geram movimentos involuntários”, destaca Mattozo.
Em relação à fala, pacientes podem apresentar dificuldade na dicção ou articulação de palavras. Isso ocorre porque as regiões frontal e temporal esquerda são afetadas.
Como funciona o tratamento?
Quem sofre com paralisia cerebral precisa ter um acompanhamento multidisciplinar ao longo da vida, com neurologistas, neuropediatra, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
“É uma equipe multidisciplinar para tentar melhorar as habilidades da criança. Por definição, haverá um atraso no desenvolvimento”, diz Vasconcelos, da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Em muitos casos, a espasticidade pode ser resolvida com fisioterapia, já que a prática ajuda para que o corpo não atrofie. Em alguns pacientes, é preciso o auxílio de órtese ou próteses, muletas e cadeira de rodas.
“O tratamento é vitalício. No SUS obter a reabilitação prolongada é um desafio. É penoso para os pais”, ressalta o neuropediatra.
Para melhorar os espasmos, o paciente pode ainda recorrer a injeções de botox, que são aplicadas nas articulações. Há também medicações que ajudam nos sintomas.
Por último, em casos mais raros e que não há progresso com outros tratamentos, os médicos podem indicar neurocirurgias.
– Este texto foi publicado emhttps://www.bbc.com/portuguese/geral-63198550
Fonte: BBC Brasil