Peças discutem as relações trabalhistas no Brasil atual

cultura

Espetáculos fazem parte do “Circuito Tusp de Teatro”, que acontece neste fim de semana no campus da USP de Bauru

Neste fim de semana, o Teatro da USP (Tusp) promove em Bauru (SP) a 21ª edição do Circuito Tusp de Teatro. Nesta sexta-feira, sábado e domingo, dias 11, 12 e 13, sempre às 19 horas, três peças trazem para o palco discussões sobre o trabalho e seus desdobramentos sociais. Os espetáculos acontecem no teatro da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, com entrada grátis.

Nesta sexta, dia 11, o primeiro espetáculo, Ópera Febril, vem de São José dos Campos (SP) com a Cia. do Trailer. Aprofundando os experimentos em teatro documentário, associados ao interesse de debater as condições sociohistóricas da cidade de São José dos Campos em sua interconexão com as estruturas sociais, o grupo investigou o desenvolvimento naquela cidade da Tecelagem Parahyba, a partir das condições dos trabalhadores. Para tanto, leituras filosóficas, como as do filósofo coreano radicado na Alemanha Byung Chul-Han sobre a sociedade contemporânea, promovem um pano de fundo para a discussão performática e documental que enlaçam o local e o global, o passado e o presente, e a permanente exploração dos trabalhadores.

Ópera Febril mergulha na essência do trabalho, desde a sociedade fabril até os dias atuais, explorando suas nuances e desafios contemporâneos. A encenação transporta o público por dois momentos cruciais na evolução da exploração do trabalho.

Pessoas num palco em que uma carta manuscrita está projetada na parede.
Cena de Ópera Febril – Foto: Letícia Ferreira/Divulgação/Tusp

Primeiro, o público é levado ao cerne da fábrica, uma instituição que simboliza condições de trabalho dúbias, com alta demanda de produtividade e poucas seguridades, além de um sistema opressivo. Em outro momento, questiona-se a ideia dissimuladamente libertária do “patrão de si mesmo”, em que a voz interna do trabalhador o persuade a se entregar totalmente ao trabalho, sacrificando seu bem mais precioso: o tempo.

No sábado, dia 12, será exibida a peça Três Pratos de Trigo para Três Palhaces Tristes, da Trupe Tópatu de São Carlos. A peça não utiliza palavras e, por meio de uma trilha sonora original, criada por Alexandre Scarpelli, as três figuras tristes vivem em um local empoeirado e envelhecido, materializado pelo cenário e adereços de Anny Lemmos e figurinos de Daniele Busatto. Com dramaturgia de Bruno Garbuio, a peça tem como referências o psicodrama Palhaços, de Timochenco Wehbi, de onde veio a inspiração para o local do drama, os bastidores de um circo. As ideias de exaustão, desempenho e cansaço foram inspiradoras para as imagens dramatúrgicas e vieram do ensaio A Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han. Já a ideia de ausência do ócio e da fantasia na sociedade contemporânea – devido à experiência temporal ditada pelo neoliberalismo – vieram da obra O Tempo e o Cão – A Atualidade das Depressões, da psicanalista Maria Rita Kehl.

Em Três Pratos de Trigo para Três Palhaces Tristes, a Trupe Tópatu buscou experimentar a palhaçaria na contramão da ideia comum do chiste, daquela figura cômica por excelência que se envolve em situações sem lógica ou bobas. Essa não é uma peça que busca ser divertida. O riso acaba sendo uma consequência de outra ordem que não a da piada ou gag de palhaçaria.

Homem deitado lendo um livro.
Cena de Sacarose – Foto: Divulgação/Tusp

Fechando a programação, no domingo, dia 13, será apresentada Sacarose, solo de Edu Rosa, que, com o tema do açúcar, constitui um cruzamento entre as memórias pessoais de Rosa e as memórias históricas do Brasil. O artista é oriundo de uma família de migrantes nordestinos que vieram para o interior paulista para trabalhar nas usinas açucareiras da região. Durante sua infância e adolescência, ele testemunhou os abusos trabalhistas estabelecidos entre as usinas e seus familiares, ex-boias-frias. A peça opera no limite entre realidade e ficção, fazendo uso de depoimentos dos familiares do artista, em contraste à figura de um narrador que busca trazer para a cena a discussão sobre vestígios de passado colonial que se mantém em vigência no tempo presente. Rosa, que testemunhou durante sua infância e adolescência a experiência de sua família no corte de cana-de-açúcar, percorre junto ao público as inquietações que o conduziram durante o processo criativo da peça: “Sacarose é açúcar. Quando eu penso em açúcar, penso em abusos trabalhistas”, diz ele.

Na peça, Rosa associa esses abusos às condições degradantes do trabalho escravo e os define como “restos mal elaborados do nosso passado”. Com essa premissa, ele traça um paralelo entre a história da cana no Brasil e sua história pessoal. Com isso, busca colocar em cena um olhar para uma das maiores contradições da sociedade brasileira, simbolizada por essa planta que gerou grande progresso e foi o canal para o Brasil se tornar o maior mercado de escravizados do mundo, como Rosa destaca.

21º Circuito Tusp de Teatro é realizado graças a uma parceria entre o Tusp, a Prefeitura do Campus da USP de Bauru (PUSP-B) e a FOB.

21º Circuito Tusp de Teatro acontece nesta sexta-feira, sábado e domingo, dias 11, 12 e 13, sempre às 19 horas, no Teatro Universitário da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP (Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75, Cidade Universitária, em Bauru). A entrada é grátis, mas pede-se a doação de um litro de leite, que será destinado a organizações assistenciais de Bauru e região. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (14) 3235-8394.

Fonte: Jornal da USP / Luís Victorelli, de Bauru

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