Em trabalho premiado, Huri Paz, da FFLCH, verificou que 94 políticos foram executados no Rio entre 1988 e 2022; a violência afasta minorias sociais do cenário político, por serem as principais vítimas
Em 2018, o Brasil inteiro ouviu falar de Marielle Franco, vereadora e ativista assassinada no Rio de Janeiro. Seu caso tornou-se um símbolo da violência política brasileira, mas ela não foi a única: 94 políticos foram executados no Rio de Janeiro entre 1988 e 2022. O dado foi verificado por Huri Paz, mestre em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O pesquisador afirma que a crescente violência afasta mulheres, negros, indígenas e quilombolas do cenário político, por serem as principais vítimas.
“Aos sete anos, eu me mudei para Magé, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Conforme fui crescendo e me engajando politicamente, percebi que eu estava em um município muito violento”, relata Paz. Em 2018, ele fazia iniciação científica quando a morte de Marielle chocou os brasileiros, e percebeu que cada jornal que noticiava o crime divulgava um número diferente de políticos assassinados na história do Rio. Parecia não existir um relatório definitivo, então Paz passou a investigar o acervo de jornais disponíveis na Biblioteca Nacional, além dos conteúdos de jornais on-line.
Agora, com os dados e números em mãos, o pesquisador está se dedicando a fazer uma análise interseccional do contexto desses assassinatos, das áreas em que mais ocorrem e das principais vítimas. Paz constatou que Magé foi o município com maior número de mortes no período estudado, e que, do total de 94 execuções, apenas quatro foram de mulheres – todas negras. Esse dado pode dar a falsa impressão de que as mulheres não são vítimas prioritárias desse fenômeno, mas o pesquisador explica que, na verdade, isso está relacionado à representação feminina escassa na política – ele destaca que, atualmente, Magé não tem nem uma mulher na câmara.
“As mulheres já enfrentam dificuldades no acesso à representação política, e esse ambiente de violência também pode representar um entrave para o próprio desejo que elas têm de entrar para a política”, afirma Paz.
Lídia Menezes
No artigo, Paz analisou a trajetória de Lídia Menezes, mulher negra que foi empregada doméstica durante toda sua vida e, em 2001, foi eleita vice-prefeita de Magé. Ela e sua companheira de chapa foram as primeiras mulheres eleitas prefeitas na história do município. Um ano depois de tomar posse, Lídia foi assassinada e seu corpo foi encontrado carbonizado e com tiros na cabeça em um carro.
O pesquisador relata que não encontrou muitas informações a respeito da vítima: apenas poucas notícias relacionadas à sua eleição e, mais tarde, à sua execução. Para conhecer melhor a história de Lídia, de sua campanha política, de suas origens e de suas aspirações – e, assim, denunciar a questão da violência no Rio de Janeiro –, Paz recorreu aos familiares dela. Seus relatos ainda são poucos, pelo medo e pelo trauma de falar sobre o assassinato.
Marielle Franco
Enquanto poucos conhecem Lídia Menezes, a maioria já ouviu falar de Marielle Franco. O autor opina que seu caso tornou-se emblemático da violência política no Brasil porque, além de ser engajada nas redes e de estar inserida em um partido de grande articulação com o debate público, Marielle tinha confronto direto com grupos milicianos da zona oeste do Rio de Janeiro.
“Muitas mulheres, pessoas negras, pessoas indígenas e quilombolas trazem pautas que desafiam o reacionarismo e os ideais conservadores, como Marielle. Mas, infelizmente, a violência acaba afastando essas pessoas da política, pois elas são os principais alvos”, conclui Paz.
Sobre o Prêmio Luiza Bairros
Com o artigo Assassinatos de políticos no Rio de Janeiro (1988-2022): uma análise interseccional, Huri Paz foi contemplado pela terceira edição do Prêmio Luiza Bairros da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). A premiação é destinada a autores negros e indígenas e visa incentivar a produção científica no país em temas e questões ligados a relações étnico-raciais, racismo, desigualdades raciais e interseccionalidades, tanto sob perspectivas teóricas quanto empíricas.
Com informações da ANPOCS
*Da Assessoria de Comunicação da FFLCH