A proposta orçamentária do Governo Lula para 2026, contida no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), reforça uma estratégia fiscal que impõe sacrifícios à classe trabalhadora em nome da responsabilidade fiscal, ao mesmo tempo em que preserva privilégios da elite do funcionalismo público. Dados oficiais revelam a expansão desproporcional dos gastos com regimes previdenciários privilegiados, contrastando com a contenção do salário mínimo e dos benefícios sociais atrelados a ele.

A proposta de reajuste do salário mínimo para R$ 1.630 em 2026 representa um aumento nominal de 7,37% em relação ao valor atual (R$ 1.518), mas seu “ganho real” está artificialmente limitado a 2,5%, inferior ao crescimento efetivo do PIB de dois anos antes (3,4%). Esta limitação decorre da imposição do arcabouço fiscal, que vincula a expansão dos gastos à regra de resultado primário, convertendo o salário mínimo em um instrumento de contenção orçamentária, não de promoção social.
A indexação do mínimo a benefícios como aposentadorias, BPC, seguro-desemprego e abono salarial faz com que cada reajuste represente uma elevação automática das despesas obrigatórias. No entanto, o governo adota a postura de penalizar justamente essa base, enquanto os salários do alto funcionalismo seguem blindados por normas que permitem ganhos superiores ao teto constitucional.
Tabela comparativa dos déficits previdenciários
Regime Previdenciário | Déficit (2023 – R$ bilhões) | Participação no Déficit Total (%) | Cobertura por Contribuições (%) |
---|---|---|---|
RGPS (setor privado) | 315,7 | 73,7% | 74,9% (urbano) / 6,4% (rural) |
RPPS (servidores civis federais) | 54,8 | 12,8% | 44,8% |
SPSMFA (militares das Forças Armadas) | 49,7 | 11,6% | 12,9% |
FCDF (Segurança Pública – DF) | 8,0 | 1,9% | Dados não disponíveis |
Total Geral | 428,2 | 100% | — |
Fonte: Tribunal de Contas da União (TCU), Contas do Presidente 2023.
Desigualdade no tratamento fiscal evidencia política regressiva
Enquanto o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende aos trabalhadores da iniciativa privada, é em grande parte autofinanciado, regimes especiais como o RPPS e o SPSMFA — que contemplam servidores civis de alto escalão e militares — continuam drenando recursos públicos com baixa contrapartida contributiva. No caso dos militares, por exemplo, apenas 12,9% das despesas são cobertas por contribuições, contra 74,9% no regime urbano do RGPS.
Essa estrutura desigual é agravada pelo fato de que magistrados, membros do Ministério Público, altos cargos do Executivo e Legislativo continuam recebendo salários superiores a R$ 40 mil mensais, acrescidos de benefícios, auxílios e verbas indenizatórias, muitas vezes fora do alcance das regras do teto constitucional. Tais rendas têm baixo impacto multiplicador na economia real, pois são direcionadas ao setor financeiro e não fomentam o consumo produtivo interno.
Política fiscal fragiliza crescimento econômico e aprofunda estagflação
A proposta do PLDO 2026 revela uma política de “ajuste sem reformas”, com previsão de superávit primário de R$ 34,3 bilhões (0,25% do PIB), mas com margem de tolerância para resultado nulo, o que evidencia uma tentativa de flexibilização fiscal disfarçada de responsabilidade. Tal prática projeta superávits crescentes até 2029, mas sem fundamentação econômica sólida, em um cenário de produtividade estagnada, consumo desaquecido e baixa confiança empresarial.
Essa postura contribui para manter o país em um quadro de estagflação, com crescimento abaixo do necessário para absorver a força de trabalho, combinado à inflação de custos e ao controle aparente de preços por retração da demanda, não por ganho de eficiência.
Cortes sociais atingem base da pirâmide
O pente-fino anunciado pelo governo sobre benefícios sociais e previdenciários visa economizar R$ 50,8 bilhões até 2029 — sendo R$ 16,4 bilhões só do INSS —, ao passo que o gasto com previdência aumentará R$ 360,2 bilhões no mesmo período. Ou seja, a economia projetada equivale a apenas 4,5% do crescimento estimado das despesas com benefícios. Em vez de rever subsídios setoriais ineficientes e supersalários, o governo prioriza cortes em programas como BPC, Proagro e seguro-desemprego, penalizando idosos, pessoas com deficiência e pequenos agricultores.
Lógica regressiva e elitista
A política econômica do Governo Lula, ao adotar critérios fiscais rígidos para os trabalhadores da base e, simultaneamente, manter intactos os privilégios do topo do funcionalismo, reproduz uma lógica regressiva e elitista, em total dissonância com o discurso de justiça social. O PLDO 2026 escancara a incapacidade do governo de promover reformas estruturais que enfrentem as verdadeiras causas do desequilíbrio orçamentário, optando por adiar decisões impopulares às custas da base trabalhadora.
Fonte: Jornal Grande Bahia / Foto: Reprodução