Aniversário começou a ser celebrado no sábado com encontro literário
Considerada a maior poetisa viva do Brasil e uma das escritoras mais importantes da literatura nacional, a mineira Adélia Prado completa 88 anos nesta quarta-feira (13). E é escrevendo que ela celebra seu aniversário. Após um período que apelidou de “deserto criativo” – e que surgiu após o lançamento de seu último livro, Miserere, de 2013 – a poeta voltou a escrever e se dedica a uma nova obra, com título provisório de O Jardim das Oliveiras, ainda sem data de lançamento.
O aniversário começou a ser celebrado no último sábado (9), quando Adélia foi homenageada com um encontro literário promovido pela Fundação Maria Luísa e Oscar Americano, em São Paulo. O encontro apresentou um panorama profundo sobre a vida e a obra da autora. “Sua fortuna crítica não pára de crescer, quase ultrapassou uma centena de teses universitárias, ganhou os palcos e rompeu as fronteiras da língua”, disse Augusto Massi, professor de literatura brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e um dos conferencistas do evento.
Múltipla, como sua poesia, Adélia Prado é professora, contista, poeta, escritora e filósofa. E é com sua obra que ela vai vencendo o tempo, tornando-se eterna, assim como ela mesma descreveu em seu poema A Esfinge. “Não quero contar histórias, porque história é excremento do tempo. Queria dizer-lhes é que somos eternos, eu, Ofélia e os manacás”.
Nascida em 1935 na cidade mineira de Divinópolis, foi ainda menina que se encontrou com as palavras e começou a escrever os primeiros versos. Mas foi só aos 40 anos de idade, já casada e com cinco filhos, que passou a se dedicar à carreira de escritora, com aprovação do também poeta Carlos Drummond de Andrade. Aliás, foi ele que enviou os primeiros escritos de Adélia para publicação na Editora Imago, sob o nome de Bagagem, sua coletânea de poesias mais celebrada e reeditada.
“A gente sempre viu, desde criança, o interesse dela [pela escrita]. A casa tinha esse ar, essa atmosfera de livros, de pintores, de música. Eu sabia que ela escrevia. E ela lia para a gente”, contou a diretora e atriz Ana Prado, filha caçula de Adélia.
“Naquela época eu tinha uns dez anos e, para mim, era tudo muito incrível e divertido. E a felicidade com que ela ficou ao receber a primeira carta do Drummond elogiando seu primeiro livro, a alegria dela foi como se um sol se abrisse dentro de casa”, recordou Ana em entrevista à Agência Brasil.
Depois da publicação de Bagagem, vieram outros como O Coração Disparado [vencedor do prêmio Jabuti em 1978], O Pelicano e Vida Doida. Também surgiram livros em prosa e infantil e, em consequência, muitos prêmios e homenagens. Em 2020, por exemplo, Adélia Prado foi homenageada com o Prêmio Jabuti. Prêmios que, muitas vezes, recebia e colocava no banheiro. “Ela tinha uma capacidade de compreensão de seu próprio limite. Quando começou a ganhar alguns prêmios, sempre os colocava dentro do banheiro, dizendo: ‘isso é só para a gente dar uma lembrada da dimensão’. Eu rio muito, mas essa é uma volta para o limite, para a pequenez de tudo”.
“Na condição de filha, tenho um orgulho gigantesco e o privilégio de acompanhar, de pertinho, essa trajetória. Acho que talvez ela seja a pessoa mais coerente que conheço, que tentou aliar todo o seu processo criativo a uma vida particular. A beleza que conseguiu perceber no mundo, de maneira tão peculiar, ela levou também para a nossa família”, destacou Ana.
Vanguardista
Conhecida principalmente por falar sobre sexo, religião e morte – temas que formam o tripé de sua obra, segundo suas próprias palavras – Adélia presenteou a literatura com poemas sobre o cotidiano e a condição da mulher. “Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, essa espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir”, são os versos que escreveu em Com licença poética, poesia que ilustra seu primeiro livro.
Foi escrevendo sobre mulheres comuns que Adélia Prado se colocou na vanguarda da cultura brasileira. “Ela é uma mulher, do interior, dona de casa, religiosa. Mas, desde muito cedo, se envolveu politicamente, inclusive na vida da cidade. Trabalhou por um tempo na Secretaria de Cultura da cidade. Na época da ditadura, se envolveu em greves. E essa é uma história que pouca gente sabe ou não chega ao interesse das pessoas. Mas a gente sempre viu a movimentação dela nessa direção. Ela fala sobre feminismo e, às vezes, é muito mal interpretada. Mas acho que sempre foi à frente do seu tempo: teve um casamento completamente fora do padrão, ainda que tenha se casado com um homem do interior e de família tradicional. Ela teve um casamento muito livre, tendo liberdade para exercer sua profissão. Em vários aspectos, viveu as pautas do feminismo e as pautas políticas em que sempre acreditou: só não era e nunca foi uma ativista”, disse Ana.
“Mas a vida dela sempre foi de posicionamentos firmes. Tenho muito orgulho disso e acho que ela foi muito valente, muito brava e muito corajosa, inclusive para não assumir determinadas posições de um ativismo que ela achava que poderia resultar em alguma coisa em que não acreditasse”, completou.
Esse estar sempre à frente do seu tempo a transformou também em um fenômeno pop, algo incomum para escritores, principalmente de poesia. “É muito difícil mesmo você encontrar esse tipo de leitor [de poesias], mas diante de toda essa dificuldade, ela conseguiu atravessar vários portais de dificuldades e fez esse sucesso pop. As pessoas vão a uma palestra dela como quem vai ver um ídolo pop. Acho que foi muito importante ela atravessar essas barreiras e fazer a poesia entrar em lugares que eram ainda muito escuros. Ela iluminou vários nichos que antes não tinham acesso a esse tipo de literatura”, lembrou a filha.
Deserto criativo
Como poeta que reflete sobre o cotidiano, Adélia escreve não só sobre o sexo e o amor, mas também sobre a dor. Em 2014, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, ela falou sobre o sofrimento. “Não há uma pessoa que passe a vida sem sofrer. Acho o sofrimento importantíssimo porque ele é condição de consciência, de mais consciência. Uma pessoa que não sofre é um fenômeno e precisa ser observada”, disse ela, na ocasião. “Acho que uma das coisas mais importantes na vida de alguém é encarar o sofrimento”, completou.
Um desses sofrimentos chegou a ela logo após escrever Miserere. Nesse período, enfrentou o que chama de “deserto criativo” e que só foi vencido recentemente, quase dez anos depois, quando começou a escrever seu novo livro. “Ela falou que estava atravessando o deserto. E não há dor maior do que essa, de perder o acesso à poesia”, contou a filha.
Após atravessar essa aridez, a ideia para o novo livro acabou surgindo de forma inesperada. “Ela estava se questionando: ‘meu Deus, será que encerrou [não vou mais escrever?]. Mas, num movimento em casa, acabou achando em gavetas textos muito antigos, coisas que ela escreveu aos 20, 30 anos. E alguns poemas também. Achamos um tesouro. E foi um gatilho incrível porque ela disse; ‘meu Deus, eu estava vivendo exatamente aos 20 anos o drama que estou vivendo aos 80’. E isso foi um tiro para o livro que começou a escrever. Ela está mais frágil de saúde, com dificuldades de ordem física, mas nesse processo incrível [de escrita] do novo livro”, comentou Ana.
Se a saúde está mais frágil, não se pode dizer o mesmo sobre a disposição de Adélia. Ao mesmo tempo em que escreve sua nova obra, a poeta se dedica a uma nova forma para se comunicar com seu público: as redes sociais. Nos últimos meses, surgiu a ideia de criar uma página para que ela pudesse recitar seus poemas. A rede social é abastecida de acordo com o tempo da escritora. “As pílulas vão ser no tempo dela porque passa tudo por sua aprovação. Não tem aquele ritmo acelerado, mas é uma página que está muito bonita e é um espaço que a deixou muito feliz, um canto em que vai poder falar poesia ou sobre poesia”.
Para os muitos fãs de Adélia Prado e que querem matar a saudade de ouvi-la falar sobre poesia ou recitá-las, a poeta está agora no Instagram sob o nome @euadeliaprado.
Edição: Graça Adjuto
Fonte: Agência Brasil