Em abril, setor industrial registrou queda maior do que a esperada
Mudanças na percepção fiscal e a incerteza do mercado acerca das novas manobras do governo para equilibrar as contas públicas contribuem com a escalada do dólar e potencializam impactos ao setor da indústria no Brasil, analisa representante do setor .
Dessa forma, a situação atual da equipe econômica ao lidar com as receitas e despesas do Estado podem encarecer os custos e retirar até R$ 100 bilhões do segmento industrial. Essa é a avaliação de Flávio Roscoe, presidente do Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
A produção do setor industrial brasileiro iniciou o segundo trimestre com queda maior do que a esperada em abril interrompendo dois meses de altas seguidas — um recuo de 0,5% na comparação com o mês anterior, segundo dados divulgados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O atual quadro do governo é uma situação fiscal complexa, em que há déficit nas contas. O problema na nossa percepção é que não se discute corte de despesas. O governo a todo momento faz propostas de aumento de tributo e isso recai sobre o cidadão”, avaliou Roscoe.
Em abril, o setor público consolidado chegou a registrar um superávit de R$ 6,7 bilhões. Contudo, o resultado foi o pior para o mês em quatro anos e representou alta na margem de 12 meses ante março, a R$ 266,5 bilhões (o equivalente a 2,4% PIB).
Ele ainda ressaltou que uma das barreiras ao setor industrial são o custo Brasil — ou seja, questões estruturais e econômicas que influenciam negativamente os negócios — e, portanto, cria uma dificuldade em manter a competitividade em relação a outros players que possuem em seu país incentivos mais favoráveis à produção.
Além disso, o presidente da Fiemg indica que existe um descompasso entre o discurso do governo sobre a valorização da indústria e a prática. “O discurso tem que conciliar com a prática e isso não tá acontecendo”, disse ele.
Mudanças na política fiscal
Uma das mudanças recentes nesse cenário é o novo arcabouço fiscal, vigente desde o ano passado, que substituiu o teto de gastos e faz com a despesa cresça 70% da receita, vinculando a saúde a educação, em vez de realizar correção pela inflação.
Ações como a Medida Provisória (MP) 1.227/2024, que gerou críticas de parlamentares e setores da economia, é vista também como um fator que contribui na tendência de queda dos indicadores macroeconômicos e na redução do nível da atividade econômica.
Roscoe também lembra a “taxação das blusinhas”, outra polêmica que influencia a perspectiva fiscal e a segurança econômica do país.
“Estão saindo do Brasil R$ 100 bilhões por ano em compras de site internacional sem tributação. Isso fere quem? O comércio e a indústria local. Ora, se vamos incentivar alguém, se não pode cobrar impostos, que não cobre sobre o nacional (…) parece pouco, mas é quase que todo [investimento para] o Bolsa Família”, disse Roscoe.
Já Marcus Pestana, diretor-executivo do Instituição Fiscal Independente (IFI), apontou a política de valorização do salário mínimo como outro componente que distancia o equilíbrio das finanças, ao aumentar o peso das despesas à medida que aumenta a arrecadação.
“Quando o governo determina um aumento de impostos, ele encarece o custo das empresas e elas repassam para o consumidor”, analisou Pestana, comparando a carga tributária brasileira — baixa em relação aos países europeus e alta quando comparada aos seus pares emergentes.
Dólar forte impacta indústria brasileira
Seja pelo debate da MP, a agenda do ministro da Fazenda ou a contenção de gastos a fim de atingir a meta fiscal estabelecida pelo governo, o mercado tem sentido uma deterioração financeira, com juros futuros e bolsa avançando no vermelho.
Essa é a perspectiva de Guilherme Tinoco, pesquisador associado do FGV/Ibre, indicando que esse cenário impacta a economia com um aumento do câmbio e a inflação impossibilitando o ciclo de afrouxamento monetário pelo Copom.
Com as incertezas sobre as contas do governo, cresce a desconfiança e o risco, o que por sua vez influencia a desancoragem das expectativas de inflação.
E tudo isso impacta a indústria, a qual por um lado pode se beneficiar de um dólar mais forte, mas que ainda importa insumos cotados em moeda estrangeira, disse o especialista da FGV/Ibre.
Reforma tributária pode ser solução
Pode ainda existir uma saída: a reforma tributária. Segundo Tinoco, “a indústria tende a ser uma das mais beneficiadas com a reforma pela implicação e facilidade para recuperar os créditos”.
“Mas, existem outros fatores que atrapalham, como a carga tributária elevada e a infraestrutura. Se essas questões forem trabalhadas no futuro, pode ter coisas boas”, pontuou o especialista.
*Sob supervisão de Guilherme Niero / Foto: Atividade industrial no BrasilMariangela Ctr