- Alex Christian
- Role,BBC Worklife
- Há 2 horas
- Sabado, 17 de fevereiro de 2024
Um dia consideradas o ápice da carreira na área, as vagas nas chamadas Big Techs (gigantes da tecnologia) têm perdido o brilho. Demissões em massa e cortes de gastos têm levado funcionários das gigantes da tecnologia a repensar seus próximos passos.
Michael conta que começou na empresa em que hoje trabalha na primavera de 2021 querendo se provar ao lado dos melhores engenheiros de software do mundo.
“Eles fazem alguns projetos muito complexos. Quando você se junta a eles, você supostamente está se juntando aos melhores. Você sente que está trabalhando em um lugar que aumenta o valor da sua marca como pessoa”, diz.
Inicialmente, tudo correu bem. Michael diz que conseguiu trabalhar em projetos de alto impacto, mostrando seu valor para desenvolvedores seniores. Os benefícios também ajudavam.
“Era uma Big Tech típica, que oferecia enormes benefícios, com um ótimo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, diz ele. “Em comparação com meus empregadores anteriores, era uma maravilha: tinha comida gratuita, verba de bem-estar e seguro de saúde. E as pessoas eram incríveis – era um ambiente de trabalho agradável, embora às vezes parecesse uma seita.”
Mas o primeiro sinal de que algo começava a mudar veio em março de 2022. Em meio à desaceleração econômica, o serviço de lavanderia gratuito foi retirado. Logo vieram mais cortes – o horário dos jantares para os trabalhadores que estavam no final do horário mudou e passou a conflitar com o último transporte gratuito saindo do campus de Nova York.
Assim, os funcionários passaram a ter que escolher entre jantar ou ganhar carona para casa. “As pessoas reclamaram – especialmente os mais jovens. Era um ambiente de muito mimo.”
Meses depois, cortes nos benefícios foram seguidos por cortes de funcionários – Michael foi um dos 11 mil funcionários demitidos em novembro daquele ano, em meio a uma desaceleração mais ampla do setor de tecnologia.
Seu próximo passo foi deixar o universo das gigantes da tecnologia completamente. Ele agora trabalha em finanças, em um grande banco de investimento. É um trabalho que ainda oferece projetos interessantes, diz Michael, e ele sente que tem uma segurança de emprego maior.
“Se você tivesse me perguntado antes, eu teria dito que trabalharia para outra empresa das cinco gigantes em seguida. Mas há todo um mundo fora da Big Tech.”
Até pouco tempo, vagas em tecnologia – especialmente entre os principais nomes como Meta (dona do Facebook e Whatsapp), Alphabet (grupos de empresas do Google) e Amazon – estavam entre os empregos mais desejáveis disponíveis, oferecendo aos candidatos salários de seis dígitos, benefícios luxuosos e a perspectiva de estar na vanguarda da inovação.
Mas desde o verão de 2022 o setor está cheio de cortes, demissões e incertezas. Em alguns casos, as empresas também restringiram o trabalho remoto, tornando o retorno ao escritório uma questão disciplinar.
Uma recuperação parece distante. De acordo com o site que analisa a indústria Layoffs.fyi, 23.670 trabalhadores foram demitidos em 85 empresas de tecnologia apenas em janeiro de 2024, incluindo Microsoft, Amazon, eBay e Google. E alguns trabalhadores estão começando a procurar empregos fora do setor em que um dia já competiram para fazer parte.
‘A tecnologia era o lugar para se estar’
Antes das demissões, as empresas de tecnologia eram mais conhecidas por uma cultura de oferecer aos funcionários benefícios gratuitos e comodidades premium em escritórios de alto nível.
Comida no escritório, academia, salas de jogos e de meditação eram uma forma de manter os trabalhadores no local pelo maior tempo possível. Mas também funcionavam como meio de atrair talentos.
Scott Dobroski, especialista em tendências de carreira da Indeed, em São Francisco, diz que os candidatos, especialmente em tecnologia, conectam-se com a marca do empregador e a cultura da empresa.
Isso mudou após a pandemia. À medida que a economia vacilou na primavera de 2022, o aumento da inflação e das taxas de juros restringiu o crescimento das empresas. Isso inicialmente levou a congelamentos de contratações e, em seguida, a demissões em todo o setor no final de 2022, que seguem acontecendo.
“A pandemia de covid-19 foi um acontecimento único que mudou a trajetória das empresas, superestimando a demanda e as contratações”, diz Dobroski. “Depois de sair muito forte em 2021, as empresas de tecnologia tiveram que, de repente, recuar no recrutamento.”
Consequentemente, o setor de tecnologia tornou-se menos desejável para muitos trabalhadores. De acordo com os Melhores Empregos do Indeed de 2024. Medido por salário, flexibilidade e crescimento, apenas três em seu top 25 são funções de tecnologia, contra 11 da edição de 2023.
“Embora os empregos de tecnologia continuem oferecendo altos salários e níveis acima da média de trabalho flexível, eles caíram significativamente em termos de crescimento”, diz Dobroski.
“Candidatos normalmente querem se juntar a empresas que estão florescendo, nas quais sentem que podem crescer. Mas quando as demissões são anunciadas, isso não apenas reduz as oportunidades de mudança no mercado de trabalho – prejudica a reputação dos empregadores e sinaliza incerteza.”
Não é apenas quem está em busca de um emprego que se afasta. Aqueles que atualmente trabalham no setor relatam desencantamento.
Alessandra trabalha para uma empresa da tecnologia blockchain em Londres. Ela diz que escolheu o setor após entrar pela primeira vez na sede de seu empregador como estagiária. “Fiquei impressionada com o escritório – fez parecer que a tecnologia era o lugar para se estar. A natureza rápida e inovadora foi o que mais chamou minha atenção: como se eu pudesse fazer parte de algo novo.”
Como muitas no setor, a empresa de Alessandra foi afetada pela desaceleração da tecnologia. Em fevereiro de 2023, um dos produtos de blockchain deixou de ser oferecido. As demissões continuaram desde então – sua equipe já foi reduzida em cinco vezes. Os funcionários também são obrigados a ir ao escritório três dias por semana, ou lidar com as consequências. “Meu dia alterna entre ser super intenso, quando parece que as coisas estão ‘decolando’, e longos períodos de não fazer absolutamente nada”, diz ela.
Sua desilusão se estende para além de sua empresa e da própria indústria. “Aparentemente, é uma questão de sorte em qualquer parte da tecnologia em que você caia. No momento, a IA está decolando, então todos os outros sentem que estão sendo deixados para trás. Não é apenas a minha empresa: o mercado não sabe o que precisa fazer para ter sucesso, ou para onde está indo. Eu não me sinto mais inspirada, ou com aquela animação de quando entrei no escritório pela primeira vez.”
‘Os dias de glória voltarão’
Dobroski acredita que a empolgação com os empregos no setor de tecnologia só retornará quando a economia se recuperar totalmente, as demissões terminarem e as empresas retomarem a contratação em massa.
Até lá, apenas certos papéis permanecem cobiçados. “A história já mostrou que, quando há crescimento de emprego, esse é o sinal de que há oportunidades para candidatos”, diz ele. “Por hora, existem áreas dentro da indústria que ainda são muito atraentes para talentos de tecnologia, como equipes de IA entre Big Tech e start-ups.”
Embora ele tenha deixado a indústria, Michael diz que ainda trabalharia para uma empresa de Big Tech no futuro. “Os benefícios são ótimos, e você é levado a trabalhar em grandes problemas que um dia pode apontar e dizer: ‘eu desenvolvi isso’. Os dias de glória voltarão: alguns anos após a desaceleração econômica e voltaremos a 2021. Talentos da tecnologia sempre serão escassos.”
Mas, por enquanto, muitos trabalhadores de tecnologia estão começando a buscar vagas em outros lugares. “A maioria dos meus colegas sente o mesmo: estamos trabalhando para algo que não vai a lugar algum”, diz Alessandra. “E depois de ver tantos colegas próximos serem demitidos de repente ou pedirem demissão, perdemos a fé no que estamos tentando alcançar. A maioria de nós está planejando a estratégia de saída da empresa – e alguns até mesmo da indústria.”
Fonte: BBC/
GETTY IMAGESLegenda da foto, Os primeiros sinais de desaceleração surgiram em março de 2022, com o aumento da inflação e das taxas de juros restringindo o crescimento das empresas