- David Cox
- Role,BBC Future
- Quinta, 22 de fevereiro de 2024
O diagnóstico de câncer do rei Charles 3º repercutiu em todo o mundo, a começar pelo anúncio incomumente sincero feito pelo Palácio de Buckingham.
O rei tem 75 anos e muitos especialistas aproveitaram a oportunidade para aumentar a conscientização sobre o maior risco de câncer enfrentado por pessoas idosas.
Há muito tempo se sabe que a marcha implacável do tempo é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de câncer.
O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos indica que a idade média de início do câncer é de 66 anos — e mais da metade dos novos casos de câncer no Reino Unido são diagnosticados em pessoas com 70 anos de idade ou mais.
Muitas razões explicam este fenômeno. A primeira e a mais simples é que, à medida que nossa idade avança, acumulamos progressivamente cada vez mais lesões ao DNA das nossas células, por uma série de fatores.
Algumas das causas mais comuns incluem a exposição aos raios ultravioleta, inflamações crônicas, poluição ambiental, fumo, consumo de álcool e infecções microbianas.
Mas, ao longo do tempo, nossas células perdem a eficiência para reparar essas lesões, o que gera acúmulo de mutações de DNA específicas nos tecidos. Quanto mais mutações se acumularem no nosso corpo, maior o risco de divisão celular descontrolada — o câncer.
“Basicamente, os mecanismos de reparo que poderiam evitar o início das mudanças que levam ao câncer entram em declínio quando envelhecemos”, explica Richard Siow, diretor de pesquisas do envelhecimento do King’s College de Londres.
“Quando ficamos mais velhos, os equilíbrios que mantêm a função celular normal começam a diminuir.”
Estudos também demonstraram que o acúmulo dessas mutações impede a capacidade das células imunológicas de suprimir e destruir as células cancerígenas.
Masashi Narita, que pesquisa o câncer e o envelhecimento na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, indica um processo molecular particularmente conhecido, chamado p53.
Este processo está envolvido na supressão de tumores. Mas sua eficácia diminui com a idade, devido ao acúmulo de mutações no gene p53.
Quando ocorrem diversas mutações genéticas nas células-tronco do sangue, elas passam a induzir expansão progressiva do tamanho dessas células ao longo do tempo. Os biólogos chamam este processo de hematopoiese clonal.
Entre os jovens, ela ocorre muito raramente, mas é mais comum entre pessoas mais idosas e pode ter duas consequências importantes.
Uma é o aumento do risco dos diversos tipos de câncer no sangue. A outra é a alteração da função de várias células imunológicas, como monócitos, macrófagos e linfócitos, que são produzidos a partir das células-tronco do sangue.
Narita e seu grupo de pesquisa vêm realizando experiências com diversas mutações genéticas causadoras de câncer, que se tornam mais comuns com a idade. O objetivo é tentar entender o que acontece com o corpo humano.
“Nós pegamos um desses genes, introduzimos em um animal adulto e examinamos o que acontece em nível celular”, explica ele.
O pesquisador e sua equipe já concluíram que isso parece acionar um aumento da senescência celular, que ocorre quando células velhas e lesionadas param de se dividir e crescer.
O acúmulo excessivo de células senescentes pode modular o ambiente à sua volta em diversas formas prejudiciais, acionando inflamações crônicas que podem causar lesões adicionais e aumentar a propensão ao câncer.
Mas esses processos são apenas uma pequena amostra das formas em que o envelhecimento pode aumentar o risco de câncer. Começam a surgir outras teorias mais recentes, que são ainda mais estranhas e brutais.
Células que perdem a memória
Da mesma forma que a memória humana diminui com a idade e nos deixa cada vez mais esquecidos e propensos a lapsos, alguns biólogos que estudam o câncer suspeitam que as células individuais também possam perder sua memória ao longo do tempo, esquecendo como se comportar corretamente.
O epigeneticista Luca Magnani, do Instituto de Pesquisa do Câncer, no Reino Unido, afirma que esta é uma teoria em estudo sobre o câncer de mama, que pode ser causado pelas mudanças hormonais que começam na menopausa.
Segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês), oito em cada 10 casos de câncer de mama ocorrem em mulheres com mais de 50 anos de idade.
“Uma hipótese comum sendo formada neste campo é que essas células estão perdendo sua memória e começando a proliferar mesmo quando não deveriam”, explica Magnani.
Uma das possíveis causas, não só no caso de câncer de mama, mas em muitos outros tipos de câncer relacionados com a idade, é que, ao longo da vida, a transmissão de informações pelo nosso genoma fica menos estável.
É o resultado das chamadas modificações genéticas ou epigenéticas que atingem a atividade dos genes sem mudar a sequência de DNA.
“As informações são transmitidas com menos coerência e confiabilidade à medida que envelhecemos”, afirma o professor de oncologia e epigenética Andy Feinberg, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
“Existe mais ruído, o que gera mais aleatoriedade ou incerteza sobre o padrão de quais genes devem estar ligados e quais devem ser desligados”, explica o professor.
“Demonstrou-se que as partes do genoma que sofrem esse aumento de ruído são mais propensas a sofrer alterações carcinogênicas.”
Mas essas ideias também podem gerar formas completamente novas de lidar com o câncer.
Um dos campos mais ativos do desenvolvimento de drogas contra o câncer é o de moléculas pequenas que tentam combater os efeitos prejudiciais de mutações do processo p53 e restaurar suas funções normais de supressão de tumores.
Feinberg acredita que, quando entendermos melhor como a epigenética contribui para esse aumento do ruído e da aleatoriedade, poderemos ser capazes de encontrar formas de reverter essas alterações.
“O que nos incentiva é que as alterações epigenéticas, meio que por definição, são reversíveis”, segundo ele.
Os cientistas antienvelhecimento estão realizando atualmente testes clínicos em estágio inicial que exploram diversos coquetéis químicos que matam e removem seletivamente as células senescentes sem prejudicar tecidos saudáveis.
Conhecidos como senolíticos, eles incluem um antioxidante chamado fisetina, um extrato de sementes de uva chamado polifenol procianidina C1 e a droga dasatinibe, em combinação com outra substância química natural chamada quercetina.
Atualmente, alguns desses senolíticos estão sendo testados em indivíduos frágeis e idosos que já sobreviveram a algum outro câncer, para ver se eles conseguem aumentar sua função imunológica e sua saúde em geral. Se os testes forem bem sucedidos, eles podem ter aplicações mais amplas.
Richard Siow é otimista. Ele acredita que as pesquisas sobre novas opções de tratamento poderão reverter as alterações relacionadas com a idade e aumentar a expectativa de vida saudável das pessoas — o número de anos em que o ser humano permanece com saúde. E isso poderá fazer enorme diferença para a população ao longo dos anos.
“O objetivo também é reduzir os gastos financeiros com assistência médica”, explica ele.
“A infraestrutura de assistência ficará muito cara, pois as pessoas estão vivendo doentes por mais tempo.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: BBC / ALAMY