Por que professores e prefeitura de Salvador disputam R$ 247,8 milhões do Fundeb?

Bahia educação

Quinta, 06 de Janeiro de 2022 – 00:00

por Gabriel Lopes / Bruno Leite

Um montante de R$ 247,8 milhões está sendo alvo de disputa entre professores da rede municipal e a prefeitura de Salvador. O recurso, oriundo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), segundo a categoria, estaria nas contas do município no exercício de 2021 sem que qualquer quantia fosse executada. Versão que é negada pela Secretaria Municipal de Educação (SMED).

Os professores, representados pela APLB (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia), dizem que planilhas solicitadas junto ao órgão e analisadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) comprovam a situação. Eles pedem pedem o rateio da verba “residual” no pagamento dos vencimentos dos servidores da educação. 

“Essas planilhas nós encaminhamos para a análise. O Dieese fez a análise de todo esse exercício do Fundeb do exercício de 2021 e encontrou na verdade, de 2016 até agora, valores, um valor no montante de R$ 247,8 milhões que não foram usados até 2021. Valores que deveriam ter sido utilizados para a valorização dos servidores, dos trabalhadores da educação. Para a manutenção e desenvolvimento do ensino como prevê a lei”, disse Elza Melo, diretora da APLB Salvador.

Segundo o titular da SMED, Marcelo Oliveira, não há, em Salvador, essa situação. Ele explica que despesas não aconteceram, portanto, a quantia não foi direcionada. “Nesse ano de 2021 por conta da suspensão das aulas muitas das despesas da educação não aconteceram, uma boa parte delas não aconteceu porque não estava tendo aula. Então muito dos custos incorridos naturalmente com a operação das escolas não aconteceram. Na maioria dos dos municípios brasileiros sobrou dinheiro da reeducação – que você sabe que tem uma obrigação de ser aplicado, obrigação constitucional de aplicar portanto os recursos do Fundeb em determinados percentuais como da própria receita geral da prefeitura de tributos e arrecadação da prefeitura”, justificou.

PARA SECRETARIA, RATEIO É INVIÁVEL

Questionado sobre a alocação dos recursos, Marcelo Oliveira ressalta, dada a impossibilidade em se investir na área, uma vez que os custos de operação foram reduzidos, o dinheiro não utilizado foi destinado para “um programa arrojado de melhoria da estrutura física das escolas”. “Para você ter ideia, nesse momento temos 128 escolas sendo recuperadas, três escolas sendo construídas, além de mais duas que já tinhamos começado a construir 2020 e estamos concluindo agora em fevereiro”, defende o gestor, alegando investimentos feitos também em computadores para as Gerências Regionais de Educação (GREs) e unidades escolares.

Oliveira também afirma que o limite de utilização dos recursos do Fundeb para o pagamento de pessoal, previstos em lei, faz com que a prefeitura não possa destinar o dinheiro para os salários dos professores ou na concessão de vantagens aos profissionais. “Não, absolutamente não vai acontecer, não tem como acontecer porque nós cumprimos esse limite de aplicação de 70%”, pontuou.

Elza Melo, da APLB, diz que os dados da SMED estão desatualizados e que o valor restante nos cofres da prefeitura podem ser utilizados. “Então nós vamos ter uma reunião ainda, eles vão atualizar, vão nos apresentar o resultado e provavelmente pode ser que tenha resíduo, que eles não tenham utilizado o mínimo de 70% desta remuneração, se utilizou, não tem [rateio]. Se não utilizou, vai ter [rateio]”, disse.

MINISTÉRIO PÚBLICO E TCM PEDEM CAUTELA


Os órgãos de controle das contas públicas entendem que deve haver cautela quanto a destinação dos recursos do Fundeb para o pagamento de benefícios aos professores. 

O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA) emitiu, no último dia 30 de dezembro, uma recomendação reforçando o pedido. Na compreensão do Ministério Público de Contas, o alerta se dá “em relação ao pagamento aos professores de bonificação, abono, aumento de salário, atualização ou correção salarial para atingir o mínimo de 70% de gastos das verbas provenientes do Fundeb com remuneração dos profissionais da educação”. 

Apesar de haver precedentes legais, no documento, o TCM-BA observa que, por conta do cenário pandêmico, algumas condições devem ser levadas em consideração, a exemplo do veto, por força da Lei Complementar 173/2020, à “concessão, criação ou majoração de vantagens, aumentos, reajustes, bônus, abonos ou benefícios de qualquer natureza a servidores, salvo quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública”.

Também nesse sentido, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) divulgou uma nota em que trata sobre o possível rateio. O órgão disse que está analisando a situação e expedirá, em breve, orientação técnica para nortear a atuação dos promotores de Justiça. “Essas iniciativas [que solicitam o rateio] têm se baseado na recente Lei 14.276, publicada em 27 de dezembro de 2021, cujas alterações na Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020, que regulamenta o Fundo, aparentemente permitiriam a realização”.

De acordo com o texto do MP, devem ser consideradas na análise jurídica as vedações impostas pela Lei Complementar 173/2020, que estão válidas até 31 de dezembro deste ano. “Elas impedem a concessão, a servidores públicos, de quaisquer vantagens remuneratórias ou indenizatórias até aquela data e que impliquem em aumento de despesas, notadamente aquelas de caráter continuado, como parece ser o caso”. 

O MP sugere que seja avaliado o impacto da medida nos orçamentos municipais durante os próximos anos e ressaltou a posição contrária da União dos Municípios da Bahia (UPB) e o posicionamento do TCM acerca do tema.

“Neste sentido, o MP ressalta a importância dos gestores municipais tratarem a questão com a necessária cautela, solicitando das suas Procuradorias Jurídicas estudos de adequação dessas ações com a totalidade do ordenamento jurídico, sobretudo com as vedações da Lei Complementar 173/2020 e com os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse o parquet.

O FUNDEB EM TODO O BRASIL


Em todo o Brasil, cerca de R$ 469,963 bilhões foram arrecadados para o Fundeb através da contribuição de estados e municípios. Com a complementação da União, de cerca de R$ 159,523 bilhões por meio do cálculo Valor Aluno-Ano (VAAF), as receitas totais do fundo chegaram a R$ 629.487.505,84.

O fundo representa o principal meio de financiamento da educação básica no país, arcando com os custos de manutenção de escolas e pagamento de professores. Os recursos que vão parar no Fundeb são resultado da arredação de diversos impostos e tributos, como o Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), o Imposto sobre a Propriedade de Motores Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), seguindo as estimativas da receita do Fundeb, publicadas pelo governo federal, no exercício de 2022 são esperados para este ano cerca de R$ 236 bilhões em recursos. Deste volume, cerca de R$ 205,3 bilhões são de contribuições de estados, municípios e Distrito Federal.

A União também deve dar sua parte ao fundo, com duas modalidades de complementação. A primeira será pela VAAF, com R$ 20,5 bilhões para dez estados e suas respectivas redes de ensino estaduais e municipais: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

Outros R$ 10,2 bilhões, distribuídos pelo Valor Aluno-Ano Total (VAAT), que considera também as receitas vinculadas à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) serão alocados nas redes de ensino.

Fonte: Bahia Notícias

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