Buscador de rostos PimEyes conseguiu identificar em um instante um jovem japonês cuja imagem ilustrava um velho cartão com a mensagem “me encontrem”
JORDI PÉREZ COLOMÉMadri – 22 JUN 2021 – 15:09 EDT
No final do ano passado, a família do desenhista Luca Säger, um especialista em inteligência artificial que mora em Hamburgo (Alemanha), viveu um fato excepcional. Aos 13 anos, sua irmã, agora com 26, tinha lançado ao mar, de uma balsa, uma mensagem com seu endereço dentro de uma garrafa. Tanto tempo depois, uma carta esperava por ela na casa dos seus pais: “Desejo-lhe com todo o amor do mundo um maravilhoso aniversário e um Feliz Natal”. A mensagem na garrafa havia finalmente sido respondida. E isso fez Säger recordar outro caso, sobre o qual tinha visto um vídeo no YouTube intitulado Você consegue encontrar este homem?, datado de fevereiro de 2020.
Aquele rosto havia aparecido em um cartão de um jogo de realidade alternativa chamado Perplex City, criado em 2005 por uma empresa de Londres. Os cartões, que eram vendidos em pacotes de seis, davam pistas que permitiam progredir até resolver o jogo, com um prêmio de 100.000 libras (quase 700.000 reais, pelo câmbio atual). Graças a uma caixa enterrada em uma floresta perto de Leicester, no centro da Inglaterra, o Perplex City foi resolvido e terminou em 2007.
Mas os fãs do jogo, alguns deles obcecados com as pistas sem solução, ficaram intrigados com o último dos 256 cartões: era a foto de um jovem japonês sobre um fundo de edifícios, aparentemente na Europa Central, com uma só mensagem: “Encontrem-me”. Os cartões estavam ordenados por cores, de vermelho (fácil) a prateado (difícil). Esse era prateado. Segundo uma pista extra que saía na internet, o nome do jovem seria Satoshi, mas não tinha nada a ver com o anônimo criador do Bitcoin, embora a coincidência possa ter feito a lenda crescer. Anos depois, um grupo de jogadores irredutíveis continuava atrás do japonês misterioso. Haviam criado um site em novembro de 2006, e sua causa apareceu no The Guardian e no The New York Times. A criadora da página, Laura Hall, visitou inclusive o lugar da Alsácia onde Satoshi fez sua foto. Mas, apesar de alguns indícios, ninguém conseguia achá-lo. Durante o tempo que o jogo durou, o objetivo era encontrá-lo para que entregasse uma mensagem-chave. Agora, com o jogo já resolvido, era sobretudo uma questão de orgulho e vontade.
No começo de 2020, a história apareceu em um canal do YouTube sobre mistérios e foi visto mais de 1,3 milhão de vezes. Então foram relançadas comunidades sobre o assunto na plataforma de mensagens Discord e na rede social Reddit. Mas ninguém encontrou o japonês, até que Säger, inspirado na mensagem da garrafa devolvida à sua irmã, lembrou-se do vídeo e se sentou na frente do computador. Dias antes, por causa do seu trabalho vinculado a desenho e inteligência artificial, ele tinha encontrado por acaso um buscador de reconhecimento facial. “Quando o visitei novamente para encontrar Satoshi, não me era familiar. Só lembrava que era de origem polonesa, e o PimEyes é de origem polonesa, então podia ser o mesmo”, conta Säger ao EL PAÍS.
Carregou o cartão com Satoshi no buscador, e a terceira imagem devolvida foi a de um grupo de japoneses em uma festa de colegas de trabalho. Um deles tinha uma caneca de cerveja na mão. Se era mesmo Satoshi, notava-se que os anos tinham passado. Säger pôs a foto no Reddit. Em um instante, Laura Hall encontrou outras imagens de Satoshi e o nome da sua empresa. E lhe escreveu um e-mail em inglês e em japonês. Era ele. “Sim, sou eu. Uau, eu tinha esquecido completamente desse jogo de cartas e nunca imaginei que alguém ainda estaria me procurando”, escreveu ele na resposta. Satoshi sabia que precisava passar um recado importante se algum participante pedisse, mas tinha esquecido qual era. Os criadores do jogo lhe tinham contatado através de uma empresa colaboradora em Los Angeles e que o conhecia da cidade de Nagano.
Isto não acaba aqui
A moral desta história não está no esforço de Hall nem na perspicácia de Säger. Está no enorme potencial do reconhecimento facial. “Não sei por que nunca tinham provado o PimEyes ou algo similar antes. Imagino que as pessoas tenham experimentado a busca de imagens do Google e largado, porque pelo que sei o Google só analisa os pixels de uma imagem, e não os traços de uma rosto, então não dava bons resultados”, explica Säger.
Essa é de fato a grande diferença. Em janeiro de 2020, o The New York Times publicou uma longa reportagem sobre uma empresa chamada Clearview AI: “A companhia que pode acabar com a privacidade tal como a conhecemos”, dizia o título. A Clearview havia capturado milhões de rostos na internet e usava um poderoso software de reconhecimento facial para encontrar pessoas. O Times denunciava seu uso por parte de órgãos policiais ou de milionários capazes de pagar suas tarifas e brincar de adivinhar quem era o menino que saía com suas filhas só a partir de uma foto. Este repórter fez inclusive um pedido de fotos ao Clearview e, após vários meses de espera, chegaram as imagens de resposta, com um incrível nível de acerto.
Agora o PimEyes faz exatamente o mesmo de forma aberta e rastreando a rede, sem antes capturar as imagens. Inclusive melhor. Em menos de um segundo, este jornalista recordou como era há 15 anos em 42 imagens distribuídas pela internet e em esquecidos vídeos na televisão catalã. Só havia um erro entre todas as imagens.
Para comparar o sucesso, a mesma foto deste repórter no Google Imagens dá estes resultados, sem nenhum acerto.
Algo similar ocorre com o Yandex Imagens, o buscador russo, que às vezes é elogiado como mais refinado que o Google. Nada, nenhum acerto. Assim o PimEyes explica essa diferença: “Em nossos resultados, mostramos não só imagens similares às que você pôs no buscador, mas fotos em que aparece com outro fundo, com outras pessoas ou inclusive com um corte de cabelo diferente. Esta melhora é possível graças ao nosso buscador centrado no rosto, não na imagem completa”, diz seu site. É um buscador explícito de rostos.
Não identifica apenas a mesma pessoa em imagens muito distintas, mas também em fotos tiradas com muitos anos de diferença. A surpresa mais extraordinária do caso de Satoshi é a capacidade do programa de detectar como o rosto de alguém estaria após 15 anos ou mais. Como se vê nas imagens, não se parece tanto com a foto original. Mas é ele mesmo.
O PimEyes oferece seus serviços de forma aberta, mas é preciso fazer uma assinatura para buscas sucessivas ou mais detalhadas. A empresa vende seus serviços como um avanço para a privacidade: ponha uma alerta sempre que alguém publicar sua foto na internet e lhe peça que a retire. É um argumento fraco quando se sabe que qualquer órgão policial, ex-namorado ou inimigo pode fazer o mesmo. A BBC preparou um podcast sobre o caso Satoshi e entrevistou uma mãe com um filho adotivo que temia que esse tipo de software pudesse revelar o passado ou os pais biológicos de seu filho, não porque quisesse esconder essas informações, e sim pelo risco de alguém trazer isso à tona sem que o garoto queira ou esteja preparado. O canal também entrevistou uma testemunha protegida. No seu caso, uma foto roubada na rua sem má intenção, em um lugar turístico, por exemplo, e publicada na internet pode ser detectada por um software como o PimEyes e revelar o rosto atual dessa pessoa ou seu lugar de residência.
Apesar de oferecer seus serviços gratuitamente, o PimEyes continua sendo tão cercado de sigilos como o Clearview. A empresa tem origem polonesa, mas está atualmente registrada nas Seychelles. “O recurso mais valioso é a informação, e permitimos às pessoas que encontrem, monitorem e protejam informações sobre si. Não estimulamos as pessoas a procurarem terceiros. É sua decisão se quiserem romper as normas”, disse um diretor anônimo da empresa ao The Washington Post semanas atrás.
Não é difícil imaginar como fotos perdidas de um passado remoto, como uma imagem dormindo bêbado em casa de um amigo, podem voltar para prejudicar um adulto que estiver procurando trabalho anos depois. Também é fácil saber como está hoje aquela garota da foto que alguém conheceu faz anos, e sobre quem não encontra nada pelo nome no Google. O software também foi usado por detetives amadores para procurar suspeitos da invasão de janeiro no Capitólio, com resultados incríveis: em um caso, vinculou um invasor diretamente com sua ficha policial de anos antes. E não é o único. Além do PimEyes, outras empresas como a russa FindFace oferecem serviços similares. Informações do site El País.