A proposta do deputado Pastor Sargento Isidório está mal formulada e contém contradições internas, na opinião do jurista Elival da Silva Ramos
Domingo, 11 de dezembro de 2022
Um projeto de lei de 2019, que restringe qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante/BA), foi aprovado em novembro pela Câmara dos Deputados e agora deve seguir para aprovação no Senado. Essa lei visa à pregação na íntegra dos conteúdos da Bíblia por todo o território nacional e, caso não cumprida, não fornece qualquer tipo de punição.
Lei mal formulada
O problema, porém, é que a medida pode ser inconstitucional. Elival da Silva Ramos, professor titular de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, explica que, como previsto na Constituição, o Estado não pode legislar em assuntos religiosos. Levando em consideração que o Estado brasileiro é laico, significa que tanto a intromissão em questões religiosas como manter relações diretas com instituições religiosas são proibidas por meio do artigo 18 da Constituição. “Há ali, a meu ver, uma violação à liberdade religiosa, porque acaba sendo um Estado fazendo um papel que deveria ser [de âmbito] privado”, diz o professor.
Outra questão é: todo ato legislativo deve ser apto a atingir a finalidade a que se propõe. O projeto de lei não especifica quais vertentes religiosas essa lei atingiria, sendo que cada uma tem suas próprias especificidades. “O texto é totalmente inaplicado, então a lei não tem condições de aplicação, independentemente da questão da solução [do problema das especificidades]”, explica Elival Ramos. O professor, por conta disso, classifica esse problema como Inconstitucionalidade Finalística.
“Uma lei que é inaplicável por suas próprias contradições internas é inconstitucional”, completa o professor. Para que seja sancionado, o projeto ainda precisa passar pelo Senado, que pode escolher não passar a proposta. Em última instância, e caso seja aprovada pelo Senado, cabe ao presidente – que muito provavelmente será o recém-eleito ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – utilizar-se ou não do veto.
Igreja x Estado
O Brasil nasceu católico apostólico romano, religião oficial do Império Português, porém, hoje, é laico. Isso significa que, mesmo respeitando todas as religiões e eventualmente citando frases cristãs, o Estado não adota uma religião oficial obrigatória.
Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, sancionou o Decreto N° 119-A em 7 de janeiro de 1890, logo após o estabelecimento da República. Ele proíbe “a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências”. O próprio artigo 1 declara que fica proibido às autoridades federais expedir leis, regulamentos ou atos administrativos em relação a isso. A separação Igreja-Estado é uma questão histórica.
Fonte: Jornal USP