Foto: Reprodução / Página de Moa do Katendê no Facebook

Projeto em homenagem ao mestre Moa do Katendê é lançado com álbum e minidocumentário

Bahia

“Existe um ecossistema musical e sonoro influenciado por Moa”. É dessa forma que Átila Santana, produtor musical do disco “Moa Vive!”, vê o legado do capoeirista e músico. A obra será lançada nesta sexta-feira (11) em homenagem ao mestre assassinado a facadas, em 2018, após uma discussão política, durante as eleições em Salvador.

O álbum foi inteiramente gravado em Salvador e estreia nesta sexta em todas as plataformas de streaming. O disco é formado por nove faixas escritas por Moa do Katendê, gravadas sete anos antes de sua morte, no estúdio do produtor Átila Santana, amigo pessoal de Moa.

Em entrevista ao g1, Átila contou sobre a gravação original, sua relação com Moa e os objetivos do projeto. O produtor conheceu o mestre por meio de um amigo em comum, para a realização da direção musical de um projeto.

No dia em que se conheceram, começaram a compor uma música juntos, que foi intitulada de ”Tapete Verde”, uma homenagem ao Parque São Bartolomeu e a batalha de Pirajá.

A partir dos contatos da gravação, a relação deles se estreitou, e passaram a se encontravam para realizar gravações. Em uma dessas reuniões, a gravação inicial que inspira o disco ”Moa Vive!” foi feita em um tom intimista, realizada entre amigos, inclusive com a presença do filho do mestre Raniere da Costa.

”Foi em um desses encontros que ele pediu para que eu gravasse as canções e houve essa reunião de Moa, Raniere e José Alberto. Eles gravaram cerca de trinta músicas, em um clima de ensaio. Foi maravilhoso, eu fiquei só escutando e com os microfones ligados.”

Durante a produção, as faixas ganharam novas roupagens na voz de alguns artistas da Bahia. Das nove, duas foram mantidas na voz de Moa. Átila diz que aprendeu muito com o mestre e que, por meio da música, ele está imortalizado. O desejo de expor as gravações para o público é uma homenagem ao mestre.

“Ele está vivo na música. A obra dele está presente e queremos que o maior número possível de pessoas ouça”.

A capa do álbum é assinada pelo artista visual soteropolitano Max Fonseca. Nascido no bairro de Cajazeiras 11, ele trabalha com programação criativa para registrar, recriar e ressignificar o universo simbólico das periferias brasileiras e do candomblé.

Atualmente, Max vive em Lugano, na Suíça, onde estuda novas linguagens digitais em um mestrado em Interaction Design. A capa do álbum foi produzida através de inteligência artificial e manipulação digital. A ilustração foi criada com o auxílio de softwares que permitem a criação de imagens a partir de comandos textuais, homenageando a relação do mestre com as palavras.

“Criar imagens a partir de palavras é um exercício conceitual de alta performance, que abre espaço para a casualidade do jeito que a ancestralidade gosta. Achei que era a técnica justa para homenagear Mestre Moa e suas palavras”, explicou Max Fonseca.

Escolha dos artistas

As músicas do disco ”Moa Vive!” serão cantadas por Russo Passapusso, Gerônimo Santana, Margareth Menezes, Mateus Aleluia Filho, Roberto Mendes, Sued Nunes, Marcia Short e Aloísio Menezes, além das duas com a voz do próprio Moa.

Segundo Átila, a escolha dos cantores foi baseada no nível de conexão das obras deles com as músicas do mestre de capoeira. Ele selecionou pessoas que conseguissem expressar na voz e na vida, o que as músicas de Moa transparecem, por isso todos são artistas ligados à música afro.

”O disco tem como trilha principal o ijexá, ele é o caminho. A partir dessa conexão com a música afro, foram pensados os artistas para cada faixa.”

Para Átila, a realização de ver o projeto concluído perpassa a relação dele como produtor, e abrange também o Átila amigo de Moa. Ele conta que o mestre sempre sonhou em poder ver suas canções na voz de outras pessoas.

”Um sentimento de realização imenso. Era um sonho de Moa ver suas canções gravadas por outros artistas”

A cantora Márcia Short deu o tom à canção ”Oxum”. Durante a reunião para apresentação do projeto, o produtor conta que Márcia não precisou da letra da música, pois quando ouviu o nome já sabia do que se tratava. Márcia cresceu ouvindo a música no Engenho Velho de Brotas, interpretada pelo próprio Moa.

”Ela já conhecia a música. Escutou na adolescência na casa da sua família no Engenho Velho [de Brotas]. Foi incrível e emocionante”

A cantora e compositora Margareth Menezes, participa do projeto em um dueto com Mateus Aleluia Filho. Diferente de Márcia, ela contou ao g1 que através do disco soube mais sobre a importância de Moa.

Foi importante para mim participar porque só aí eu vim a conhecer melhor o trabalho, o projeto e a importância de Mestre Moa. Agradeço a todos que estão produzindo esse material para a preservação de seu trabalho e para que as pessoas conheçam a grande história do Mestre Moa.

A cantora diz que deseja que as personalidades pretas da Bahia sejam valorizadas, homenageadas e lembradas, como o projeto faz com Moa.

”Penso que no futuro Salvador terá um grande pavilhão onde nossos heróis e heroínas, que tanto lutaram por justiça e respeito a todo legado dos povos afro brasileiros, sejam lembrados”.

Em vídeo gravado durante a gravação do segundo single que compõe o disco, Russo Passapusso relata que quando canta o nome de Moa repetidas vezes, sonoramente se transforma na palavra amor.

Gerônimo Santana, é a voz da música de abertura do álbum. O single entitulado como ”Presente de Oxum” foi lançado no dia. O processo de gravação da canção é o responsável pelo teaser do disco.

Ao g1, ele definiu Moa como um grande herói e disse que a importância do mestre para a música baiana é imensurável.

”Eu não sou capaz de colocar em palavras a importância de Moa para a música baiana. Ele é um grande poeta, um herói.”

”Pedra fundamental da música afro-brasileira”

O Badauê nasceu do Ijexá e foi criado por Moa, juntamente com outros jovens, no bairro do Engenho Velho de Brotas, em Salvador, no ano de 1978. Um ano depois, o bloco desfilou no carnaval pela primeira vez. Sempre ligado ao candomblé e à capoeira, o mestre Moa permeou ainda mais o ritmo com essas influências.

”Uma música que vem de bairros populares de Salvador, em que a maioria dos artistas e compositores ficam à margem de um mercado musical e são sem dúvidas mestres, os grandes provedores de cultura e música da cidade. Boa parte deles saíram de terreiros de candomblé.”

O Badauê foi criado após o mestre ter vencido o festival de compositores do Ilê Aiyê, em 1977. Moa foi o responsável por reintroduzir o ijexá na Música Popular Brasileira, difundindo um movimento que é conhecido como a reafricanização do carnaval de Salvador.

O bloco adquiriu grande importância no cenário cultural da cidade no começo da década de 80. O bloco foi uma das maiores influências rítmicas da Música Popular Brasileira (MPB) da época. Artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Moraes Moreira, Djavan e muitos outros beberam da fonte do ijexá.

Unindo a juventude negra de distintos bairros, o bloco chegou a ter sete mil membros em um único carnaval. O Badauê conseguiu levar às ruas de Salvador a riqueza cultural negra na expressão de corpos, sons e imagens. A projeção nacional se firmou quando Caetano Veloso homenageou o bloco com a canção “Badauê”, no disco “Cinema Transcendental”, em 1979.

”Moa é uma peça chave, uma pedra fundamental da música afro-brasileira, da mpb como um todo. Os ensaios do badauê eram frequentados por grandes nomes da mpb, como Caetano Veloso. Ele influenciou todo o movimento no final da década de 70.”

Em 1995, Moa criou o ”Afoxé Amigos do Katendê”, com sedes em São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Belo Horizonte e na Europa. Ele visitava esses lugares onde dava aula de capoeira e afoxé. O Afoxé Amigos do Katendê Salvador, foi fundado pela família do mestre após sua morte, com o objetivo de continuar o seu trabalho.

Como mestre de capoeira e dança afro, Moa viajou pelo Brasil e mundo ao longo de quarenta anos, ajudando a criar grupos de cultura afro-brasileira. Desse modo, ele acabou por obter maior reconhecimento enquanto mestre de capoeira e professor de dança afro do que como compositor ou músico. Sua música, porém, é agora reapresentada ao público em letras e melodias, exibindo sua atemporalidade e beleza.

Músicas do álbum

  • Presente de Oxum – Intérprete: Gerônimo Santana
  • Nação africana – Intérprete: Russo Passapusso
  • Me leva, menino – Intérprete: Aloísio Menezes
  • Descendente de africano – Intérpretes: Margareth Menezes e Mateus Aleluia Filho
  • Omim – Intérprete: Sued Nunes
  • Oxum – Intérprete: Marcia Short
  • Bate a massa – Intérprete: Roberto Mendes
  • Gina – Intérprete: Moa do Katendê
  • Berimbau – Intérprete: Moa do Katendê

Documentário ”Moa Vive!”

Além do disco, o projeto ”Moa Vive!”, também é lançado nesta sexta, um minidocumentário de 20 minutos, dirigido por Átila Santana e Matheus Leite, que assinam roteiro junto com Waldemar Oliveira. A produção mostra depoimentos de familiares e artistas nos bastidores da produção do álbum.

Durante o roteiro, é traçada a relação dos entrevistados com Moa, sua obra e o luto que a sua morte deixou. Entre as presenças no filme, está Somonair Costa, filha de Moa, dançarina afro, que, além de dar seu relato, dança ao som das percussões do disco.

Assim como Russo Passapusso, Átila Santana acredita que a palavra a ser transmitida ao olhar para todo legado de Moa é ”amor”.

“A mensagem que eu quero deixar com esse trabalho, eu sinto que é a mensagem que Moa sempre quis: a da arte, da música, da dança, da cultura, do saber, da educação, da paz e do amor. Essas são as nossas armas”, concluiu Átila.

A produção pode ser assistida através das redes sociais do ”Moa Vive!”. O projeto foi financiado pelo Rumos Itaú Cultural.

Fonte: G1 Bahia