Se mal estruturada, adesão de novos membros pode desorganizar bloco e reduzir relevância do Brasil, afirmam especialistas
João Nakamurada CNN* – Domingo, 20 de agosto de 2023
São Paulo
A próxima Cúpula dos Brics, sediada na cidade de Johanesburgo, África do Sul, terá como um dos temas centrais a adesão de novos membros. Ao todo, 23 países apresentaram pedidos oficiais para aderir ao bloco.
O grupo reúne cinco países emergentes que articulam entre si medidas para apoiar o desenvolvimento de seus pares. Atualmente, o Brics é composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – cujas iniciais formam o acrônimo que batiza a organização.
Entre os principais pretendentes que desejam integrar o grupo, estão desde a Argentina e a Arábia Saudita – cujos ingressos receberam endosso do presidente Lula – até Bangladesh e Indonésia.
Apesar da inclinação favorável por parte do presidente brasileiro, William Daldegan, professor e pesquisador no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pontua que este é um processo delicado, que deve ser bem planejado, pois ainda há resistências sobre ele.
“A diplomacia brasileira, apesar dos discursos do presidente Lula, não parece ser tão afeita a uma futura expansão. Para o Brasil, ela poderia minar o pretenso papel de liderança regional e o status alcançado junto ao Brics”, indica Daldegan.
O professor Carlos Eduardo Carvalho, do Departamento de Economia da PUC-SP, reforça o receio, ao indicar que a participação do Brasil no Brics “poderia diminuir”.
Os países que têm interesse em fazer parte do bloco são:
- Arábia Saudita
- Argélia
- Argentina
- Bahrein
- Bangladesh
- Belarus
- Bolívia
- Cazaquistão
- Cuba
- Egito
- Emirados Árabes Unidos
- Etiópia
- Honduras
- Indonésia
- Irã
- Kuwait
- Marrocos
- México
- Nigéria
- Palestina
- Senegal
- Tailândia
- Venezuela
- Vietnã
“A cada dia cresce o número de países que apresentam formalmente candidaturas às autoridades dos países membros [do bloco]”, relembra o professor Daldegan.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já endossou publicamente seu apoio ao ingresso de países como Argentina, Venezuela, Emirados Árabes e Arábia Saudita – que recentemente enviou uma comitiva para evento com autoridades brasileiras na Fiesp, durante a visita foram anunciados 26 acordos bilaterais.
O professor de economia da PUC reforça que além do Brasil, Rússia e China já se manifestaram favoravelmente a entrada do Irã e dos sauditas, respectivamente.
Sobre o impacto para o bloco, Carvalho pontua que os dois países fortaleceriam a independência petroleira do Brics, que se aproximaria da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Carvalho também destaca a intenção do Brasil em incluir os aliados latino-americanos. “Dois novos membros da América do Sul reforçariam a presença da China na região e o peso do Brasil [no bloco]. Mas, os dois casos trariam certamente polêmica interna em nosso país”, reforça.
A “polêmica” que Carvalho ressalta se conecta à atual situação da Argentina e da Venezuela.
“O peso relativo do Brasil poderia diminuir, com a adesão de dois sócios-vizinhos problemáticos e fragilizados, e a entrada de países com maior potencial financeiro e militar e maior estabilidade política e diplomática”, avalia o professor Carvalho.
Expansão do bloco
Desde a fundação do Brics em 2009 (quando à época, o bloco era apenas Bric), a única expansão que ocorreu foi em 2011 com a entrada da África do Sul. Desde então, o debate sobre novas adições vem sendo retomado nas últimas cúpulas.
Já para o professor de economia da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, o ingresso de novos países seria positivo para o Brasil.
“A Argentina [por exemplo] é uma grande parceira comercial. A eventual adesão traz benefícios, assim como todos os países com os quais mantemos relações”, pontua.
Lacerda ressalta que as novas adesões virão para “fortalecer as iniciativas do bloco”, de modo que o Brasil “só tem a ganhar”.
Contudo, ele reforça que devem ser estabelecidos “critérios” para que não seja uma expansão por si só. “É necessário um crescimento sustentável, ou seja, com base nos interesses previamente discutido entre os membros”, conclui.
Obstáculos
William Daldegan não exclui o fato de que novos membros ampliariam a representatividade do bloco, assim consolidando o Brics como uma “voz do mundo em desenvolvimento”.
Contudo, o internacionalista indaga que o “desejo” de expandir não basta.
“A expansão entra na pauta de discussões, desde que [a adesão de novos membros] não limite a articulação de cada um deles individualmente. Ela se caracteriza como um processo que impõe desafios a [ausência de] institucionalidade do Brics”, reforça.
Com o tamanho reduzido do bloco e a falta de um dever institucional – sem obrigações e deveres legais, o Brics é mais visto como um esforço diplomático – a dinâmica entre seus membros é harmoniosa e respeitosa com a independência de cada nação.
Desse modo, para Daldegan, a expansão desmedida do bloco pode acarretar desconfiguração de sua ideia original. “[O Brics é] um grupo de países emergentes que possui a percepção de que a ordem internacional está carente por reformas. [Assim], ocupam vazios dentro dessa mesma ordem”, pontua o professor da UFPel.
“Os Brics estão cientes dos desafios quanto à adesão de novos membros. Afinal, para avançar na proposta, terão de acordar regras, critérios e procedimentos”, explica o professor.
Por conta desses critérios ainda não estarem definidos, Daldegan aponta que ainda é difícil afirmar quais dos países que já apresentaram solicitações têm mais chances de serem aceitos na organização.
Durante encontro com a imprensa no Palácio do Itamaraty, o Secretário de Ásia e Pacífico, Eduardo Paes Saboia, reforçou a importância de se discutirem princípios e procedimentos para a expansão.
O modelo dessa reforma também deve ser definido, uma vez que pode acontecer ou pela entrada em si de novos países, ou com o estabelecimento de uma categoria de associados, segundo Saboia.
“Isso está em negociação e é o que será parte do resultado da cúpula”, pontua o embaixador.
Fonte: CNN Brasil