Durante Fórum da Educação Superior da Academia Brasileira de Ciências, Mozart Neves Ramos destacou a importância de investir no aprendizado dos estudantes do ensino básico para evitar evasão da universidade
Por Marilia Rocha* – Segunda, 8 de abril de 2024
“A crise universitária brasileira não se resolve sem que a gente resolva a qualidade da educação básica no País”. A afirmação, feita de forma enfática pelo professor Mozart Neves Ramos, deu o tom à participação do titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira no Fórum da Educação Superior. O evento, organizado de forma on-line pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), teve como foco a necessidade de ampliar a conexão entre as universidades e a educação básica.
Durante o webinar, transmitido ao vivo pelo canal da ABC no YouTube em 26 de março, Ramos dialogou com o professor Luciano Mendes de Faria Filho, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e com os mediadores Débora Foguel e Sylvio Canuto – que é também um dos idealizadores da série de encontros dentro do Grupo de Trabalho sobre Ensino Superior Brasileiro na ABC/SBPC.
Ao resgatar informações sobre a qualidade da educação básica, Ramos explicou o que chama de dissipador de aprendizagem: 47% dos estudantes do 5º ano do ensino fundamental aprenderam o que seria esperado em matemática, porcentagem que cai drasticamente para 5% dos estudantes ao final do ensino médio, segundo dados de 2021. Além disso, observando dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), praticamente metade dos alunos ingressantes em cursos universitários de Pedagogia não tinha atingido a nota de 450, considerada mínima para uma aprovação no ensino médio. Até mesmo em cursos como Direito, Engenharia e Medicina, há porcentagens de estudantes que ingressam no ensino superior sem ter a aprendizagem esperada para concluir a educação básica.
“Se não resolvermos esse problema, qual a consequência gradual que isso traz para o ensino superior? Vemos a tragédia com a taxa de desistência: Já temos um índice baixo de estudantes que terminam o ensino médio e entram em universidades, e depois ainda temos uma situação muito crítica no abandono do ensino superior”, analisou. Segundo ele, um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) monitorou alunos ingressantes no ensino superior em 2011 e identificou que, até 2020, 60% desistiram dos estudos no setor privado, índice que foi de 55% no sistema federal e 50% no estadual.
“É verdade que esses índices podem não captar as transferências internas, de um estudante que abandonou o curso em que entrou para ir para outro curso ainda no ensino superior. Isso acontece, mas não nessa magnitude de perda que a gente está vendo. E grande parte disso decorre dos déficits de aprendizagem ao término da educação básica”, defendeu o titular da Cátedra. Outro ponto a considerar, na análise dele, é a perspectiva de que as matrículas em cursos EaD (ensino a distância) ultrapassem as de cursos presenciais, mas nessa modalidade a desistência chega a 62% dos ingressantes.
Ao resumir o cenário, Ramos resgata: “Temos parte significativa de estudantes que nem deveriam ter diploma de ensino médio entrando majoritariamente em cursos a distância, que irão abandonar. Vejam o tamanho dessa crise. Como podemos pensar um futuro que reverta esse cenário?”.
Um dos caminhos, segundo ele, é dialogar com as características do mundo contemporâneo, que preza pelo desenvolvimento de competências, pela aprendizagem contínua, ao longo da vida, e pelo uso da tecnologia. “Na educação básica e nas universidades, nós ainda trabalhamos com o modelo em que fomos formados, mas o mundo mudou muito. A gente precisa formar professores capazes de entender esse cenário disruptivo, que consigam usar o potencial das novas tecnologias e preparar diferentes ambientes de aprendizagem”, defendeu, finalizando: “Precisamos de mais interdisciplinaridade, trabalhar de maneira complementar para resolver problemas complexos. Se fosse reitor, eu criaria uma pró-reitoria de educação básica, para construir uma ponte sólida, e um observatório de egressos, para ouvir o que os alunos identificam como novas demandas para atuar nesse mundo em transformação”.
Por sua vez, o professor Luciano Mendes levantou reflexões sobre a necessidade de valorizar os professores e conhecer as práticas de sala de aula no ensino superior. “Temos muitas pesquisas sobre políticas públicas, mas algumas práticas em sala de aula se perdem quando bons professores se aposentam”, refletiu, analisando também o atual modelo das universidades públicas e as dificuldades para avançar nas pesquisas. “O modelo atual desencoraja o risco, mas muitas vezes é no erro que está a descoberta. Que aluno vai escolher uma pesquisa disruptiva se, ao final de quatro anos, ele tiver que devolver dinheiro caso não tenha uma tese concluída?”, questionou.
Assista ao webinar completo em https://www.youtube.com/watch?v=m7DwXg5jfuE&t=4079s
Fonte: Jornal USP / A baixa qualidade da educação básica se reflete até no curso superior – Foto: Sumaia Vilela / Agência Brasil