Sexta, 5 de dezembro de 2025
Estudo comparou efeito de diferentes temperaturas na maturação de queijo artesanal típico da região Sul
Pesquisadores da USP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) investigaram o impacto da temperatura de maturação no Queijo Artesanal Serrano (QAS) – um queijo típico do Sul do Brasil, produzido com leite cru utilizado logo após a ordenha. O trabalho processou, maturou e realizou análises físico-químicas e de DNA em amostras especialmente selecionadas para o estudo.
Os resultados mostraram que a maturação a 5°C se mostrou inadequada, pois favoreceu a proliferação de bactérias com potencial de causar doenças. Já o aumento da temperatura de maturação para 12,5°C e 20°C proporcionaram maior equilíbrio das bactérias, com predominância de Lacticaseibacillus casei (L. casei) – cujos efeitos benéficos incluem a inativação de patógenos e a preservação das características sensoriais e funcionais do queijo, além de reduzir significativamente a abundância de fungos.
Enquanto a legislação brasileira exige a maturação do queijo acima de 5°C, o Rio Grande do Sul permite a maturação em temperatura ambiente. A falta de parâmetros uniformizados pode ser um desafio, já que o clima da região serrana registra uma temperatura média anual de 14°C, variando de -10°C a 28°C.
Jeferson Ströher, doutorando em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFRGS, e Anderson Freitas, doutorando em Ciências no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, explicam que a maturação do queijo foi realizada nas três temperaturas selecionadas (5°C, 12,5°C e 20°C) durante 60 dias. Neste período, avaliações microbianas foram realizadas a cada 15 dias utilizando metabarcoding, técnica que identifica e analisa a diversidade de espécies em amostras complexas.
Com os resultados, eles defendem a redução do período mínimo de maturação legalmente exigido de 60 para 30 dias, em condições de temperatura controlada de no mínimo 12,5°C. Junto com a implementação de regulamentações técnicas e a disseminação do conhecimento para garantir a qualidade e a segurança do produto, os pesquisadores indicam a necessidade de financiamentos para adequação dos produtores às normas.

Anderson Freitas – Foto: Arquivo pessoal
“A maioria desse queijo é produzida por pequenos produtores; então é importante conseguirmos trazer melhorias e ampliarmos a qualidade desse queijo. É a ideia de valorizar as coisas do nosso país e no caso também do nosso Estado, que é o Rio Grande do Sul”, explica Freitas que, assim como Ströher, é gaúcho. Segundo a dupla, descobrir interações e composições microbianas influenciadas por três condições de amadurecimento foi fundamental para entender como essas características afetam a qualidade sensorial do queijo. As análises também auxiliaram na definição do prazo de validade, critérios de segurança e qualidade do produto.
“A forma ancestral com a qual o queijo é feito desde a chegada dos imigrantes representa muito a identidade das pessoas da região dos Campos de Cima da Serra que o produzem” – Anderson Freitas
O problema do clima
Estima-se que somente no Rio Grande do Sul existam aproximadamente 1,5 mil famílias dedicadas à produção de QAS. A temperatura da região dos Campos de Cima da Serra, onde é produzido, possui temperatura média de 5°C no inverno e 14°C no verão. Essas baixas temperaturas no inverno favorecem a proliferação de bactérias patogênicas.
Temperaturas controladas mais altas não só contribuem para a qualidade como diminuem o tempo de maturação de 60 dias – exigido pela legislação brasileira atual – para 30 dias. Esse resultado, se acatado para manutenção da legislação, poderá otimizar a produção. “O grande desafio é conseguir manter o padrão. Porque, tradicionalmente, o queijo fica em um quarto. [Os produtores] Precisam investir em um espaço com refrigeração ou condicionante térmico”, destaca o pesquisador.
“Como o queijo serrano é de leite cru, não existe a etapa de pasteurização”, explica Freitas. No total, cinco pedaços de queijo de 500 gramas foram armazenados em cada uma das temperaturas selecionadas. As amostras foram coletadas quinzenalmente para análise.
A análise dos dados revelou a presença de bactérias patógenas na maturação a 5°C, condição em que ocorre tradicionalmente a maturação. Esses dados indicaram também uma diversidade microbiana complexa, composta de fungos e bactérias, em diferentes amostras coletadas. Os resultados mostraram ainda os filos bacterianos dominantes: Proteobacteria, Firmicutes e Actinobacteria, enquanto os fungos eram Ascomycota e Basidiomycota.
Certificação e investimento
Em etapa posterior ao trabalho, os pesquisadores responsáveis iniciaram um diálogo com os produtores locais para indicar a temperatura ideal da maturação na produção da iguaria. “Com um leite de boa qualidade, adotando as boas práticas de ordenha e de fabricação, podemos diminuir esses dois meses, e, então, os produtores podem vender esse queijo bem antes”, afirma Jeferson Ströher. Ele destaca a falta de estrutura dos ambientes atuais e a ausência de condicionantes térmicos nas etapas de produção. “É necessário haver uma política de controle e padronização eficaz”, diz.
O pesquisador da federal gaúcha indica que há avanços significativos com a legislação do queijo artesanal serrano que também são aplicados ao queijo artesanal colonial, outro produto típico da região. “No entanto, é notável que a legislação para o queijo serrano está mais avançada em comparação com outros queijos tradicionais. Agora, a padronização é fundamental para garantir que todas as atividades sejam realizadas igualmente em todas as propriedades”, explica. O ideal seria, conforme ele indica, que todas as propriedades fossem certificadas e preparadas para ter essa padronização, desde a produção do queijo até a sua comercialização.
“Precisamos de políticas públicas a fim de financiar toda essa padronização, porque envolve bastante custo. Desde a padronização da ordenha até a infraestrutura na agroindústria é muito dinheiro“ – Jeferson Ströher

Jeferson Ströher – Foto: Arquivo pessoal
O trabalho aponta a necessidade de realizar esse estudo em mais propriedades, com análises em períodos mais longos para entender melhor a dinâmica microbiana. “O ponto forte foi identificar a temperatura ideal de maturação que elimina microrganismos patogênicos e propormos reduzir o tempo de maturação”, prossegue. Ele também relembra que “em condições atuais, como no inverno, é possível que o queijo serrano seja comercializado com bactérias patogênicas devido às condições de maturação inadequadas.”
O artigo intitulado Temperature Drives Microbial Dynamics during the ripening of Serrano Artisanal Cheese foi publicado na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências. Ele é fruto do mestrado de Jeferson Ströher em Ciência e Tecnologia de Alimentos, sob orientação da professora Rosiele Padilha da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
Mais informações: [email protected], com Jeferson Ströher
*Estagiário sob orientação de Tabita Said
Fonte: Jornal USP / Queijo artesanal serrano é marcado pela identidade e ancestralidade imigrante dos produtores – Foto: Cedida pelos pesquisadores