Atividade realizada no Instituto de Geociências da USP alia rigor científico, tecnologia e compromisso social; projeto busca desenvolver réplicas táteis para pessoas com deficiência visual

Restos ou vestígios de seres vivos preservados em rochas, como ossos, dentes, pegadas ou impressões, que viveram há milhares ou milhões de anos, os fósseis ajudam a entender a história da vida na Terra, os processos evolutivos e as transformações ambientais ao longo do tempo. Num ambiente educativo, ter contato com esses registros do passado torna a educação científica mais atrativa, concreta e significativa, e, por isso, o trabalho realizado pela Oficina de Réplicas do Museu do Instituto de Geociências (IGc) da USP é fundamental para aproximar o público do conhecimento paleontológico de forma acessível, lúdica e interativa.
“As réplicas são amplamente utilizadas em atividades promovidas em escolas e museus, e também compõem parte dos exemplares exibidos no Museu de Geociências da USP”, explica Paulo Eduardo de Oliveira, professor do IGc e coordenador da oficina que produz réplicas realísticas de fósseis de animais e plantas pré-históricos. Ele cita como exemplo uma atividade de extensão universitária que o instituto vai realizar neste mês de junho, em parceria com o Museu Catavento, no centro de São Paulo, quando o público poderá interagir com réplicas fósseis e tirar dúvidas com alunos de graduação e pós-graduação.
O objetivo da oficina é suprir a escassez de material paleontológico em escolas de ensino médio, universidades e museus, por meio da produção e comercialização de réplicas. O museu do IGc também mantém parcerias com instituições de ensino e museus internacionais para o compartilhamento de amostras, que servem de base para a confecção das peças.

Paulo Eduardo de Oliveira, professor do IGc e coordenador da Oficina de Réplicas do IGc – Foto: Divulgação / IGc
São mais de 80 itens na Coleção de Réplicas, com fósseis provenientes de várias regiões do mundo, representando parte da diversidade biológica preservada nas rochas desde o início da Era Paleozoica (570 milhões de anos atrás). Acompanhadas de ilustrações, as réplicas auxiliam no aprendizado de conceitos sobre o tempo geológico, evolução, extinção, paleoclimas e paleogeografia. As peças estão separadas em 15 coleções,incluindo Braquiópodes, Equinodermos, Cnidários, Artrópodes, Icnofósseis e Moluscos.
Os valores variam de R$ 8,00, para peças menores como garras ou pequenos ossos, até R$ 280,00, sendo o item mais caro uma réplica do crânio do Carcharodontossaurus, em escala de um quarto do tamanho real. Toda a receita obtida com as vendas é revertida para garantir a autossuficiência da oficina. As réplicas podem ser adquiridas por qualquer pessoa, por meio do site clicando aqui.

Dente em tamanho real do Purussaurus brasiliensis, jacaré gigante que viveu no norte do Brasil entre 5 e 7 milhões de anos atrás, no Mioceno Superior. O primeiro fóssil da espécie foi encontrado em uma das barrancas do rio Purus, na região amazônica – Foto: Oficina de Réplicas / IGC USP

Réplica do mesossaurídeo Mesosaurus tenuidens, espécie aquática que podia alcançar até um metro de comprimento. O fóssil original foi descoberto no município de São Mateus do Sul, no Paraná, e representa um dos primeiros vertebrados adaptados à vida em ambiente aquático – Foto: Oficina de Réplicas / IGC USP

Parte da mão que compunha a asa de um Anhanguera sp., pterossauro (réptil voador) encontrado na região do Araripe, ajuda a entender a estrutura de voo desses animais que dominaram os céus durante o período Cretáceo – Foto: Oficina de Réplicas / IGC USP

Com 1,6 metro de comprimento, a réplica representa um quarto do tamanho original do Carcharodontosaurus, que podia atingir 12,5 metros e pesar mais de 6 toneladas, rivalizando com o Tyrannosaurus rex – Foto: Oficina de Réplicas / IGC USP
Alguns dos materiais recebidos pela oficina têm procedência pouco convencional. Como a comercialização de fósseis é proibida por lei no Brasil, as amostras obtidas em comércio ilegal ou apreendidas em operações contra o tráfico são encaminhadas para instituições como o Museu de Geociências. Além de serem incorporados ao acervo, esses exemplares ganham nova função por meio da oficina de réplicas, que utiliza os fósseis como base para produzir cópias fiéis.
Do fóssil à réplica
O processo de criação das réplicas envolve quatro etapas principais:

Criação do molde
O fóssil real é submerso em uma bacia de silicone. Após o endurecimento do material, ele é removido, resultando em um molde. De acordo com Jöte Teixeira, bolsista da oficina, esses moldes de silicone têm uma vida útil média de dois anos antes de perderem o detalhamento e o formato original.

Preenchimento com resina
A resina é então despejada no molde. Em alguns casos, materiais como pedras e chumbo podem ser adicionados para aproximar o peso da réplica ao do fóssil original. Anteriormente, as réplicas eram feitas de gesso, mas a resina foi adotada por conferir maior durabilidade às peças, já que o gesso as tornava frágeis. No entanto, o gesso ainda é empregado em atividades pedagógicas promovidas pela oficina.

Tratamentos finais
Após alguns dias, a peça é retirada do molde e submetida a uma série de tratamentos. Inicialmente, é lixada para remover rebarbas. Em seguida, é pintada para reproduzir as cores do fóssil original. Por fim, passa por um processo de betumização para preservação e maior durabilidade.

Embalagem e envio
Concluídas as etapas anteriores, a réplica é embalada e preparada para o envio.
Inclusão tátil
Coordenada pelo professor Douglas Galante, do IGc, a estudante Giovana Soares Gama está desenvolvendo o projeto de iniciação científica Inclusão tátil na paleobotânica: inovação em Ensino Acessível. Com apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) da USP, o projeto visa desenvolver réplicas táteis destinadas a pessoas com deficiência visual.
Iniciado no final de 2024, o projeto utiliza equipamentos do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP para escanear amostras da coleção do IGc e projetar os primeiros protótipos. Os fósseis são modelados em 3D e manipulados digitalmente para que certas texturas e estruturas sejam realçadas, facilitando a percepção do formato e função dos fósseis por pessoas com deficiência visual. “Para nos orientar sobre como devemos fazer essa evidenciação, estamos firmando uma colaboração com o Lar das Moças Cegas, uma instituição que tem vasta experiência na educação de pessoas com deficiência visual”, explica Galante.

Modelo 3D de fóssil com texturas realçadas – Foto Arquivo Pessoal/Giovanna Soares
O projeto ainda está em fase de desenvolvimento, mas as peças resultantes serão incorporadas ao acervo da oficina e disponibilizadas ao público. Além disso, os modelos 3D serão disponibilizados em domínio público, permitindo que sejam impressos em qualquer impressora de objetos tridimensionais. Segundo o professor, essa medida garantirá um amplo alcance dos produtos desenvolvidos e um maior atendimento a essa parcela da população que carece de materiais didáticos e estímulos acadêmicos adequados.
Para saber mais sobre a Oficina de Réplicas do Museu de Geociências acesse a página https://oficinadereplicas.igc.usp.br, pelo Instagram, ou entre em contato pelo telefone (11) 3091-4123 ou e-mail [email protected].
.*Estagiário sob supervisão de Thais H. Santos e Claudia Costa
Fonte: Jornal da USP / Foto: Marcos Santos/USP Imagens