CB – Nail-biter”, ou de roer as unhas, seria a expressão certa para descrever o processo de apuração das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Ao longo do dia, o mundo observou com atenção a definição dos 50 estados norte-americanos, e a cada colorido de azul (democrata, de Joe Biden) ou vermelho (republicano, de Donald Trump) no mapa, as tensões aumentavam de um lado ou do outro.
A vitória de Trump na Flórida, um estado chave, mostrou que a disputa não seria resolvida de forma fácil. Os olhos, então, se voltaram, no decorrer da quarta-feira (4/11), para Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, onde Biden atuou com força durante a campanha. Os estados, junto com Minnesota, Ohio, Iowa, são considerados chave e integram o chamado “cinturão de ferrugem”, que oscilam entre democratas e republicanos a cada pleito.
Até a última atualização desta matéria, Biden havia conseguido vitória em Minnesota, Michigan e Wisconsin, e a situação apertou para o presidente Donald Trump, que venceu nesses dois últimos nas eleições de 2016 e garantiu vitória sobre Hillary Clinton. O republicano, por sua vez, garantiu vitória em Ohio e Iowa. Assim, o placar chegou ao fim da quarta-feira favorecendo Biden: 264 delegados para ele contra 214 de Trump. Para vencer, são necessários 270.
Depois que Biden alcançou 264 delegados (e 71,6 milhões de votos), e a Pensilvânia anunciou que seus resultados demorariam alguns dias, devido aos votos que ainda chegam pelo correio, as atenções voltaram-se para Nevada e Geórgia. O primeiro garante exatamente seis votos eleitorais, a quantidade necessária para o democrata vencer. No entanto, as autoridades do estado informaram que só devem anunciar o resultado na quinta-feira (5/11) à tarde, pelo horário de Brasília.
A única chance de o resultado sair na madrugada de quinta, portanto, é com uma vitória de Biden na Geórgia, onde prosseguia a contagem. Até a última atualização desta matéria, pouco mais de 100 mil cédulas ainda precisavam ser contadas, e Trump liderava. A diferença entre os dois candidatos, porém, ficava cada vez mais apertada.
Trump vencendo os 16 delegados da Geórgia, continuará no páreo, torcendo para obter uma vitória em Nevada. Nesse estado, a quarta-feira fechou com 75% dos votos apurados e Biden ligeiramente na frente, com 49,3% dos votos, enquanto o atual presidente possui 48,7%. O presidente norte-americano, ao observar a virada do jogo, chegou a anunciar pelo Twitter vitória na Pensilvânia, Geórgia e Carolina do Norte, estados onde a apuração não foi concluída. A rede social colocou uma etiqueta informando: “Fontes oficiais podem não ter encerrado a apuração quando isso foi tuitado”.
Possível judicialização
Em meio ao cenário que se formou, Trump logo começou a se mexer: fez um pronunciamento ainda na madrugada desta quarta dizendo que ganhou as eleições, pedindo para que se parasse a contagem de votos e que vai à Suprema Corte para impedir “fraude”.“Isso é uma vergonha ao nosso país. Nós estávamos ficando prontos para vencer esta eleição. Francamente, nós ganhamos, sim, esta eleição”, afirmou em pronunciamento na Casa Branca.
O chefe da campanha de Biden, por sua vez, chamou a fala do presidente de “ultrajante, sem precedente e incorreta”. “Não vai acontecer. A contagem não vai parar. Ela vai continuar até que todos os votos sejam contados. Porque é isso que as nossas leis — as leis que protegem o direito constitucional de todo americano a voto — requer”, pontuou.
Brasil
O presidente Jair Bolsonaro, contrariando o que orienta a diplomacia, tem se manifestado a favor da reeleição de Donald Trump, declarando sua torcida ao republicano. Nesta quarta-feira, Bolsonaro voltou a dizer a apoiadores, no Palácio da Alvorada, que espera a vitória de Trump — com quem, segundo ele, tem uma boa relação política. O presidente ainda criticou Biden, dizendo que ele já falou sobre medidas em relação à Amazônia. “O candidato democrata, em duas oportunidades, falou sobre a Amazônia. É isso que vocês estão querendo para o Brasil? Aí sim uma interferência de fora pra dentro”, afirmou.
A proteção ambiental é uma das bandeiras de Biden. Em debate com Donald Trump em setembro, ele chegou a propor a criação de um fundo de US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia e ameaçou sanções caso o Brasil não trabalhe para frear a destruição do bioma, caso seja eleito. Especialistas em ciência política e relações internacionais apontam que o presidente Bolsonaro precisará mudar de postura na agenda ambiental caso Biden vença o pleito, como mostrou matéria do Correio desta quarta.
O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, por exemplo, afirmou que “no curto prazo, a mudança no governo poderá atrapalhar e atrasar o diálogo bilateral do acordo de facilitação de comércio recém formalizado entre Brasil e Estados Unidos”. Mas, no longo prazo, poderá fazer com que o governo brasileiro volte a priorizar a pauta ambiental, porque será preciso mudar o discurso atual. Isso que poderá ajudar na volta das conversas do tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia”, ressaltou.
Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Feliú disse acreditar que não deve haver grandes rupturas entre o Brasil e os EUA, pelo fato de a parceria ser longa e tradicional. No entanto, pontuou que Bolsonaro deve sofrer pressão relativa à política ambiental por parte do país do norte — somando-se, ainda, à pressão que já vem sendo sofrida pela Europa.
“Não acredito que o Brasil vá ‘peitar’ os EUA, porque aí é a completa ‘venezuelização’ do Brasil; aí a política externa fecha de vez e a gente vira Venezuela”, relatou. Para ele, a expectativa é que com uma eventual pressão de Biden, o Brasil mude a política doméstica em relação à Amazônia.