Por Jorge Wellington( Portal Ipirá City) – Quarta, 29 de outubro de 2025
A data de 28 de outubro de 2025 entrou para o calendário macabro do Brasil como mais um capítulo na infindável saga de violência que consome o Rio de Janeiro. Uma chacina, cujos detalhes precisos se perdem na névoa de interesses, omissões e versões conflitantes, não é um evento isolado. É a explosão sintomática de uma gangrena social que há décadas corrói as estruturas do estado, da mídia e da sociedade.
Segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, já são contabilizadas as mortes de 128 civis e quatro policiais, num total de 132 vítimas.
A criminalidade, longe de ser um monstro externo, é um parasita entranhado no corpo político e social. Os traficantes de drogas, atores centrais deste drama de sangue, não operam num vácuo. Suas armas são financiadas por uma complexa rede de corrupção que, segundo os sussurros nos corredores da desconfiança pública, envolve figuras políticas – algumas com nomes e cargos, outras protegidas pela impunidade que seu status proporciona. A bala que ceifa uma vida na favela pode ter sido paga, indiretamente, por um desvio de verba pública ou por um acordo silencioso nos bastidores do poder.
Neste cenário desolador, a imprensa, que deveria ser o farol da verdade, frequentemente se torna uma espectadora omissa ou, pior, cúmplice por negligência. As “informações reais” são soterradas sob um landslide de especulações, versões oficiais pouco críveis e uma cobertura que, por medo, interesse ou cansaço, não ousa desvendar os fios que ligam o crime aos colarinhos brancos e às batinas. O que resta para a população é um vazio informativo, preenchido pelo ruído das redes sociais e pelo temor que silencia testemunhas.
E não se engane: o alcance do crime organizado não é um problema restrito às comunidades carentes. Os dados do Data Folha ecoam como um sino de alerta fúnebre: um em cada cinco brasileiros vive sob a sombra do tráfico ou das milícias. Isso significa que 31 milhões de pessoas acordam, trabalham e criam seus filhos em territórios onde o Estado abdicou do seu monopólio da força. Onde a lei é ditada pelo fuzil e a ordem, pela extorsão.
O medo é o verdadeiro governante dessas áreas. Ele se manifesta no comportamento diário do cidadão: 60% dos brasileiros evitam usar celulares ao caminhar na rua. Este não é um dado estatístico; é a prova de uma psicose coletiva, um retrato de uma nação que internalizou a violência a ponto de modificar seus hábitos mais básicos por pura autopreservação. A liberdade de se comunicar, de se distrair, de simplesmente existir no espaço público, foi sequestrada.
Alguns líderes religiosos, que deveriam ser portos seguros, são, em alguns casos, parte do problema. Seja por conluio direto, seja por discursos que banalizam a violência ou oferecem uma salvação espiritual que ignora a necessidade urgente de justiça social, eles falham em oferecer um antídoto moral para o veneno que intoxica a sociedade.
A chacina de 28 de outubro é, portanto, muito mais do que um número de vítimas. É a materialização de um pacto de fracasso. O fracasso do Estado em proteger seus cidadãos. O fracasso da política em cortar o mal pela raiz. O fracasso da mídia em iluminar os cantos escuros. E o nosso fracasso coletivo, como sociedade, em exigir, incansavelmente, um fim para essa guerra não declarada que já tem demais de um lado: a população inocente, refém do medo e da omissão dos que detêm o poder. Enquanto não encararmos essa teia complexa de responsabilidades, o Rio de Janeiro, e o Brasil como um todo, continuará a escrever sua história com o mesmo ink(tinta) vermelho e infindável do sangue derramado.
Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, após megaoperação no Rio Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil

