Juliana Elias, do CNN Business
em São Paulo14/09/2021 às 04:30
Para economistas, dúvidas do comprometimento do governo com o controle de gastos pressionam o dólar e fazem os preços subirem ainda mais
A vida já não está fácil para o Banco Central, o braço do governo cuja função é dosar os juros para manter a inflação controlada.
A inflação não para de subir e bater recordes. Em agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,9% – o maior para o mês em 21 anos – e acumulou 9,7% em 12 meses. Com isso, o BC está tendo que correr atrás com os juros: a Selic, a taxa básica da economia, já foi esticada da mínima de 2%, no começo do ano, para 5,25%, agora.
Até o fim do ano, analistas já calculam que a taxa de juros deva continuar subindo até chegar aos 8% ou 8,5% – o que será um banho de água congelante sobre um crescimento econômico que já está tendo dificuldades de engrenar.
Para muitos economistas, os juros altos já começam a embutir o preço da sobrecarga deixada nas costas do Banco Central: enquanto crise política colabora para piorar as contas públicas e o câmbio, estaria a sobrar para o BC a tarefa de tentar equilibrar a economia sozinho, só com o recurso do aumento de juros.
O resultado será uma Selic ainda mais alta do que poderia estar e um Produto Interno Bruto (PIB), portanto, ainda mais fraco no ano que vem.
“A tendência é que a economia volte para sua mediocridade [a partir de 2022], a um potencial de crescimento muito baixo, da ordem de 2%”, disse o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, em entrevista à CNN.
“O Banco Central está totalmente sozinho e não vai conseguir fazer o que é necessário para conter a inflação enquanto o Executivo estiver trabalhando contra”, disse o economista-chefe da MB Associadas, Sérgio Vale.
“Sem isso, a Selic com certeza poderia subir menos e nós, infelizmente, podemos pagar o preço com o pior dos cenários: recessão com inflação.”
Sérgio Vale integra o bloco nascente de economistas que já acreditam em um PIB com chance de voltar a ficar negativo neste terceiro trimestre, depois de já ter caído 0,1% no segundo.
Dólar alto
“Toda instabilidade gera pressão sobre o risco”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos e professor da PUC-Rio, mencionando as dúvidas cada vez maiores do mercado financeiro com relação ao comprometimento do governo em cumprir o teto de gastos ou de evitar a criação de exceções para que ele possa ser furado.
“A instabilidade aumenta a taxa de juros cobrada pelos investidores para financiar a dívida pública e gera desvalorização cambial”, completa.
O câmbio desvalorizado e o dólar alto têm sido uma das principais fontes de inflação do país hoje, por meio de produtos como combustíveis e alimentos, que competem com as exportações.
É uma situação que só piora uma ressaca de pandemia que foi recheada de choques de preços globais, e que já estaria deixando a inflação mais alta de toda maneira, como está deixando em vários lugares do mundo. Estados Unidos, Europa e boa parte dos emergentes são alguns que estão sofrendo com preços mais altos do que o esperado.
Ajuste em dúvida
“O BC não tem outra opção [além de subir juros], é esta a missão dele. (…) Mas existe um problema de política econômica, e o Banco Central fica tendo que enxugar gelo por causa dos excessos do lado fiscal”, disse a economista Zeina Latif em entrevista à CNN.
Sérgio Vale, da MB Associados, afirma que, apesar de muitas semelhanças, há uma diferença na crise fiscal de hoje em relação ao cenário que ficou desenhado no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
No governo da petista, o aumento forte e contínuo dos gastos públicos foi um dos fomentadores de índices de inflação tão altos quanto os de hoje – em 2015, o Índice Preços ao Consumidos Amplo (IPCA) chegou à casa dos 10%. Hoje, está em 9,7% em 12 meses.
O resultado foram juros que tiveram que subir até os 14% e que, em última instância, retroalimentaram a profunda recessão de 2015 e 2016, quanto o PIB encolheu cerca de 7% em dois anos.
Hoje, aparte os gastos extraordinários em ajudas à pandemia, a agenda econômica ainda é de ajuste e corte de gastos. É, porém, a dívida já alta e o compromisso cada vez menos firme do Planalto e do Congresso que pioram as expectativas que batem no câmbio.
“Hoje não é o excesso de gastos em si que está gerando demanda e, com isso, inflação”, disse Vale.
“É a situação que está muito ruim, com a dívida alta, e o custo desta dívida aumenta conforme os juros aumentam. O risco fiscal é a incerteza em relação à administração da economia como um todo no futuro. Isso afeta o câmbio, que pressiona a inflação, que pressiona os juros, que leva a menor crescimento e afasta ainda mais investimentos. É um ciclo vicioso.”
Fonte: CNN Brasil