Apontada como exemplo de enfrentamento à Covid-19 por alguns gestores, o Reino Unido foi um dos países que mais cedo decidiu pelo retorno da educação na Europa. Ainda que em Salvador e no restante do país não se tenha copiado o ‘lockdown’ temporário tanto no Reino Unido quanto em outros países, a capital baiana tentou se espelhar para promover a volta às aulas em 2021, no dia 3 de maio, após um longo e prejudicial ano sem ensino presencial.
Uma pesquisa publicada pela Public Health England, entretanto, mostrou que desde outubro de 2020 até janeiro deste ano, as escolas foram responsáveis por mais de 1/4 dos casos de Covid-19 registrados na Inglaterra. Em março, um artigo publicado pela Lancet e que reúne doze publicações científicas, alerta para o risco da “incerteza” dos efeitos a longo prazo da infecção pelo novo coronavírus, que ainda são completamente desconhecidos.
Apesar de reconhecer como pequena a porcentagem daquelas crianças que apresentem quadro grave da doença, o artigo avalia que não é “sensato” permitir que o vírus circule livremente em crianças e adolescentes, com o agravante da eventual contaminação de um familiar. Os pesquisadores indicam também que a redução dos casos está ligada diretamente ao fechamento das escolas, inclusive é o que mostra a experiência britânica.
Em coletiva de imprensa no último dia 28 de maio, o prefeito Bruno Reis (DEM) respondeu ao ser questionado, com base no artigo, se a Prefeitura acompanhava as crianças que foram contaminadas com o vírus para mapear possíveis sequelas, que o retorno do ensino privado na capital foi um “sucesso” e que a “história” iria comprovar que a sua decisão foi acertada.
Ele lamentou ainda que a adesão não tenha sido igual nas escolas públicas, onde os professores sindicalizados se mobilizaram e resistem ao retorno às salas de aula sem a aplicação das duas doses do imunizante na categoria, e também com baixíssimo apelo às famílias. De acordo com a APLB-BA, somente 1% dos alunos retornaram.
Distante do Palácio do Thomé de Souza, as salas das escolas particulares também permanecem vazias e com ocupação bem abaixo dos “quase 100%” no cenário desenhado pelo prefeito há uma semana.
No Salesiano, tradicional colégio no bairro de Nazaré, uma turma do 7° ano conta com apenas um aluno de forma presencial na sala. Com cerca de 35 alunos, o único estudante representa menos de 3% de toda a turma.
O BNews procurou a escola, que por meio da assessoria respondeu que, no total de todas as séries, apenas 15% dos alunos aderiram ao modelo híbrido de ensino. A instituição passou uma lista para os pais e responsáveis informarem se pretendiam enviar os seus filhos e a adesão foi muito abaixo do mencionado pelo prefeito.
No colégio Gregor Mendel, no bairro da Pituba, em uma turma de 5ª série com 23 alunos, somente 6 pais – menos de 1/3 – se sentiram confortáveis para mandar os seus filhos à escola.
Porta-voz do Grupo de Valorização da Educação (GVE), Wilson Abdon, afirmou que um levantamento feito na última semana com cerca de 60 instituições de ensino na capital, que decidiram reabrir de forma híbrida, indica que a adesão geral dos alunos no primeiro mês de aula semipresencial foi de 50%.
Mais adaptados ao modelo remoto, os estudantes do Ensino Médio são os que menos aderiram neste momento à volta às salas de aula, com um percentual de 25% de aceitação. No ensino fundamental I, 50% dos alunos retornaram, enquanto no ensino infantil – crianças normalmente entre 0 e 5 anos – 50% a 70% das famílias mandaram os filhos às escolas.
Wilson Adbon diz que há um movimento gradativo de aceitação das próprias escolas, de reabrirem e proporem às famílias a implantação do modelo semipresencial, como de pais e alunos, e acredita que o este número só vai aumentar, principalmente com o andamento da vacinação contra a Covid-19 em Salvador.
“Temos percebido o aumento de alunos com o passar do mês, a escola tem percebido, fizemos uma pesquisa na semana passada […] o maior grupo que voltou foi da educação infantil, depois fundamental I e um retorno menor do fundamental II e ensino médio, onde de fato o ensino remoto é mais efetivo, os pais decidiram esperar ‘acalmar’ a pandemia. Mas, das escolas que reabriram, 50% dos alunos decidiram retornar”, disse o porta-voz do grupo em entrevista ao BNews.
Diferente dos docentes da rede pública, que se mobilizam por meio da APLB-BA, segundo Wilson Abdon, mais de80% professores das instituições privadas de ensino aderiram à retomada em formato híbrido.
Para o porta-voz do GVE, todos já estão expostos no dia a dia ao risco de contaminação pelo vírus, inclusive mais do que são nas escolas. Ele ressalta que a vacinação não só de professores como de demais funcionários já permite maior “segurança” para a reabertura dos colégios na capital.
“Hoje todo mundo já está andando de transporte público, os pais vão aos shoppings com os seus filhos. O que falamos é retornar com segurança, já tem quase todos os profissionais vacinados, professor, merendeira, pessoal da cantina, todo mundo imunizado, isso já reduz muito o risco de infecção”, argumenta.
A Secom encaminhou uma nota da Secretaria Municipal de Educação (Smed) que informa que entre os “13 mil funcionários das unidades escolares”, foram 120 notificações e somente 28 casos positivo, o que representa 0,2% do quadro. A pasta salienta que até o momento a adesão dos professores foi de 70%.
“Estamos mantendo uma rotina disciplinada de cuidados, seguindo as orientações dos órgãos de Saúde para que os pais e responsáveis se sintam seguros em mandar seus filhos para a escola, pois todas as unidades de ensino foram adequadas aos protocolos sanitários, observando o distanciamento, a higiene das mãos, adotando o rodízio e controle com a entrada e a saída de estudantes e funcionários”, diz o secretário de Educação, Marcelo Oliveira.
O presidente da APLB-BA, Rui Oliveira, contesta os números apresentados pela Smed. Ele enviou uma lista à reportagem com 97 instituições que tiveram notificação de casos na comunidade escolar. Segundo o sindicato, mais de 300 pessoas já foram contaminadas neste contexto.
ALERTA
Se o prefeito Bruno Reis não respondeu sobre o acompanhamento de crianças que foram contaminadas com a doença, o médico pesquisador e doutor em virologia, Gubio Soares, alerta que o número de internação infantil no Brasil é grande e que muitas delas apresentam após a contaminação “sequelas neurológicas”.
Professor da Universidade Federal da Bahia, Dr. Gubio é ainda mais radical ao defender que o poder público busque vacinas para as crianças e adolescentes, já utilizadas nos Estados Unidos, como a da Pfizer, para somente a partir daí retomar o ensino no modelo presencial.
“No Brasil tem um grande número de internamento de crianças com Covid, muitas delas que tem a doença estão ficando com sequelas neurológicas e algumas complicações, não é prudente retomar as aulas quando tem um déficit de vacina no país muito grande”, alerta o especialista, que foi o responsável por descobrir o zika vírus no Brasil.
“Em São Paulo, tem hospital voltado só para crianças que o número de internamento aumento em 100% nos últimos tempos, tem estudos da Fiocruz voltado para isso, já se sabe que crianças se infectam e podem ficar com problemas graves pós-infecção, não só os adultos, mas o sistema neurológico pode ser afetado, desenvolver dores crônicas”, completou.
O médico lembrou ainda a diferença de realidade entre as escolas particulares e públicas, tanto em termos de estrutura física, com a ausência de ventilação adequada, como até da comunidade no entorno, que muitas vezes sofre com desabastecimento de água, como ocorreu recentemente em algumas localidades, e a falta de um saneamento básico adequado.
“A realidade de uma escola particular de um bairro nobre é bem diferente de uma pública, que às vezes não tem sistema de ventilação bom, sanitários muitas vezes quebrados, espaço apertado […] não existe preparo para que a escola pública volte”, assegura.
O déficit na educação e o abismo social aprofundado com a necessidade do fechamento das escolas, diz o virologista, poderia ser sanada não com um retorno precipitado, mas sim com o investimento adequado em tecnologias que equiparem os alunos da rede pública e da rede privada. Dr. Gubio Soares diz que os líderes do Executivo municipal, estadual e federal, deveriam ter se empenhado em distribuir tablets ou computadores e fornecer internet para famílias de baixa renda – algo que poderia ter sido feito ao longo de mais de um ano de pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Tinha que ter sido pensado, os governos deveriam ter investido em tecnologia para dar acesso às crianças, dar internet grátis, fazer parceria com telefonias, doando para as famílias carentes […] isso poderia ajudar a colocar o estudante quase no mesmo nível dos outros da rede privada, que tem computador em casa, O investimento na favela tem que ser isso”, declarou.
Fonte: Bnews